Pergunta e resposta: origem da devoção à Santíssima Virgem Maria

UM LEITOR ANÔNIMO enviou-nos a seguinte pergunta:
As ações da Igreja Catolica falam mais do que mil palavras, por favor, coloque aí no blog relatos dos pais da igreja antes de Constantino que fale a favor de Maria como advocatriz e intercessora, que fale que eles pediam a ajuda dos apostolos e dicipulos quando esses já estavam mortos, chega de muitas palavras, você fala, enrola demais e mostra de menos, quem não lê a biblia pode até cair no teu conto, mas quem le a biblia meu amigo não cai mesmo, afinal é facil criar dogmas estranhos a palavra de Deus e fazer leigos que não liam a biblia engolir como lideres católicos já fizeram.Então para um melhor esclarecimento, estou esperando sua postagem com provas reais de que o que a igreja católica prega de diferente do protestantismo seja a correta."

Apesar do tom acusatório e provocativo, ficamos felizes com essa pergunta, porque nos deu a oportunidade de abordar um assunto importante e ainda inédito por aqui. Quando e como começou a devoção à Virgem Maria?

A Igreja sempre viu a mãe de Jesus Cristo como Mãe da própria Igreja, ou foi isso uma invenção posterior? Desde quando Maria é vista como nossa intercessora junto a Deus? Desde quando a Igreja pede proteção à Maria? Para aqueles que leem exclusivamente a Bíblia, estas são perguntas válidas e justas; afinal, as sagradas Escrituras não tratam destas questões explicitamente.


O erro fundamental

Infelizmente, é preciso começar a responder os questionamentos trazidos pelo leitor anônimo com o esclarecimento daquele ponto fundamental que já tivemos que repetir uma dúzia de vezes (ou mais?) por aqui: quando o leitor afirma que "quem lê a Bíblia não cai", isto é, não aceita as explicações contidas neste site, – que não são nossas, mas representam a doutrina da Igreja Católica, – fica claro que as perguntas estão partindo de alguém que segue "a religião do Livro". As dificuldades começam logo de cara pelo fato de nós, católicos, seguirmos a Religião do Espírito Santo, que foi derramado sobre a Igreja por nosso Salvador Jesus Cristo.

Há dois mil anos, o Senhor Jesus, glorificado pelo Espírito Santo, entrou no Cenáculo de Jerusalém e derramou o Espírito da Ressurreição sobre a sua Igreja, na pessoa dos Apóstolos: “A paz esteja convosco! Recebei o Espírito Santo!” (Jo 20,19ss).

No Domingo da Páscoa, os Apóstolos tornaram-se realmente cristãos; receberam a vida nova do Cristo Ressuscitado, foram transfigurados em Cristo! Aí nasceu a Igreja: na Ressurreição! Aí ela foi batizada no Espírito e recebeu o poder de batizar: “Como o Pai me enviou, assim eu vos envio!” (Jo 20,21). – Contemplando esta realidade sagrada é que se torna nítida a enorme diferença entre as pessoas que têm uma fé toda engessada, presa às palavras literais do Livro Sagrado, e os membros do Corpo do Cristo.

Segundo aquela mentalidade limitada, só o que está escrito no livro, literalmente, "pode". O que não estiver escrito no livro, literalmente, "não pode". Isto é querer reduzir o Caminho de salvação e Comunhão (que é o próprio Cristo) a uma triste piada.

O cristianismo nunca foi religião do Livro. Nós, católicos, temos a Bíblia como sagrada e cremos que ela é Palavra de Deus, sim, a Palavra por escrito. Mas cremos sobretudo que a Palavra, o Verbo de Deus, por excelência, é Jesus Cristo, Deus Vivo, Senhor Ressuscitado, que não se limita à letra, assim como as Sagradas Escrituras nos ensinam que "nem o mundo todo poderia conter os livros que teriam que ser escritos para falar sobre Jesus" (Jo 21,25). Amém!

A mesma Verdade o Apóstolo São Paulo esclarece e aprofunda à perfeição, ao dizer: "Deus nos fez ministros de um Novo Testamento, não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata e o Espírito vivifica" (2Cor 3,6).

É claro que o Apóstolo não afirma que a Escritura é morta ou que não tem valor. Ao contrário, a Escritura "é útil para ensinar, repreender, corrigir, para instruir em justiça" (2Tm 3,16). O problema começa quando achamos que exclusivamente o que está escrito é que vale. Perdemo-nos no Caminho quando achamos o que está escrito mais importante do que a Igreja, que é dirigida pelo Espírito de Deus e autora da própria Bíblia.

As tradições meramente humanas, como as dos antigos fariseus e doutores da Lei de Moisés, foram substituídas pela Tradição da Igreja: Tradição esta que gerou a própria Bíblia dos cristãos. Portanto, a autoridade de fé sobre a doutrina de Jesus Cristo está fundamentada na Igreja que Ele edificou sobre a Terra, e não somente na Bíblia Sagrada, que foi produzida, preservada e deve ser interpretada segundo a mesma Igreja.

Estando claros esses pontos fundamentais, entremos, afinal, na questão da devoção à Nossa Senhora. Pelo teor da mensagem, pareceu-nos que o leitor anônimo crê que a devoção à Virgem Maria começou depois de Constantino, ou que foi Constantino quem a "inventou"... Por isso, é pedida alguma prova de que a Igreja que existia antes de Constantino já cultivava tal devoção. Muito bem, vejamos...



A origem está nos Evangelhos

A devoção à Santíssima Virgem Maria começou com o próprio cristianismo. Naquela singelíssima casa de Nazaré, há dois milênios, encontramos o Anjo Gabriel, enviado por Deus, saudando Maria! “Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1,28). Com estas palavras, vindas diretamente do Céu, começou a devoção mariana. Quem pode negar a evidência deste fato?

"Desde agora, todas as gerações me proclamarão Bem-aventurada!" (Lc 1,48). No Evangelho, Maria faz uma profecia que a Igreja Católica sempre cumpriu, mas as novas "igrejas evangélicas" fazem muita questão de renegar. Maria, cheia do Espírito Santo e grávida do próprio Jesus Cristo, profetiza que será aclamada bem-aventurada por todas as gerações. Já os "pastores evangélicos" a chamam "uma mulher como outra qualquer".

Quando Maria, única guardiã do anúncio do Anjo, visita Isabel, depois da longa viagem da Galileia até a Judeia, ao ouvir a saudação de Maria, a mãe de João Batista percebe que o menino salta de alegria dentro dela, enquanto o Espírito Santo atravessa sua alma e lhe sugere estas palavras: “Bendita és tu entre as mulheres! Bendito é o fruto do teu ventre! Donde me vem a honra de que venha a mim a mãe do meu Senhor?” (Lc 1,42-45). Quem ousa dizer que isso não é a mais pura devoção mariana, registrada no Evangelho? Pois é exatamente o que nós, católicos, pensamos e dizemos de Maria, até hoje.

Vamos à narração do Natal do Senhor. Diz o Evangelho segundo S. Lucas: “Quando os anjos se afastaram deles em direção ao Céu, os pastores disseram uns aos outros: 'Vamos a Belém ver o que aconteceu e o que o Senhor nos deu a conhecer'. Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura” (Lc 2,15-16). É claro que os pastores, após terem se ajoelhado diante do Menino, devem ter lançado um olhar àquela mãe especialíssima, e podem muito bem ter exclamado: “Bem-aventurada és tu, mãe deste Menino!". Bem, isso seria uma pura expressão de devoção mariana, e que não teria nada absolutamente a ver com idolatria.

Passemos a S. Mateus evangelista, que para narrar a chegada dos Magos a Belém usou estas palavras: “E a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o Menino, parou. Ao ver a estrela, sentiram imensa alegria; e, entrando na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, adoraram-no (Mt 2,9-11)”. Podemos imaginar a emoção dos magos, os quais, após uma longa e aventurosa viagem, tiveram a alegria de ver o Salvador tão esperado. Porém, não nos afastamos da verdade dos fatos e nem nos aproximamos da idolatria se imaginarmos que eles, depois da adoração do Menino, tenham olhado Maria cheios de respeito e admiração: a que mulher poderia ser concedida tamanha graça, de gerar e ser mãe do próprio Deus? Simples: assim é a devoção mariana, percebida claramente nas entrelinhas dos Evangelhos de Nosso Senhor.

Nas passagem das bodas de Caná, vemos que o Senhor "adiantou a sua hora", – em suas próprias palavras, – especialmente por um pedido de sua mãe, que intercedeu por aqueles noivos. Depois do primeiro milagre de Jesus, os servos, que acompanharam os fatos, podem muito bem ter pedido à Maria, dizendo-lhe: “Jesus te escuta, e até adiantou a sua hora por um pedido teu! Pede a Ele uma bênção para nossas famílias!”... Seria isto algum absurdo? Não. Mais um exemplo do que é a devoção mariana.

Também aqueles noivos certamente devem ter agradecido à intervenção de Maria, afinal, foi a intervenção (intercessão) dela que salvou a festa deles. Claro que o agradecimento principal seria ao próprio Jesus, afinal foi Ele quem tornou a água em vinho. Mas, se Maria não tivesse pedido pelos noivos, Ele não o teria feito, e o Evangelho é muito claro nesse sentido.

Assim é que começa a devoção mariana. E continua, pelos séculos, sem interrupção. A verdade histórica é: Maria, a partir das palavras pronunciadas pelo Anjo Gabriel (que eram as palavras do próprio Deus para ela, afinal o arcanjo é Mensageiro do Criador), foi imediatamente vista com especial admiração, com grande carinho e reverência. E logo sua intercessão foi invocada, pelo motivo óbvio: seu particularíssimo e incomparável vínculo com o Cristo, – o vínculo da maternidade! – Logo, é evidente que quando recorrermos à Maria para pedir algum favor, não nos encontramos fora do contexto do Evangelho, mas totalmente dentro dele.

Sei que aqui alguns questionarão dizendo que Maria não se encontra mais entre nós, e que isso faz toda a diferença. Segundo estes, não é a mesma coisa pedir a oração de um irmão que está ao nosso lado, aqui e agora, e a um santo que morreu há muito tempo, ainda que esta santa, no caso, seja a própria mãe do Senhor. Bem, nós já tratamos deste assunto específico, e você pode ler e comprovar (também biblicamente) que os santos no Céu estão mais vivos do que nós, aqui na Terra, e permanecem em íntima união com Deus. Leia aqui.


Primeira representação conhecida da Virgem Maria
(Catacumbas de Priscilla - século II)

Outras provas: História e Arqueologia

A partir daqui, passamos da demonstração teológica e da fundamentação bíblica para a apresentação das provas históricas, arqueológicas e documentais. Provas históricas da devoção à Virgem Maria, além da própria Bíblia Sagrada, como acabamos de ver, remontam ao início da Igreja, e são muitas. A Mãe do Senhor foi honrada e venerada como Mãe da Igreja desde o início do cristianismo.

Já nos primeiros séculos, a devoção está presente e pode ser reconhecida, por exemplo, nas evidências arqueológicas das catacumbas, que demonstram a veneração que os primeiros cristãos tinham para com a Santíssima Virgem. Tal é o caso de pinturas marianas das catacumbas de Priscila, do século II, local onde os primeiros cristãos se reuniam, ocultos aos romanos: um deles mostra a Virgem com o Menino Jesus ao peito e um profeta, identificado como Isaías, ao seu lado1. Nas catacumbas de S. Pedro e S. Marcelino também se encontra pintura do século III/IV, que mostra Maria entre Pedro e Paulo, com as mãos estendidas em oração.

Outro magnífico exemplo da devoção à Santíssima Virgem nos primórdios do Cristianismo é a oração "Sub Tuum Praesidium" (Sob Vossa Proteção), do século III/IV, que pede a intercessão de Maria junto a Jesus Cristo:


Sub tuum praesidium confugimus, sancta Dei Genetrix; nostras deprecationes ne despicias in necessitatibus nostris, sed a periculis cunctis libera nos semper, Virgo gloriosa et benedicta. Amen."

Tradução:
À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus; não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades; mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita. Amém"

Segundo linguistas, esta versão latina, embora comumente usada já no século III, afasta-se um pouco do original. Com efeito, confrontando o papiro encontrado em 1927 no deserto egípcio com o texto da oração em uso na antiquíssima liturgia copta, encontramos a versão cuja tradução literal segue abaixo:

Sob a proteção da tua misericórdia nos refugiamos, Mãe de Deus; não rejeites as súplicas nas dificuldades, mas salva-nos do perigo, única bendita. Amém."2

Os Padres do século IV elogiam de muitos modos a Mãe de Deus. Epifânio refutou o erro de uma seita árabe que tributava idolatria à Maria: depois de rejeitar tal culto, ele escreveu: "Sejam honestos para com Maria! Seja adorado somente o Senhor!". A mesma distinção vemos em Santo Ambrósio, que, depois de exaltar a "Mãe de todas as virgens", esclarece com grande propriedade que "Maria é templo de Deus, e não o Deus do templo"; em outras palavras, para prestar sua legítima devoção mariana, livre de enganos, ele distinguiu o lugar devido ao Deus Altíssimo e o lugar da Virgem Maria.

Na Liturgia Eucarística também constam dados confiáveis que demonstram que a menção à Maria nas Orações remonta ao ano 225, e também nas antiquíssimas festas do Senhor, da Encarnação, da Natividade e da Epifania: todas homenageavam a Mãe do Senhor e da Igreja.


O testemunho dos primeiros presbíteros

Orígenes
O primeiro registro escrito da Patrística de que dispomos sobre Maria é o de Santo Inácio de Antioquia (bispo entre os anos 68 e 107 dC). Combatendo os docetistas, defende a realidade humana de Cristo para dizer que pertence à linhagem de Davi, verdadeiramente nascido da Virgem Maria. Afirmando que Cristo foi "concebido em Maria e nascido de Maria", e que a sua virgindade pertence a "um Mistério escondido no Silêncio de Deus".

São Justino (martirizado no ano 167) refletiu sobre o paralelismo entre Eva e Maria: "Se por uma mulher, Eva, entrou no mundo o pecado, por uma mulher, Maria, veio ao mundo o Salvador". No Diálogo com Trifão, insiste sobre a verdade da maternidade de Maria sobre Jesus e, como Santo Inácio de Antioquia, enfatiza a verdade da concepção virginal e incorpora o paralelo Eva-Maria para a sua argumentação teológica.

A teologia mariana é um tema constante dos primeiros presbíteros da Igreja. Santo Irineu de Lyon (nascido no ano 130), em uma polêmica contra os gnósticos e docetistas, salienta a geração de Cristo no ventre de Maria. Também da maternidade divina lança as bases da sua cristologia: é da natureza humana, assumida pelo Filho de Deus no ventre de Maria, que torna possível a morte redentora de Jesus chegar a toda a humanidade. Também digno de nota é sua abordagem sobre o papel maternal de Maria em relação ao novo Adão, em cooperação com o Redentor.

No Norte de África, Tertuliano (nasc. aprox.: ano 155), em sua controvérsia com o gnóstico Marcião, afirma que Maria é a Mãe de Cristo, – portanto Mãe de Deus, – pois o Senhor foi concebido em seu ventre virginal.

No século III começou a ser usado o título Theotokos (Mãe de Deus). Orígenes (185-254 dC) é a primeira testemunha conhecida deste título. Em seus escritos aparece, pela primeira vez, a sentença Sub tuum praesidium, que, como dito acima, é um apelo à intercessão da Virgem Maria. Órígenes também define Maria como "modelo" e "auxílio dos cristãos". Já no século IV o mesmo título é usado na profissão de fé de Alexandre de Alexandria contra Ário.

A partir daí, muitos e muitos presbíteros explicaram a dimensão teológica desta verdade. - Efrém, Atanásio, Basílio, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa, Ambrósio, Agostinho, Proclo de Constantinopla, etc... A tal ponto que o título "Mãe de Deus" torna-se o mais utilizado quando se fala da Santíssima Virgem.

Obviamente, "Mãe de Deus" não implica que Maria é "deusa", e sim que Jesus Cristo, seu filho, é a um só tempo plenamente homem e plenamente Deus. Se Jesus é Deus, e Maria sua mãe, ela é e será sempre a mais agraciada entre todas as mulheres, pois foi – e é, na perspectiva da eternidade onde se encontra, – a Mãe de Deus e, portanto, de toda a Igreja de Cristo.

_______
1. LAZAREFF, Victor Nikitich. Studies in the Iconography of the Virgin, The Art Bulletin, London: Pindar Press, pp. 26-65.
2. OSSANNA, Tullio Faustino. A Ave-Maria: História, conteúdo, controvérsias. São Paulo: Loyola, 2006, pp.36.

ofielcatolico.com.br

| Você que não veio ainda para a nossa plataforma de conteúdos restritos, assine agora por um valor simbólico e tenha acesso aos doze volumes digitais (material completo) do nosso Curso de Sagradas Escrituras, mais a coleção completa em PDF da revista O Fiel Católico (43 edições), mais a nossa Formação Teológica Integral e Permanente (com as 4 disciplinas fundamentais da Teologia: Dogmática, História da Igreja, Bíblia e Ascética & Mística), mais materiais exclusivos e novas atualizações diárias. Para assinar agora por só R$13,90, acesse www.ofielcatolico.com (sem o 'br'). |

A Igreja Católica e a discriminação aos homossexuais

Sou católico muito feliz gosto da minha igreja, dos santos. mas eu fico triste que a igreja a inda discrimina gay. Tenho amigo gay e n~ao tenho nenhum problema com eles acho que o papa Francisco vai manda para com isso. preconceito e dicriminação não!"

A QUESTÃO ACIMA nos foi enviada por um leitor anônimo. Trata-se de uma questionamento bastante atual, que insistentemente se faz aos católicos e, precisamos reconhecer, também aos cristãos de outras confissões. Não são poucos aqueles que, claramente doutrinados na ideologia marxista que infesta o mundo contemporâneo, chegam mesmo a lançar outras perguntas mais ou menos assim: “Se a igreja defende as minorias da discriminação racial, por que então continua dizendo que o homossexualismo é pecado? Isso não é discriminar às pessoas homossexuais?”

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a Igreja não discrimina pessoas homossexuais, de modo algum. Ocorre que, no contexto cristão, o sexo é uma dádiva de Deus, e uma dádiva sagrada. É um dom divino, que tem funções e finalidades bem específicas, também sagradas, – assim como são sagradas as raças e/ou etnias humanas.

Ora, as raças humanas, – branca, negra, amarela ou mestiça de qualquer tipo, – é algo de sagrado, algo desejado por Deus, que deve ser respeitado. Da mesma maneira é o sexo: homem e mulher foram criados por Deus e isso não pode ser simplesmente mudado ao bel prazer dos seres humanos. É por isso que a Igreja diz que os homossexuais ativos e ativistas devem mudar a sua conduta, isto é, o seu comportamento.

Exatamente por isso é que não tem cabimento querermos sacralizar raça e não sacralizar o sexo como algo desejado por Deus. Tomemos o exemplo do famosíssimo artista “pop” Michael Jackson. Muitos o acusaram de tentar mudar de raça. Ele teria feito uma série de cirurgias plásticas e intervenções químicas para despigmentar a pele e se tornar branco, além de alisar os cabelos, afinar o nariz e alterar tudo o que propriamente caracteriza a raça negra.

O próprio artista sempre se defendeu das acusações, e foi de fato comprovado que sofria de vitiligo. Além disso, é difícil entender porque não se criticam às pessoas brancas que gastam fortunas com bronzeamento artificial ou se submetem a tratamentos para encaracolar os cabelos, por exemplo. Porque os brancos podem escurecer a pele, por questões de sensibilidade estética, e um negro não pode querer clareá-la pelo mesmo motivo? Em todo o caso, o que pretendemos discutir aqui é: por que esse artista precisou se defender de tantos ataques, e por tantas vezes? Por que ele foi tão duramente criticado e até perseguido por causa de sua aparência? Por que tanta gente se sentia indignada diante de suas atitudes?

Isto aconteceu e acontece porque os seres humanos, – e a sociedade como um todo, – instintivamente condenam qualquer tentativa de se alterar essa realidade sagrada que é a raça da pessoa. Uma pessoa não tem o direito de querer "mudar de raça", porque, para nós, cristãos, ela foi desejada por Deus. E mesmo quem não crê em Deus entende que não se deve "lutar" contra a natureza. De fato, não há como se negar que, se um negro quisesse se tornar branco, ou vice-versa, isso seria o ato racista supremo.

 Pois bem, o mesmo podemos dizer em relação ao sexo. E já que hoje os ativistas homossexuais buscam comparar o homossexualismo com a questão racial, pondo ambos os problemas num “mesmo saco”, como se fossem questões diretamente relacionadas, devemos dizer que é igualmente por isso que, naturalmente, os seres humanos sempre rejeitaram, – em todas as culturas e civilizações, – a homossexualidade. Dois homens ou duas mulheres querendo relacionar-se e viver publicamente como se formassem um “casal”, isto jamais, em tempo ou lugar algum, foi aceito como coisa digna, meritória, admirável... normal. Assim como é ofensivo e até desonesto alguém querer mudar a sua própria raça, querendo renegar aquilo que Deus ou a natureza fez dele, igualmente é degradante que alguém queira, simplesmente, mudar o próprio sexo.


A proposta e compreensão da Igreja sobre a questão é, como não
poderia deixar de ser, bastante diversa daquela do mundo. Enquanto
políticos oportunistas tentam se aproveitar do sofrimento destas
pessoas, a Igreja procura encorajá-las a assumir o que são com
coragem, dignidade e fé na divina Providência.

A complementariedade entre homem e mulher foi desejada por Deus, enquanto cristãos o podemos afirmar, e basta abrir as páginas do Gênesis para o comprovar com total clareza. Ocorre que a sexualidade humana, ferida pelo pecado original, sofre com inúmeras tendências indesejáveis. O marido, com mulher e filhos, que (deveria, mas) não está satisfeito porque tem dentro de si a tendência de olhar cobiçosamente para outras mulheres nas ruas, ou de consumir pornografia, masturbar-se seria um bom exemplo. Este homem muitas vezes vai além e acaba por se expor (e expor também a esposa e, consequentemente, toda a sua família), a uma série de situações de risco, quando procura prostitutas para tornar realidade suas fantasias secretas. Um homem casado desejar outras mulheres é uma desordem, um desvio, um fruto do pecado original.

Assim, todo homem, como toda mulher, é chamado pela Igreja a conter seus impulsos sexuais desordenados e canalizá-los de forma produtiva, no amor santo, saudável e fecundo, que somente se expressa em dois caminhos possíveis: a castidade, vivida no celibato, ou a fidelidade matrimonial.

Ora, exatamente o mesmo que a Igreja diz aos heterossexuais também diz aos homossexuais; é o mesmo que diz a todos os seus filhos indiscriminadamente: que o sexo não é só para o prazer; que exige amor e responsabilidade; que só deve ser vivido e desfrutado dentro do Matrimônio, aberto à fecundidade que gera famílias. Esta é a doutrina eterna da Igreja para todos, sem discriminação, e é por isso que não se pode jamais dizer que a Igreja discrimina este ou aquele grupo. Muito simples, quando se tem boa vontade.

Por fim, àqueles que dizem ou esperam que o Papa Francisco vá tornar a Igreja uma espécie de ONG assistencialista e "politicamente correta", repetindo aquele já surrado argumento das palavras ditas no avião, quando da visita do Sumo Pontífice ao Brasil: “Quem sou eu para julgar?”, resta perguntar se ouviram ou leram a frase inteira, pois aquilo que ele disse logo depois foi o seguinte:

Quem sou eu para julgar? O Catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem.
(Papa Francisco)

Desonestamente, muita gente cita só as primeiras cinco palavras desta fala, mudando todo o sentido da afirmação. E logo a seguir, o Papa esclareceu o que todos os católicos deveriam já saber, – que a fé católica não autoriza que se marginalizem pessoas, nem o uso da violência gratuita como pretexto para se defender a fé: “A verdadeira força do cristão é o poder da verdade e do amor, que leva à renúncia de toda a violência”.

Quem produz camisetas e adesivos e posta a todo instante este fragmento da frase do Papa na internet deveria ser honesto e acrescentar este simples, porém fundamental, complemento: “...O Catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem”. E seria melhor ainda acrescentar em que números o Catecismo esclarece a questão, a saber, nos seus parágrafos 2358/2359, que reproduzimos abaixo (negritos nossos):

2358. Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, intrinsecamente desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a Vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao Sacrifício da Cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição.
2359. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela Graça Sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã.

Agora sim, podemos entender muito claramente, não “o que o Papa quis dizer”, mas o que ele objetivamente disse: primeiro, que se devem evitar as discriminações injustas. O Catecismo faz questão de especificar que são as discriminações injustas que se deve evitar, e não que qualquer crítica ou observação a determinados comportamentos escandalosos esteja proibida.

Segundo, que a Igreja não está autorizando as relações ou uniões homossexuais ativas, e menos ainda as equipara ao sagrado Matrimônio entre homem e mulher, que geram a vida e produzem famílias, celula mater da sociedade.

A Igreja entende, então, que as pessoas com tendência à homossexualidade devem ser acolhidas no tecido da sociedade sem nenhum tipo de discriminação injusta. A questão não está na condição, mas na prática da coisa, por um lado, e por outro em compreender que o problema não está no discriminar, e sim no divergir, discordar. Discriminar e divergir são coisas absolutamente diferentes.

Voltando ao exemplo do artista norte-americano acusado de querer mudar de raça, imaginemos o que faríamos se tivéssemos um filho negro que quisesse se tornar branco, e passasse a se maquiar e a se submeter a tratamentos cirúrgicos para mudar a cor da pele, alisar os cabelos, afinar o nariz, os lábios... Procedimentos estes que, além de tudo são caros e arriscados, que podem dar errado e expô-lo a o ridículo. – O que faríamos? Não diríamos a ele que se tranquilizasse, aceitasse sua própria natureza e tentasse viver serenamente? Enquanto cristãos, não lhe pediríamos que aceitasse sua natureza, isto é, aquilo que Deus fez dele?

Por fim, aos meus irmãos e irmãs que têm tendências homossexuais, devo exortá-los: acolham o que disse o Papa! Façam o que diz o Catecismo e aquilo que Nosso Senhor pede a todos os que desejam segui-lo: Tomem a sua cruz dia a dia! Vão, aprendam a verdadeiramente se entregar por amor a Cristo, como todo cristão deve fazer! Todos nós temos que procurar controlar e ordenar a nossa sexualidade e canalizar essa energia tão bela para o amor que se doa pelo bem do próximo.

___
Ref.:
Vídeo do padre Paulo Ricardo de Azevedo Jr. "A Igreja Católica discrimina os homossexuais?", disp. em:
padrepauloricardo.org/episodios/a-igreja-catolica-discrimina-os-homossexuais
Acesso 17/8/015
www.ofielcatolico.com.br

Festa da Assunção da Santíssima Virgem

"Assunção da Virgem", Egid Quirin Asam (1692-1750)

O Senhor abençoou-te com a sua fortaleza, pois que, por teu intermédio, reduziu a nada os nossos inimigos. Abençoada és tu, minha filha, pelo Senhor, o Deus altíssimo, entre todas as mulheres da terra. Bendito seja o Senhor, criador do céu e da terra, que te levou a cortares a cabeça do chefe dos nossos inimigos. De tal maneira ele hoje glorificou o teu nome, que o teu nome não desaparecerá da boca dos homens, para sempre lembrados do poder do Senhor. Ao veres os sofrimentos e a amargura do teu povo, não quiseste poupar a tua vida; antes nos salvaste da ruína, sob o olhar protetor do nosso Deus: Tu és a glória de Jerusalém, a alegria de Israel, a honra do nosso povo.
(Livro de Judite 13, 22-25 e 15, 10, lida a 15 de agosto, no rito tradicional latino-gregoriano, por ocasião da Festa da Assunção da Santíssima Virgem)



Homilia de São João Damasceno (676-749)

Ó Mãe de Deus sempre Virgem, a tua sagrada partida deste mundo é verdadeiramente uma passagem, uma entrada na Morada de Deus. Saindo deste mundo material, entras numa “Pátria melhor” (Hb 11, 16). O Céu acolheu com alegria a tua alma:

“Quem é esta, que surge como a aurora, formosa como a lua, brilhante como o sol, terrível como um exército em ordem de batalha?” (Ct 6, 10) – “O Rei introduziu-te nos seus aposentos” (Ct 1, 4) e os anjos glorificam aquela que é a Mãe do seu próprio Senhor, por natureza e em verdade, segundo o plano de Deus. […]

Os Apóstolos levaram o teu corpo sem mancha, o teu corpo, verdadeira Arca da Aliança, e depositaram-no no seu santo túmulo. E aí, como que passando outro Jordão, tu chegaste à verdadeira Terra prometida, à “Jerusalém do alto” (Gl 4, 26), da qual Deus é Arquiteto e Construtor. Porque a tua alma não desceu “à habitação dos mortos”, nem “a tua carne conheceu a decomposição” (At 2,31; Sl 15,10). O teu corpo puríssimo, sem mácula, não foi abandonado à terra, antes foste elevada até à morada do Reino dos Céus, tu, a Rainha, a Soberana, a Senhora, a Mãe de Deus, a verdadeira Theotokos.

Hoje aproximamo-nos de ti, a nossa Rainha, Mãe de Deus e Virgem; voltamos a nossa alma para a esperança que és para nós. […] Queremos honrar-te com “salmos, hinos e cânticos espirituais” (Ef 5,19). Ao honrar a Serva, exprimimos a nossa ligação ao nosso Senhor comum. […] Lança os teus olhos sobre nós, ó Rainha, Mãe do nosso bom Soberano; guia o nosso caminho até ao porto sem tempestades do Desejo bom de Deus.

** Ler / baixar o Próprio da respectiva Missa
www.ofielcatolico.com.br

Jesus de Nazaré: fato histórico ou mito?

No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judéia, Herodes tetrarca da Galiléia, seu irmão Filipe tetrarca da região da Ituréia e Traconites, e Lisânias tetrarca de Abilene… (Lucas 3,1)

COM O CRESCIMENTO dos movimentos agnósticos e o significativo aumento do número de ateus no mundo, crescem também as tentativas de negação da existência de Jesus de Nazaré, chamado "o Cristo", como personagem histórico. É óbvio que um dos maiores sonhos de todo ateu ativista sempre foi o de poder, um dia, ver a ciência "provar" que Jesus de Nazaré nunca existiu, que foi apenas um mito criado com algum propósito delirante. 

Nessa hora, fazem questão de esquecer aquele princípio essencial que eles mesmos pregam com tanta devoção, o de que a explicação mais simples tende a ser a correta ('Navalha de Occan'). Ora, sem dúvida é bem mais simples e sensato supor que de fato existiu um fundador para o movimento que mais tarde se denominou cristianismo do que imaginar que tudo foi apenas o fruto da imaginação de algum super gênio criativo que viveu há dois mil anos na região da Palestina: alguém que tramou, sabe-se lá com que propósito, a mudança mais radical no rumo da História em todos os tempos.

Aceitar que existiu um Jesus é bem mais simples do que supor que, do meio daqueles vilarejos paupérrimos, daquele povo humilde, composto em grande parte por iletrados e fanáticos religiosos que se horrorizavam só de imaginar algo contrário à letra da Lei mosaica, foi elaborada uma tramoia absurdamente bem concatenada e a criação do mais brilhante personagem fictício que jamais existiu.

Ainda mais, seria preciso aceitar que, pouco tempo depois, tantos seres humanos, entre os quais muitos homens e mulheres cultos e bem formados, simplesmente acreditaram tão pia e gratuitamente nessa falsa história a ponto de literalmente sacrificarem suas vidas em nome dela. Bem, isso é o que poderíamos chamar de super, ultra, mega, giga teoria da conspiração! Essa, definitivamente, não seria a explicação mais simples para o fenômeno cristianismo.

Eu já participei de debates em grupos ateus, e sempre achei uma experiência muito curiosa. Hoje, acharia mais irritante do que interessante, devo confessar. De todo modo, aprendi (e aprendo) muito com os ateus. Minha opinião é que essas pessoas cumprem um papel importante em nossa sociedade, até porquê a onda de fundamentalismo religioso que se instala no mundo de hoje é preocupante. Talvez estejamos precisando, sim, de um contraponto. Mas o que mais me fascina nos ateus ativistas é o fato tão contraditório de muitos deles encararem o ateísmo como uma espécie de religião, uma bandeira sagrada a ser levantada e defendida, com unhas e dentes, pelo bem da humanidade, num novo tipo de guerra santa.

É fácil encontrar, entre ateus militantes, os mesmos erros que tanto condenam nos religiosos radicais: extremismo, negação ou desconsideração dos fatos, aquele típico ar de superioridade de quem não se admite capaz de errar... Impressiona o sentimento genuinamente "religioso" que move muitos dos céticos mais ferrenhos. – Eles acreditam piamente que livrar o mundo da “superstição” e da “ignorância” é sua missão de vida.

Muitos ateus acreditam que desmoralizar as religiões é a melhor coisa que um ser humano realmente consciente poderia fazer para tornar o mundo um lugar melhor. Na opinião de muitos deles, a religião e a fé em Deus são os piores venenos que já existiram no mundo. É senso comum, entre eles, que todas as guerras, todas as mazelas e todo sofrimento da humanidade, no decorrer da História, foram provocados por culpa exclusiva das religiões e do sentimento religioso, sendo que a maior vilã entre todos os vilões é, sem dúvida nenhuma, a Igreja Católica.

Todavia, assim como em todo movimento, toda comunidade e em qualquer grupo, aí existem pessoas e pessoas. São apenas pessoas reunidas em torno de um ideal comum. Pessoas que acreditam que somos apenas acidentes de percurso: amontoados de “genes egoístas” buscando, cada qual, a própria sobrevivência. 

Além da óbvia e imediata constatação de que essa teoria não explica o altruísmo humano e nem a nossa consciência do bem e do mal, importa ressaltar que muitos dos mais importantes cientistas, –entre físicos, biólogos e geneticistas do nosso planeta, – acreditam em Deus, como é o caso do biólogo (Doutor em Medicina e Ph.D.) Francis S. Collins, o diretor do Projeto Genoma, que escreveu um livro onde apresenta evidências genéticas da necessidade da existência de um Organizador Inteligente para explicar o Universo dos seres vivos. Além disso, segundo a publicação científica referência Nature, em 2006, 59% dos maiores gênios científicos da atualidade acreditavam em Deus. Maioria. Se a ciência pudesse comprovar, em um ou outro sentido, que Deus não existe, como explicar que a maior parte das mentes científicas mais brilhantes da humanidade acreditem n'Ele?

Um pouco de ciência nos afasta de Deus; muito, nos aproxima."
(Louis Pasteur, cientista francês cujas descobertas tiveram importância fundamental na história da química e da medicina)

Este artigo, porém, não é sobre ateísmo. É sobre um fato que os ateus ativistas gostariam muito que não fosse exatamente isso: um fato. Estou falando da existência histórica de Jesus, chamado Cristo, o personagem de maior influência entre todos os que já pisaram o nosso planeta azul. É claro que alguns grupos céticos menos radicais aceitam a sua existência histórica, – como é o caso do conhecido autor ateu Bart D. Ehrman, que se declara admirado com o questionamento a respeito da existência de Jesus e termina seu livro "Jesus existiu ou não?" (Nova Fronteira, 2014) dizendo isto: “(...) Jesus existiu, e as pessoas que negam abertamente esse fato o fazem não porque analisaram as evidências com o olhar desapaixonado de um historiador, mas porque essa negação está a serviço de alguma causa própria. Do ponto de vista imparcial, houve um Jesus de Nazaré”.

Entretanto, persistem outros pseudo-"historiadores" que insistem (mesmo sob pena de se exporem ao ridículo) em dizer que Jesus de Nazaré não existiu de fato, ou que não haveriam provas de sua existência, tratando-se provavelmente de apenas um mito. Estranhíssimo ver tais pessoas (que se orgulham de alegadamente seguir princípios estritamente científicos), assumindo uma postura assim tão irracional, fechada em torno de uma ideia pré-concebida e indo contra a opinião dos mais importantes historiadores.

É necessário, ao pesquisador seriamente comprometido com a verdade, manter em mente que todos os mais reconhecidos pesquisadores do mundo admitem a existência histórica de Yeshoua (transliteração do hebraico para o nome ‘Jesus’) como fato real e historicamente atestado. Nos maiores centros universitários do mundo, os mais renomados eruditos consideram a existência de Jesus, – personagem histórico, – como ponto pacífico.

Essas lamentáveis contestações de um fato comprovado se baseiam, principalmente, na crença (errônea e irracional) de que não existem registros históricos de Jesus além dos Evangelhos.

Para começo de conversa, se há alguma carência de registros seculares (isto é, não ligados à esfera religiosa), isto não pode ser considerado, em nada, surpreendente, e por diversas razões.

Primeiro, porque apenas uma pequena fração dos registros escritos desse período histórico sobreviveram ao tempo;

Segundo, porque existiam poucos, – se é que realmente existiam, – escribas documentaristas da História naquela região da Palestina no tempo de Jesus. Existe documentação bem maior retratando costumes e acontecimentos nas regiões mais ricas ocupadas pelo império romano na época. Já o que ocorria naquela região miserável realmente não era de maior interesse para os magistrados romanos;

Terceiro, porque os romanos viam o povo judeu como apenas mais um dos grupos étnicos que precisavam tolerar; eles tinham pouquíssima consideração para com aquela gente ingovernável;

Quarto, porque os próprios líderes judeus mais influentes também ansiavam por fazer esquecer Jesus. Assim, os escritores seculares somente começaram a se referir ao cristianismo quando este movimento tornou-se popular e começou a incomodar o estilo de vida que tinham.


"Jesus o Bom Pastor", afresco do século II

Mas, ainda que os testemunhos seculares extra-bíblicos sobre Jesus não sejam abundantes, eles existem, e não podem ser considerados raros. Muitos sobreviveram ao tempo e lhe fazem referências. Entre estes, os mais fidedignos são os de Justo de Tiberíades, Filon de Alexandria, Tácito, Suetônio e também Plínio, o Jovem, sem contar Flávio Josefo, outra fonte isenta e importante, que pode ser contestada na forma, mas não na autenticidade.

É importante esclarecer que, academicamente, essa quantidade de referências isentas é mais que suficiente para ser considerada registro comprobatório de um personagem factual. No caso de Jesus, porém, sempre vai haver quem procure a polêmica. Isso também deveria ser já esperado: ninguém em toda a História da humanidade jamais incomodou tanto, como continua incomodando, como Jesus de Nazaré, chamado Cristo.

Também não é de se surpreender que os registros não cristãos mais antigos tenham sido feitos por judeus. Flávio Josefo, que viveu até 98 dC, era um historiador judeu romanizado. Escreveu livros sobre a história dos judeus para o povo romano que figuram entre as principais referências daquele período histórico. Em sua grande obra “Antiguidades Judaicas” faz referências a Jesus. Em uma delas, escreve:

Por esse tempo apareceu Jesus, homem sábio que praticou boas obras e cujas virtudes eram reconhecidas. Muitos judeus e pessoas de outras nações tornaram-se seus discípulos. Pilatos o condenou a ser crucificado e morto. Porém, aqueles que se tornaram seus discípulos pregaram sua doutrina. Eles afirmam que Jesus apareceu a eles três dias após a sua crucificação e que está vivo. Talvez ele fosse o Messias previsto pelos misteriosos prognósticos dos profetas.
(Josefo, Antiguidades Judaicas XVIII, 3,2)

Em outras partes de sua obra, Josefo também registra a execução de João Batista (XVIII, 5,2) e o martírio de Tiago o Justo (XX, 9,1), referindo-se a este como “irmão de Jesus, que era chamado Cristo”. Deve-se notar que o emprego do verbo "ser" no passado, na expressão “era chamado Cristo” é um testemunho contra possíveis adulterações, já que um cristão certamente escreveria “Jesus Cristo”, ou "Jesus que é o Cristo", e nunca "era chamado o Cristo".

O Talmude, outra fonte judaica importantíssima, também faz referências históricas a Jesus. Nele, os rabinos identificam Jesus e lhe fazem referências hostis, como também à sua Igreja. Estes escritos foram preservados através dos séculos pelos judeus, de maneira que os cristãos não podem ser acusados de terem adulterado o texto. É importante notar que o Talmude registra os milagres de Jesus e não tenta negá-los, mas sim relacioná-los com as “artes mágicas” do Egito. Também a sua crucificação é datada como tendo ”ocorrido na véspera da Festa da Páscoa”, em plena concordância com os Evangelhos (Lc 22; Jo 19). Ainda mais impressionante, e também de forma semelhante aos Evangelhos (Mt 27,51), o Talmude registra a ocorrência do terremoto e o véu do templo que se dividiu em dois durante a morte de Jesus(!). Mais uma vez, também Josefo (Guerra Judaica) confirma estes eventos.

Os romanos também escreveram sobre os cristãos e sobre Jesus. Plínio o Moço, procônsul na Ásia Menor, escreveu em uma carta dirigida ao imperador Trajano:

…Os cristãos têm como hábito reunir-se em uma dia fixo, antes do nascer do sol, e dirigir palavras a Cristo como se este fosse um deus; eles mesmos fazem um juramento, de não cometer qualquer crime, nem cometer roubo ou saque, ou adultério, nem quebrar sua palavra, e nem negar um depósito quando exigido. Após fazerem isto, despedem-se e se encontram novamente para a refeição…
(Plínio, Ep. 97)

Mais uma vez, atenção especial deve ser dada à frase “a Cristo como se este fosse um deus”; trata-se de um testemunho secular, de quem que não acreditava em Jesus como o Filho de Deus e Deus, mas que apenas testemunha sua existência. Também é interessante comparar esta passagem com o livro dos Atos dos Apóstolos (20,7-11), uma narração bíblica sobre a primitiva celebração cristã do domingo.

Um outro historiador romano, Tácito, reconhecido pelos modernos pesquisadores por sua precisão histórica, escreveu sobre Cristo e sua Igreja:

O fundador da seita foi Crestus, executado no tempo de Tibério pelo procurador Pôncio Pilatos. Essa superstição perniciosa, controlada por certo tempo, brotou novamente, não apenas em toda a Judéia… mas também em toda a cidade de Roma…
(Tácito, Anais XV,44)

Mesmo desprezando a fé cristã, Tácito tratou a execução de Cristo como fato histórico, fazendo relação com eventos e líderes romanos (novamente em conformidade com os Evangelhos, como em Lucas 3).

Outros testemunhos seculares ao Jesus histórico incluem Suetônio, – em sua "Biografia de Cláudio", – Phlegon ou Flégon (que registrou o eclipse do sol durante a morte de Jesus!) e até mesmo Celso, filósofo pagão desconhecido. Precisamos manter em mente que a maioria dessas fontes eram não só seculares (laicas) mas também anticristãs. Todos estes autores, inclusive os escritores judeus, não desejavam promover o cristianismo, ao contrário. Eles não tinham motivação alguma para distorcer seus registros em favor do cristianismo, mas sim para negá-lo.

O citado Plínio era um perseguidor de cristãos, que punia ou executava qualquer um que confessasse o Nome de Cristo. Se Jesus fosse um simples mito e sua execução uma mentira, sem nenhuma dúvida Tácito o teria relatado e divulgado a plenos pulmões, pois seria de seu máximo interesse. Jamais teria ele ligado a execução de Jesus aos líderes romanos. Esses escritos, portanto, apresentam Jesus como personagem real e histórico, indubitavelmente.

Negar a confiabilidade de todas as fontes que citam Jesus seria negar todo o resto da História antiga, e, seguindo essa mesma linha de raciocínio, teríamos que duvidar também da existência histórica de uma infinidade de homens e mulheres célebres, como Platão e Alexandre Magno, por exemplo.

Obviamente, não é nossa intenção, com este breve estudo, tentar "provar" que esses antigos escritos seculares testemunham Jesus como o Filho de Deus ou o Cristo, Salvador do mundo, e muito menos ratificar esta ou aquela religião. Provamos apenas o que esses registros demonstram, acima de qualquer dúvida: que um homem incomum chamado Jesus viveu em nosso planeta no início do século I de nossa era, e que iniciou um movimento que cresceu a proporções impressionantes e perdura até os nossos dias. Esse homem foi chamado de Rabi, Mestre, Cristo, Messias, Deus. Por fim, como vimos, esses escritos suportam outros fatos encontrados na Bíblia a respeito da vida do mesmo Jesus. Logo, afirmar que Jesus nunca existiu é renegar a confiabilidade de todos os nossos métodos para estabelecer conhecimento a respeito da História antiga.

____
Fontes e bibliografia:
• ZUURMOND, Rochus. Procurais o Jesus histórico?, São Paulo: Loyola, 1998
• CROSSAN, John Dominic. The essential Jesus. Pensacola: Castle Books, 1998
• Oxford Dictionary of the Christian Church, v. 'Quest of the Historical Jesus'
• HABERMAS, Gary R.. The historical Jesus. Joplin: College Press, 1996
• SANDERS, E. P. The historical figure of Jesus. London: Penguin, 1993
• EHRMAN, Bart D. Jesus existiu ou não? Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014
www.ofielcatolico.com.br

O maior no Reino dos Céus


QUEM É O MAIOR no Reino dos Céus? "Quem se faz pequeno como esta criança, este é o maior, disse Jesus”. Quem é o maior no reino dos homens? Quem possui mais prestígio, poder, fama e dinheiro.

O que queremos? Ser grandes ou pequenos? Queremos ser grandes aonde? No Reino de Deus ou no reino dos homens? No reino dos homens só faremos grandes coisas se formos pequenos no Reino de Deus!

Maria Santíssima foi aquele pequeno "resto" de Israel, profetizado por Isaías, o pequeno resto que permaneceu fiel. Aquele resto não era mais o povo de Israel quando o Verbo se encarnou, porque o povo eleito já havia se tornado rebelde e virado suas costas à Lei de Deus. Ainda que pensassem a estar cumprindo, Deus agora enviava seu próprio Filho para dar a conhecer a Lei Nova. Maria Santíssima é o resto fiel, a única pessoa em quem o Senhor encontra fidelidade e temor do Senhor para se cumprir as profecias.

Quando se encontra com Isabel, sua alma rejubila de alegria no Senhor, seu Salvador, e exultante exclama: “A minha alma engrandece o Senhor e meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque Ele olhou para a pequenez de sua serva...”. Maria é uma pequenina, pobre e simples moça arrebatada pelo seu SENHOR. 

É impressionante o que ela mais guarda em seu coração: o resgate dos humildes, dos famintos, dos escravos, dos últimos, dos anawin: os pobres e pequenos que não são nada, não são ninguém, não tem fama, poder nem prestígio. 

Maria não pára na alegria de ter Deus se formando no seu ventre, mas exulta de felicidade vendo já a revolução de amor que o seu filho, o homem-DEUS, vai trazer. Os pobres habitam o coração da pobre Maria, os humildes e pequenos com ela exultam porque não engrandecem a si mesmos, não louvam a si mesmos, seus grandes feitos ou grandes obras, mas, como Maria, tudo reputam a Deus, tudo entregam a Deus, tudo dependem de Deus: “Felizes os pobres em espírito porque deles é o Reino dos Céus”!

Ela, a mais pobre entre as mulheres da Terra e também a mais rica, foi pobre em tudo. Não é exato dizer que Maria foi invadida por uma poderosa infusão de ciência divina quando concebeu Jesus. E que por via de permanentes e excepcionais graças divinas tenham se dissipado todas as suas dúvidas e que ela soubesse e antevisse todo o seu caminho ou o caminho de Jesus. Não! Como qualquer um de nós, ela foi peregrina da fé, totalmente abandonada ao Desígnio de Deus, e teve que suportar os silêncios de Deus, as demoras de Deus e as cruzes do caminho. Hoje em Belém, amanhã fugindo para o Egito através do deserto; depois, de volta à monotonia e anonimato de Nazaré, e assim permanecendo até o fim de seus dias. Uma figura emblemática, mas como que passando em segundo plano. De fato, esta é a pequena e humilde serva em quem hoje nós nos espelhamos.

Humilde, pequeno é aquele que reconhece os próprios limites e não se orgulha ou se exalta pelos seus méritos e virtudes que tem. É ainda aquele que não aspira reconhecimentos, louvores, lisonjas e honrarias. Eis a pessoa humilde. No mundo atual, esta palavra não quer dizer quase nada, já que as palavras na ordem do dia hoje são: auto-afirmação ('eu quero o meu lugar ao sol; ninguém vai tirar o meu brilho'), egocentrismo, vanglória, reconhecimento e exaltação, méritos e títulos. Tudo isso, para Deus, é palha que queima com uma pequena faísca.

Muitas vezes as pessoas estragam tudo querendo elas mesmas concertar o erro do mundo com suas mãos. Nós não vamos mudar o mundo assim. O mundo não muda por voluntarismo nem por boa vontade. O mundo muda quando nós mudamos a nossa mentalidade mundana e buscamos as coisas do Alto; quando nos convertemos de nossos pecados. Enquanto persistirmos querendo estes valores do reino dos homens, não teremos a pequenez necessária para entrar no Reino de Deus. É preciso perder, caros irmãos. Esta é a verdade do Evangelho! "Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna".

Peçamos a intercessão da Virgem para podermos ser fiéis a seu Filho, para aprendermos a ser pequenos como ela, para aprendermos sua humildade e sermos também servos por amor; para aprendermos a desprezar as lisonjas, as horarias, os louvores, a vanglória e o desejo de auto-afirmação. Então, digamos lá do fundo do nosso coração: Faça-se em mim segundo a vossa Palavra!

___
Fonte:
FERREIRA, Luis Fernando Alves,
homilia disp. em:
padreluisfernando.com/2015/08/quem-e-o-maior-no-reino-dos-ceus.html
Acesso 12/8/015
www.ofielcatolico.com.br

Nulidade matrimonial: quando um casamento é inválido perante a Igreja?

Aviso: este artigo procura apresentar, de forma sintética, as principais informações a respeito do que é um processo de nulidade matrimonial para a Igreja Católica e as formas pelas quais este se dá. Nós, da Fraternidade Laical São Próspero, não temos autorização da Igreja para decretar quais casos se enquadram ou não entre aqueles que a Igreja considera como matrimônios nulos ou inválidos, e menos ainda somos conselheiros amorosos. Os interessados devem procurar o Tribunal Eclesiástico de sua diocese para esclarecer as suas dúvidas – só este é que tem autoridade para informar e orientar os fiéis católicos – e então decidir se convém ou não entrar com um processo legal. 



SE VOCÊ VIVE hoje uma situação conjugal não reconhecida pela Igreja, por ter vivido uma união anterior, leia com atenção este artigo, que foi escrito para você.

    Disse o Senhor: “Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe”, e disse também:

Eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto em caso de falso matrimônio, e esposa outra, comete adultério.” (Mt 19,5-6.9)

    A passagem reproduzida acima, do Evangelho segundo S. Mateus, é da tradução para o português da Editora Ave-Maria, feita do grego pelos monges beneditinos da Abadia de Maredsous (Bélgica) e considerada uma das melhores do mundo, desde sua primeira edição até hoje. Entre os biblistas, é tida unanimemente como a mais correta entre as versões ditas populares (afora as versões 'de estudo') no Brasil.

    Evidentemente, o trecho que diz exceto em caso de falso matrimônio é a chave desta tradução, e que merece atenção especial neste nosso estudo. Outras traduções possíveis seriam "exceto em caso de prostituição" ou "em caso de impureza" ou ainda "em caso de fornicação". Outras versões trazem traduções esdrúxulas (na realidade, impossíveis), como por exemplo, "em caso de infidelidade" ou "em caso de adultério". De fato, o ponto destacado: “exceto em caso de falso matrimônio" ou "de prostituição”, na mente de alguns, parece deixar esta licença especial, sob a qual se poderia contrair novas núpcias licitamente: havendo alguma infidelidade, o marido poderia então deixar sua esposa e contrair um novo casamento abençoado por Deus. Todavia devemos enfatizar que Jesus não se referia ao marido e mulher legalmente casados, pois o trecho em questão não alude à fornicação no casamento, isto é, ao adultério. Como é que podemos saber disso? Analisando o texto original. Vejamos...

    A expressão grega utilizada pelo autor sagrado e que suscita todo o celeuma é “PORNEIA”, que tem o sentido técnico de "VENÛT" ou "prostituição", como se encontra nos escritos rabínicos e se aplica a toda união tornada incestuosa em virtude de um grau de parentesco, interdito pela lei (Lv 18). Uniões semelhantes, legalmente contratadas entre os pagãos ou toleradas pelos próprios judeus no caso de prosélitos, deviam ter criado dificuldades nos meios judaico-cristãos legalistas como o de Mateus, quando tais pessoas se convertiam: daí a ordem de romper essas uniões irregulares que não eram, em suma, senão falsos casamentos.

    Além disso, é uma possibilidade que a licença concedida pela suposta "cláusula de exceção" em questão não se referia ao divórcio, mas à separação de corpos sem novo casamento. Tal provisão era desconhecida do Judaísmo, mas as exigências de Jesus levaram a mais de uma solução nova e esta já é claramente suposta por Paulo em 1 Coríntios, que estabelece com toda a clareza e em todas as letras:

Se ela estiver separada, que fique sem se casar, ou que se reconcilie com seu marido. Igualmente, o marido não repudie sua mulher." (1Cor 7,11)



Examinando as Escrituras: PORNEIA / MOICHEIA

Como visto, se o Senhor estivesse na passagem de S. Mateus 19,9 referindo-se ao adultério (como licença para o divórcio e autorização para uma nova união), o termo utilizado não seria PORNEIA, e sim, muito provavelmente, MOICHEIA, este sim traduzido corretamente por adultério. A diferença de sentido entre as duas palavras é observada de formas distintas em diversos trechos das Sagradas Escrituras:

Porque do coração procedem as más intenções, assassínios, adultérios (MOICHEIA), prostituição (PORNEIA), roubos, falsos testemunhos e difamações.” (Mt 15,19)

Por isso vossas filhas se prostituem (PORNEIA), e as vossas noras cometem adultério (MOICHEIA)...” (Os 4,13-14)

    Há uma clara distinção entre adultério e prostituição. As filhas se prostituem porque são solteiras; as noras adulteram porque são casadas. O adultério, obviamente, ocorre entre pessoas casadas; a prostituição entre solteiros. Portanto, ainda que traduzíssemos a passagem de S. Mateus 19,9 desta forma: “Exceto em caso de prostituição (PORNEIA)”, seria uma cláusula de exceção para solteiros, não para os casados. Se o texto sagrado se referisse aos casados, diria: “Exceto em caso de adultério (MOICHEIA)”, o que não faz. Ainda que algumas versões da Bíblia utilizem a palavra "adultério" neste trecho, trata-se de uma tradução equivocada.


    Importa ainda saber que, dada a forma absoluta das passagens paralelas, – em S. Marcos (10,11), S. Lucas (16,18) e 1ª Epístola aos Coríntios (7,10), – é difícil entender por que os três teriam suprimido a suposta "cláusula de exceção" dada pelo Cristo em S. Mateus (19,9). Alguns estudiosos conjecturam que um dos últimos redatores do primeiro Evangelho a teria acrescentado (evidentemente, segundo a fé cristã, inspirado pelo Espírito Santo) a fim de responder a certa problemática rabínica (a saber, a discussão entre Hilel e Shamai sobre os motivos que legitimavam o divórcio), a qual é sugerida pelo contexto da passagem em questão, em especial no versículo 3 do mesmo capítulo, quando os fariseus, querendo pôr o Senhor à prova, lhe perguntam se é lícito repudiar a esposa por qualquer motivo, e a seguir objetam: "Por que, então, ordenou Moisés que se desse carta de divórcio quando a repudiasse?" Tal disputa parecia preocupar o meio judaico-cristão para o qual escrevia S. Mateus.

    O fundamental é ouvir o que responde Nosso Senhor Jesus Cristo, de pronto, à pergunta feita:

Não lestes que o Criador, no princípio, fez o homem e a mulher e disse: 'Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois formarão uma só carne'? Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu." (Mt 9,4-6)



O Mandamento de Cristo e a nulidade matrimonial

O que foi dito e estabelecido objetivamente por Nosso Senhor, de modo inescapável é isto:

 – 1) O Matrimônio, como Sacramento, é indissolúvel;

 – 2) Pode, em certos casos, ocorrer um falso matrimônio, o que significa que não foi válido, ou melhor, nunca existiu de fato.

    Sendo assim, é possível “anular” um Matrimônio legítimo, segundo as normas da Igreja Católica? A resposta é não. O Sacramento do Matrimônio, realizado com o livre consentimento dos noivos e segundo as normas da Igreja, não pode ser anulado, pois é indissolúvel: nem a Igreja tem o poder de anulá-lo, diferente de um casamento civil, que pode ser dissolvido ou anulado, isto é: existiu, mas, por decisão do juiz e de acordo com os preceitos jurídicos, pela vontade dos cônjuges, deixa de existir.

    O que pode acontecer é que um determinado matrimônio, por uma série de motivos, não tenha sido realmente válido – isto é, foi nulo, nunca existiu de fato. – Aí sim, a Igreja, por meio do Tribunal Eclesiástico, pode dar um sentença de declaração de nulidade, reconhecendo que aquelas pessoas nunca estiveram verdadeiramente unidas pelos laços do Matrimônio, porque nunca receberam validamente este Sacramento.

    Se você contraiu uma união com cerimônia de casamento na igreja, mas rompeu tão definitivamente com o seu cônjuge que tem certeza absoluta de que já não existe mais nenhuma chance de re-conciliação, pode verificar se o seu caso não se enquadra em uma das causas de nulidade matrimonial. Se for assim, é possível conseguir a declaração eclesiástica que lhe permita reconstruir sua vida em paz com Deus e com a sua consciência.


Como proceder?

Quem deseja entrar com um processo de nulidade matrimonial deve pedir a intervenção do Tribunal Eclesiástico da sua Diocese. O seu pároco ou algum sacerdote de confiança estarão aptos a lhe dar uma orientação mais precisa, mas algumas coisas você vai ter que fazer por si mesmo. De qualquer maneira, será preciso procurar pessoalmente o Tribunal Eclesiástico.

    Assim como para administrar a Justiça comum existem os juízes que atuam no Fórum – e quando alguém não está de acordo com uma sentença legal, pode apelar para o Tribunal de Justiça do Estado e, mais além, até mesmo ao Supremo Tribunal Federal –, a Igreja Católica também tem a sua organização própria de justiça. É nesse âmbito que existe o Tribunal Eclesiástico, órgão da Cúria Diocesana cuja finalidade principal é a resolução de conflitos, sobretudo através da conciliação.

    Nas Dioceses onde não há Tribunal Eclesiástico deve haver uma pessoa encarregada dos assuntos da Justiça da Igreja e de encaminhar, quando for o caso, os processos ao Tribunal. Essa pessoa se chama “Vigário Judicial”. Por isso, se você mora muito longe dos grandes centros, não precisa, num primeiro momento, viajar. Basta se apresentar à Cúria Diocesana, onde funciona o escritório episcopal. Ali vai encontrar quem possa lhe ajudar a apresentar o seu caso.

    Petição Inicial/Demanda – Se você realmente chegou à conclusão de que a única saída para o seu caso é pedir a declaração de nulidade do seu matrimônio, o primeiro passo é dirigir-se à Cúria Diocesana e aí procurar pelo sacerdote que se ocupa dos processos de declaração de nulidade. Ele orientará sobre a sua situação pessoal.

    Recomendamos que se receba com humildade essa orientação, pois talvez pelo desconhecimento dessas questões – por sua própria natureza bastante complexas, – muitas vezes o referido sacerdote acaba concluindo não haver motivos para se iniciar um processo de nulidade naquele caso.

    O Processo/conclusão – Os juízes eclesiásticos, diante da dúvida sobre a validade de uma união, realizam um processo judicial que exige um estudo detalhado. Afinal, um Sacramento para a Igreja é coisa seríssima. Caso aquele matrimônio seja realmente considerado inválido, os juízes ditam sentença afirmando que de fato nunca existiu. Ou seja, o matrimônio contraído invalidamente é, simplesmente, um falso matrimônio: nunca existiu, de fato, o sagrado vínculo conjugal.


Em quais casos o matrimônio é nulo?

As circunstâncias que envolvem os casamentos no mundo moderno são tão diversas que é impossível abordá-las todas neste artigo. As condições que tornam o ato da celebração sem efeito, ou seja, nulos ou inválidos, mesmo tendo sido celebrados numa igreja, são diversas. Os Cânones 1083-1094 do Código de Direito Canônico são dedicados a essa matéria.

    A quem queira conhecer melhor o assunto, recomendamos examinar os cânones indicados e procurar um especialista. Desde já, fique tranquilo(a): se o seu matrimônio foi inválido, haverá uma segunda chance. Caso contrário, será o momento para repensar: o que Deus espera de você? Não valerá à pena tentar uma segunda, terceira ou quarta vez recuperar uma união já abençoada?

| Não veio ainda para a nossa plataforma de conteúdos restritos? Assine agora por um valor simbólico e tenha acesso à nossa Formação Teológica Integral e Permanente (com as 4 disciplinas fundamentais da Teologia: Dogmática, História da Igreja, Bíblia e Ascética & Mística), aos doze volumes digitais (material completo) do nosso Curso de Sagradas Escrituras, mais a coleção completa em PDF da revista O Fiel Católico (43 edições), mais materiais exclusivos e novas atualizações diárias. Para assinar agora por só R$13,90, acesse aqui. |

______
Fontes e ref. bibliográfica:

• BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Trad. Ecole Biblique de Jérusalem. São Paulo: Paulus, 2002. – Ref. Evangelho s. S. Mateus (19), vide nota 'b'.
• HORTAL, Jesús. O Que Deus Uniu: lições de direito matrimonial canônico, 6ª ed. São Paulo: Loyola, 2006. pp. 175-180.
ofielcatolico.com.br

Um pecado esquecido na Confissão – e lembrado depois – está perdoado?


HÁ UMA DÚVIDA que, de tempos em tempos, sempre aparece entre fiéis católicos – às vezes até entre os mais experientes. – A pergunta é a seguinte: se alguém, ao se confessar, esquece de um pecado grave que cometeu, e se lembra dele somente após a confissão, este pecado foi mesmo assim perdoado e deve ser definitivamente esquecido? Ou este pecado não é perdoado por não ter sido confessado, e o fiel só receberá o perdão e só poderá novamente comungar quando confessá-lo?

Nenhuma das duas opções acima é verdadeira. De fato, o pecado verdadeiramente esquecido é perdoado, mas o fiel precisa confessá-lo na próxima confissão, que deverá então ser feita o mais breve possível.

A resposta está dada, mas interessa aprofundarmos um pouco a questão: devemos saber, por exemplo, que uma coisa é um pecado do qual honestamente e de toda boa vontade se esqueceu, e que, portanto, realmente não pôde ser confessado. Como se poderia confessar algo de que não se lembrou? Outra coisa é alguém, ao fazer bem e honestamente o seu exame de consciência, lembrar-se deste pecado, e depois, durante a confissão, ter-se esquecido de contá-lo ao sacerdote. Uma terceira situação, ainda, é confessar-se desleixadamente, sem a atenção, a seriedade e o zelo que são necessários para que este Sacramento seja válido.

Nos dois primeiros casos, se a pessoa estiver sinceramente arrependida daquele pecado, – de modo que não o cometeria novamente se a mesma ocasião surgisse e, caso tivesse se lembrado de contá-lo, assim o teria feito, – então é perdoado (para ser confessado na próxima confissão, como já dito).

Já o terceiro caso, do desleixo no exame de consciência, é completamente diferente. Antes de se confessar, é preciso que a pessoa examine com seriedade e sinceridade sua própria consciência, – sem preguiça, sem receios, sem se preocupar com a vergonha de se acusar de algum ato, omissão ou pensamento vexatório.

É natural que muita coisa escape, por exemplo, de alguém que não se confessa há um tempo prolongado e não anota seus pecados. Imaginemos alguém que tenha mais de dez pecados para contar: é bem possível que, diante do padre, acabe por esquecer algum destes. Assim, o ideal é que se faça uso de algum meio auxiliar para favorecer a memória: poderíamos dizer que, em certos casos, anotar os pecados num papel, mais do que uma boa dica, é praticamente imprescindível.

Evidentemente, ainda assim, é possível que um fiel, sem culpa, se esqueça de contar um pecado. Aqui, abro parênteses para compartilhar um testemunho pessoal: certa vez, apenas poucas horas após ter me confessado, lembrei-me de um pecado que considero grave, cometido já há um bom tempo, mas que nunca tinha confessado (exatamente por ter me esquecido dele quase que completamente). É uma sensação desagradável, mas não perdi minha paz de espírito: sabendo que deveria confessar este pecado em minha próxima confissão, anotei-o num papel e guardei-o em minha carteira, para não correr o risco de esquecê-lo novamente. Dito e feito: a cada vez que eu abria a carteira para pagar alguma coisa ou usar um documento de identificação, via lá o papelzinho acusador: poucos dias depois, pude confessar aquela falta antiga.

Concluindo as orientações a respeito desta questão específica, importa dizer que, quando o fiel for confessar seu(s) pecado(s) esquecido(s), deve acusar somente este(s), e não todos os outros já confessados. Os que já foram ditos não devem ser ditos novamente (a não ser, é claro, se foram cometidos de novo).

Ao final desta, reproduzimos os tópicos do Catecismo de São Pio X a respeito destas questões, que, em formato de perguntas e respostas, traz esclarecimentos precisos e bastante claros1.


As qualidades necessárias para a confissão válida

As qualidades principais que deve ter a acusação dos pecados são cinco: deve ser humilde, íntegra, sincera, prudente e breve. Destas, analisaremos agora a questão da prudência, já que as demais nos parecem razoavelmente fáceis de entender.

A confissão deve ser prudente. Isto significa que, ao confessar os pecados, devemos servir-nos dos termos mais modestos e diretos possíveis, e que devemos nos guardar de descobrir os pecados alheios. É claro que, dentro desta obrigação, detalhes irrelevantes devem ser omitidos, assim como certas minúcias cuja gravidade possa ser dita de outras formas, as mais genéricas possíveis, desde que não se deixe de confessar o principal, isto é, o que faz com que aquele ato, palavra, pensamento ou omissão seja pecado.

Neste sentido, talvez o melhor exemplo seja o da confissão dos pecados relacionados à imoralidade e impureza. Não é preciso esmiuçar todos os detalhes referentes ao ato sexual ilícito e/ou imoral. Bastaria dizer, por exemplo: "Pequei contra o 6° mandamento, com uma mulher solteira, ferindo a dignidade do ato sexual". Pronto, o padre já teria a medida da gravidade do ato, sem ter que se escandalizar com detalhes sórdidos.

A confissão verbal dos pecados deve ser praticada de modo a despertar no penitente o arrependimento e a consciência do mal cometido, bastando para isso o senso da medida e da natureza do ato pecaminoso. Querer se lembrar de todas as minúcias pode até afastá-lo da essência do mal cometido.

___________
1. O Catecismo de São Pio X, do n. 740 ao 792, trata do Sacramento da Confissão. Reproduzimos abaixo alguns trechos mais diretamente relacionados ao tema deste artigo:

749) Se uma pessoa não tiver a certeza de ter come tido um pecado, deve confessá-lo?
Se uma pessoa não tiver a certeza de ter cometido um pecado, não é obrigada a confessá-lo; se porém o quiser acusar, deverá acrescentar que não tem a certeza de o ter cometido

751) Quem deixou de confessar por esquecimento um pecado mortal, ou uma circunstância necessária, fez uma boa confissão?
Quem deixou de confessar por esquecimento um pecado mortal, ou uma circunstância necessária, fez uma boa confissão, contanto que tenha empregado a devida diligência no exame de consciência.

752) Se um pecado mortal esquecido na confissão volta depois à lembrança, somos obrigados a acusá-lo noutra confissão?
Se um pecado mortal esquecido na confissão volta depois à lembrança, somos obrigados,sem dúvida, a acusá-lo na primeira vez que de novo nos confessarmos.

753) Quem, por vergonha ou por outro motivo culpável, cala voluntariamente na confissão algum pecado mortal, que comete?
Quem, por vergonha, ou por qualquer outro motivo culpável, cala voluntariamente algum pecado mortal na confissão, profana o Sacramento e por isso torna-se réu de gravíssimo sacrilégio.

1460. Se o padre não dá a penitência no final da confissão, o que acontece? Como fica?
A penitência que o confessor impõe deve ter em conta a situação pessoal do penitente e procurar o seu bem espiritual. Deve corresponder, quanto possível, à gravidade e natureza dos pecados cometidos. Pode consistir na oração, num donativo, nas obras de misericórdia, no serviço do próximo, em privações voluntárias, sacrifícios e, sobretudo, na aceitação paciente da cruz que temos de levar. Tais penitências ajudam-nos a configurar-nos com Cristo, que, por Si só, expiou os nossos pecados uma vez por todas. Tais penitências fazem que nos tornemos co-herdeiros de Cristo Ressuscitado, «uma vez que também sofremos com Ele».

___

Ref.:
Artigo 'Esquecimento na hora da confissão', do apostolado 'Tradição em foco com Roma', disp. em:
tradicaoemfococomroma.com/2013/09/esquecimento-na-hora-da-confissao.html
Acesso 8/8/015

No amor e na verdade

Oh! Mais uma polêmica fabricada...

Por Jorge Ferraz – Deus lo Vult!

AS MANCHETES RIBOMBAM mundo afora: "Papa quer que divorciados casados de novo não sejam tratados como excomungados""Papa pede que divorciados não sejam tratados como excomungados"! "Papa: divorciados que casam novamente ‘não são excomungados’"! Dir-se-ia alguma revelação fantástica, alguma novidade inaudita; trata-se, no entanto, do lugar-comum mais comezinho, que certamente todas as pessoas saberiam se tivessem prestado atenção em suas aulas de catequese – e que, com toda a certeza, os correspondentes de religião dos jornais tinham e têm obrigação de o saber de cor, se quiserem fazer jus ao trabalho que se propõem a fazer.

É evidente que os divorciados não estão “excomungados” (ao menos não pelo fato de serem divorciados recasados) e nem nunca o estiveram. Os adúlteros sempre foram merecedores das mais ásperas censuras, é fato, mas não me consta que tenham sido em alguma época fulminados de excomunhão – e, certamente, não o eram até ontem (ao contrário do que as manchetes dão a entender!), antes de a Imprensa alardear como se fosse a maior novidade do mundo aquilo que os católicos sempre souberam.

Simplificando as coisas (uma vez que a similaridade entre as palavras 'comunhão [eucarística]' e 'excomunhão' pode levar a crer que não poder participar da Comunhão eucarística é o mesmo que estar excomungado), existem dois tipos de pessoas: as que fazem parte da Igreja Católica e as que não fazem parte da Igreja Católica. A “excomunhão” é uma pena mediante a qual o sujeito, que fazia parte da Igreja, é d’Ela expulso e a Ela deixa de pertencer. Portanto, quem é excomungado não faz parte da Igreja Católica. Por não fazer parte da Igreja Católica, evidentemente, não pode participar dos Sacramentos, como não o podem um herege protestante, um pagão ou um ateu.

As pessoas que fazem parte da Igreja Católica – e aqui, por definição, está-se falando daquelas que não estão excomungadas – dividem-se entre as que estão em estado de graça e as que não estão em estado de graça. O estado de graça é a situação de amizade com Deus que se adquire com o Batismo, se perde com o pecado mortal e se recupera com a Confissão sacramental; portanto, quem comete pecado mortal e não se confessa não está em estado de graça. O adultério é pecado mortal. Os divorciados recasados estão em adultério (Mt 5,31-32). Logo, os divorciados recasados, enquanto não se confessarem, estão em pecado mortal, – não estão em estado de graça.

Certos sacramentos – chamados sacramentos “de vivos” – exigem o estado de graça para serem licitamente recebidos. Exemplo máximo desta espécie de sacramentos é o Sacramento da Eucaristia, do qual S. Paulo falou que comia e bebia a própria condenação quem O comesse e bebesse indignamente. A recepção da Santíssima Eucaristia – a Comunhão sacramental – exige o estado de graça. Quem está em pecado mortal não pode, portanto, comungar. Adultério é pecado mortal. Os divorciados recasados estão em adultério. Os divorciados recasados não estão em estado de graça e, portanto, não podem comungar.

Nem todo mundo que não pode comungar não o pode por não fazer parte da Igreja Católica! Quem não é católico (p.ex., quem está excomungado) não pode comungar, é evidente; mas quem não está em estado de graça, mesmo sendo católico, também não pode se aproximar da Comunhão eucarística. Os divorciados recasados não podem comungar por conta deste segundo motivo. Não pelo primeiro. É óbvio.

Que isso não se trata de novidade nenhuma é coisa bastante fácil de se mostrar. Abra-se, por exemplo, a Sacramentum Caritatis, exortação pós-sinodal escrita há apenas oito anos. Ora, isso é já no terceiro milênio; não é crível que a realidade familiar contemporânea seja substancialmente diferente daquela de 2007. Pois bem. Lá, na década passada, um Sínodo dos Bispos já discutiu o problema da admissão dos divorciados recasados ao Sacramento da Eucaristia – que, hoje, quer-se fazer acreditar que é uma discussão importantíssima e inédita em vinte e um séculos de Cristianismo. Um Sínodo dos Bispos, dizia-se, já o discutiu um dia desses. E decidiu (negrito meu):

O Sínodo dos Bispos confirmou a prática da Igreja, fundada na Sagrada Escritura (Mc 10, 2-12), de não admitir aos sacramentos os divorciados re-casados, porque o seu estado e condição de vida contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja que é significada e realizada na Eucaristia. Todavia os divorciados re-casados, não obstante a sua situação, continuam a pertencer à Igreja, que os acompanha com especial solicitude na esperança de que cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vida, através da participação na Santa Missa ainda que sem receber a comunhão, da escuta da palavra de Deus, da adoração eucarística, da oração, da cooperação na vida comunitária, do diálogo franco com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual, da dedicação ao serviço da caridade, das obras de penitência, do empenho na educação dos filhos." (Sacramentum Caritatis, 29)

Ora, dizer que os divorciados recasados «continuam a pertencer à Igreja» é a mesmíssima coisa que dizer que eles «não são excomungados». O que Bento XVI disse há oito anos, o Papa Francisco repetiu agora. À época, a mídia fez um escarcéu porque o Papa dissera que o divórcio era una piaga (isto é, uma chaga, com o sentido de que a Igreja sofre junto com essas pessoas); hoje, a mídia faz uma festa para ocultar o que o Papa disse: que é preciso acolher os divorciados recasados no amor e na verdade.

No amor e na verdade! A expressão se encontra na catequese pontifícia: «é necessário um fraterno e atento acolhimento, no amor e na verdade, para com os batizados que estabeleceram uma nova convivência depois do fracasso do Matrimônio sacramental». Amor na verdade. Lembra alguma coisa?

A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a sua morte e ressurreição, é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira." (Bento XVI, Caritas in Veritate, int. n.1)

Assim se inicia outro documento de Bento XVI, uma encíclica social. Veja-se se esta introdução não serve como uma luva para as presentes celeumas a respeito de divorciados e acesso aos sacramentos:

Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e valor à caridade. Esta luz é simultaneamente a luz da razão e a da fé, através das quais a inteligência chega à verdade natural e sobrenatural da caridade: identifica o seu significado de doação, acolhimento e comunhão. Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o oposto do que é realmente." (Caritas in Veritate, int. n.3)

E ainda, a se grafar em faixas enormes a serem estendidas a cada vez que alguém vier falar em dar a Comunhão aos divorciados recasados:

Um cristianismo de caridade sem verdade pode ser facilmente confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social, mas marginais. Deste modo, deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo." (CV int. n.4)

Eis, portanto, o que significa acolher «na verdade» – e outra coisa não é possível fazê-lo significar. Não dentro da Igreja de Nosso Senhor – Aquela que, «fundada sobre Cristo, não obstante as inúmeras tempestades e os nossos muitos pecados, permanece fiel ao depósito da fé no serviço, porque a Igreja não é dos Papas, dos Bispos, dos padres e nem mesmo dos fiéis; é só e unicamente de Cristo» (Papa Francisco, homilia de 29/6/2015).

Decerto o mundo, inimigo da Igreja, havia de tentar obscurecer a mensagem do Evangelho; decerto a mídia anticlerical haveria de tentar semear a confusão. Não é a primeira vez, nem será a última. O que importa aos homens é permanecer firmes na Verdade, e não dar ouvidos às opiniões levianas que saem na mídia. Porque a Igreja, que não é nem mesmo dos Papas, muito menos o é da Imprensa. Muito menos o é das reivindicações da moda. Por mais que rujam os demônios, a Igreja é e vai continuar sempre sendo «só e unicamente de Cristo». E, por mais que se tente, ninguém será capaz de vencer a força desta verdade.

Fala-se muito em como a Igreja deveria se portar; ninguém quer ouvir como a Igreja ensina que os homens devem proceder. Não engrossemos o coro dos primeiros. Ouvir a voz da Igreja outra coisa não é que ouvir a voz de Cristo. E felizes – mil vezes felizes! – os que, ouvindo esta Doutrina, puserem-na em prática.

____
Fonte:
Artigo "No amor e na verdade", postado em "Deus lo Vult!", disp. em:
deuslovult.org/2015/08/05/no-amor-e-na-verdade/
Acesso 5/8/015
www.ofielcatolico.com.br
Subir