É preciso um altíssimo grau de cegueira voluntária para negar que, neste mundo, existem coisas bonitas e coisas feias – incluindo pessoas. Ora, não estamos aqui falando do caráter e nem da dignidade de ninguém. Uma pessoa muito boa pode ser muito feia, e todos sabemos que isso acontece muito, talvez até porque as pessoas desprovidas de beleza estética estejam livres de certas tentações, como por exemplo a da vaidade.
S. João Maria Vianney que o diga, ou será que, olhando as imagens do santo Cura d'Ars, alguém ousaria dizer que ele foi um modelo de beleza física? Claro que a santidade de alguém e/ou o amor que nutrimos por essa pessoa pode torná-la bela de um modo muito especial, e de fato muito mais elevado que o da mera aparência física; a visão de alguém que amamos, independente da estética, é sempre agradável aos olhos e, via de regra, alguém que é bom para todos parece sempre formoso(a) diante de todos.
As igrejas antigas (ditas 'pré-conciliares') continham em sua própria estrutura um mistério, uma atmosfera de reverência ao sagrado que desapareceu nas construções modernas. O edifício em forma de Cruz, a abóbada, a acústica, as paredes decoradas com imagens das vidas dos santos, o acabamento repleto de simbologia sagrada, os elementos litúrgicos, a luz das velas, o aroma do incenso, os vitrais... Era difícil entrar em um templo bem cuidado e não se sentir pré-disposto à oração; tudo levava a uma reverência pelo Divino. Parece inegável que essa curiosidade e essa atração estética inicial atrai os jovens e os prepara a um contato mais profundo com a mensagem cristã católica.
Lamentavelmente, pouco sobrou de toda essa atmosfera que remetia à adoração de Deus nos caixotões pós-conciliares, que se parecem bem mais com galpões, tendo ao centro um mero palco e não mais o Altar do Sacrifício, e o Sacrário –, que deveria ser o centro de tudo –, relegado a um canto.
Mas há expressões artísticas que são verdadeiras estradas que levam a Deus, à Beleza suprema; mais, são uma ajuda para crescer na relação com Ele, na oração. Trata-se das obras que nascem da fé e que exprimem a fé. Podemos ter um exemplo quando visitamos uma catedral gótica: sentimo-nos arrebatados pelas linhas verticais que se perfilam rumo ao céu e atraem para o alto o nosso olhar e o nosso espírito enquanto, ao mesmo tempo, nos sentimos pequenos, antes, desejosos de plenitude... Ou então quando entramos numa igreja românica: somos convidados de modo espontâneo ao recolhimento e à oração. Apercebemo-nos de que, nestes edifícios esplêndidos, está como que encerrada a fé de gerações. Também, quando ouvimos uma peça de música sacra que faz vibrar as cordas do nosso coração, a nossa alma é como que dilatada e ajudada a dirigir-se a Deus. Vem-me ao pensamento um concerto de músicas de Johann Sebastian Bach, em Munique da Baviera, dirigido por Leonard Bernstein. No final da última peça, uma das Cantatas, senti, não por raciocínio mas no profundo do coração, que aquilo que eu ouvira me tinha transmitido a verdade, a verdade do sumo compositor, impelindo-me a agradecer a Deus. Ao meu lado estava o bispo luterano de Munique e, espontaneamente, disse-lhe: «Ouvindo isto, compreende-se: é verdadeiro; é verdadeira a fé tão forte, e a beleza que exprime de maneira irresistível a presença da verdade de Deus».
Mas quantas vezes quadros ou afrescos, fruto da fé do artista, nas suas formas, nas suas cores, na sua luz, nos impelem a dirigir o pensamento para Deus e fazem crescer em nós o desejo de beber na fonte de toda a beleza. Permanece profundamente verdadeiro o que escreveu um grande artista, Marc Chagall: que durante séculos os pintores molharam o seu pincel naquele alfabeto colorido que é a Bíblia. Então, quantas vezes as expressões artísticas podem ser ocasiões para nos recordarmos de Deus, para nos ajudarem na nossa oração ou também na conversão do coração! Paul Claudel, famoso poeta, dramaturgo e diplomata francês, na Basílica de Notre Dame em Paris, em 1886, precisamente ouvindo o canto do Magnificat durante a Missa de Natal, sentiu a presença de Deus. Não tinha entrado na igreja por motivos de fé, tinha entrado precisamente para procurar argumentos contra os cristãos, e, pelo contrário, a graça de Deus actuou no seu coração.
Queridos amigos, convido-vos a redescobrir a importância deste caminho também para a oração, para a nossa relação viva com Deus. As cidades e os países de todo o mundo encerram tesouros de arte que exprimem a fé e nos exortam à relação com Deus. Ora, a visita aos lugares de arte não seja apenas uma ocasião de enriquecimento cultural − também isto −, mas possa tornar-se sobretudo um momento de graça, de estímulo para reforçar o nosso vínculo e o nosso diálogo com o Senhor, para nos determos a contemplar − na passagem da simples realidade exterior para a realidade mais profunda que exprime − o raio de beleza que nos atinge, que quase nos «fere» no íntimo e nos convida a elevarmo-nos rumo a Deus.
Termino com a oração de um Salmo, o Salmo 27: «Uma só coisa pedi ao Senhor, e desejo-a ardentemente: poder habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, contemplando a beleza do Senhor e orando no seu templo» (v. 4). Esperemos que o Senhor nos ajude a contemplar a sua beleza, tanto na Natureza como nas obras de arte, de modo a sermos tocados pela luz da sua face, a fim de que também nós possamos ser luz para o nosso próximo. Obrigado!
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1. Os dados relativos ao estudo citado constam de artigo publicado pela agência Gaudium Press: 'Estudo ratifica importância de templos belos em conversões individuais', disp. em:
http://www.gaudiumpress.org/content/88469#ixzz4nTKFB6Nx
Acesso 21.7.017
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Fontes e ref.:
DIAS, Jurandir. 'Por que a beleza importa?', disp. em:
https://ipco.org.br/ipco/53582-2/#.WXIO9NTyuCh
Acesso 21.7.017
ASSEMBLEIA PLENÁRIA DOS BISPOS. Via Pulchritudinis, O Caminho da Beleza, São Paulo: Loyola, 2007.
www.ofielcatolico.com.br
Concordo plenamente. Quando entro em uma igreja antiga, isso me ajuda muito a me elevar nas orações e me sentir mais conectado com a religião.
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