Virgindade perpétua de Maria, Mãe de Jesus Cristo

O que significa este dogma? Trata-se de uma invenção da Igreja ou possui fundamento bíblico e histórico? Maria, mãe de Jesus, teve outros filhos? Quem eram os irmãos de Jesus, citados na Bíblia?



PARA NÓS, CATÓLICOS, “Jesus é o único filho de Maria” (CIC §501). Cremos que Jesus não teve irmãos de sangue, e isso testemunha o dogma da Perpétua Virgindade de Maria. Todavia essa verdade de fé é muito contestada por “evangélicos” que, lendo superficialmente o Evangelho, encontram trechos aparentemente incompatíveis e menções aos "irmãos de Jesus". Vejamos o que diz o Evangelho segundo S. Mateus:

Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas? Não vivem entre nós todas as suas irmãs? (Mt 13,55-56).

Sim, o texto sagrado cita "irmãos de Jesus", e em outras passagens ainda revela os seus nomes: Tiago, José, Simão e Judas. A versão de S. Marcos também nomeia os ditos irmãos de Jesus (Mc 6,3), e o Evangelho segundo S. Lucas diz: “Vieram ter com ele sua mãe e seus irmãos...” (Lc 8,19). Já o 4º Evangelho (S. João) relata: “Depois disto desceu Ele para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos” (Jo 2,12). Também nos Atos dos Apóstolos encontramos referências aos irmãos de Jesus: “...Perseveraram unânimes em oração, com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os seus irmãos” (At 1,14).

E agora? Como podemos crer ainda na virgindade perpétua de Maria, se as Escrituras são tão claras em afirmar que o Senhor tinha irmãos?

Como sabemos, as passagens citadas acima são sempre usadas para atacar a fé dos católicos, e podem provocar mesmo certa confusão: Jesus teve ou não irmãos de sangue? Acontece que a resposta nos é dada pela própria Bíblia Sagrada. Vejamos...

Como visto, os irmãos de Jesus seriam Tiago, José, Judas e Simão – mas seriam eles filhos de Maria e de José? A resposta é não, não eram. Os Evangelhos testemunham que todos eles tinham outro pai e outra mãe. Pesquisando, vemos que a Bíblia cita dois Tiagos: um é filho de Alfeu (Cleofas) e outro é filho de Zebedeu. Lemos em S. Mateus (atenção para os grifos):

Eis os nomes dos doze Apóstolos: o primeiro, Simão, chamado Pedro; depois André, seu irmão. Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Filipe e Bartolomeu. Tomé e Mateus, o publicano. Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu. (Mt 10,2-3)

E S. Mateus ainda nos revela o nome da mãe de Tiago e de José: “Entre elas, se achavam Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu" (Mt 27,55-56).

Vemos então que Alfeu (Cleofas) era o pai de Tiago e de José, os mesmos que são chamados "irmãos de Jesus". A mãe deles se chamava, sim, Maria, um nome que já era comum naquele tempo. Essa Maria era a mãe de Jesus? Não. Sabemos isso com certeza porque o Evangelho segundo S. João mostra esta Maria ao lado da Virgem Maria, mãe de Jesus, na hora da crucificação: “Junto à Cruz estavam a mãe de Jesus, a irmã da mãe dele, Maria de Cleofas, e Maria Madalena.” (Jo 19,25).

Se a Mãe de Jesus estava junto com Maria de Cleofas, que era a mãe de Tiago e de José, então sabemos, sem nenhuma dúvida, que não se trata da mesma pessoa. E vemos que João chama à outra Maria de “irmã da mãe de Jesus”: – “... a irmã da mãe dele, Maria de Cléofas...”.

Logo, se o que o Evangelho diz é verdade (como católicos, cremos que é) está demonstrado que Maria de Cleofas era irmã da Maria mãe de Jesus, Nossa Senhora. Logo, segundo a Bíblia, Tiago e José, que são chamados irmãos de Jesus, eram na realidade seus primos.

Talvez – e é bem provável – Maria de Cleofas não fosse irmã direta de Maria Santíssima. Na realidade seria imprudente crer literalmente na afirmação de Maria de Cleofas como "irmã" (adelphé : αδελφή no texto bíblico) de Maria, mãe de Jesus, pois é improvável (embora não impossível) que um pai judeu colocasse o mesmo nome em duas de suas filhas. A esse respeito disse o historiador Hegesipo, ainda no século II, que ambas eram cunhadas, pois seus maridos, estes sim, eram irmãos de fato (cf. Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, Lv III, XI,1). Sendo cunhadas (parentes próximas), são chamadas "irmãs", e aqui estamos diante de outra forte evidência de que o significado do termo era plural: a terminologia "irmão/irmã" era utilizada de modo geral para a designação de parentesco.

O mais importante e que mais nos interessa, aqui, é justamente isto: acabamos de provar que, na linguagem bíblica, o termo "irmão" pode designar parentesco, e não quer dizer necessariamente que duas pessoas sejam filhas do mesmo pai e da mesma mãe. Isso não é nenhuma novidade ou segredo para qualquer especialista em disciplinas como Sagrada Escritura, História de Israel, Hebraísmo ou outras. Quem insiste em querer interpretar literalmente as passagens que se referem a "irmãos de Jesus" é ignorante do assunto ou desonesto. 

Mas e quanto a Judas Tadeu, que também é citado na lista dos “irmãos de Jesus”? Este caso é bem interessante, porque o próprio S. Judas esclarece a dúvida, logo no início da sua Epístola, quando se apresenta: “Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago...” (Jd 1,1).

Portanto, S. Tiago, que é diversas vezes chamado "irmão de Jesus", assim como José e Judas, eram irmãos entre si, e portanto sobrinhos de Nossa Senhora; logo, eram primos de Jesus Cristo. Fica aqui, mais uma vez, "biblicamente provado" o costume dos autores dos Evangelhos de se referir a primos e primas, ou em alguns casos até a parentes mais distantes, como "irmãos".

Quanto a Simão, contamos com os registros históricos de Hesegipo, historiador do primeiro século (que possivelmente conheceu os descendentes dessas pessoas) que incluem Simão entre os filhos de Maria e Alfeu. Então por que, exatamente, a Bíblia chama essas pessoas de “irmãos de Jesus”? É bem simples: são chamados “irmãos” porque na língua hebraica falada na época não havia um termo específico para “primos”. Nos textos originais, a grafia AH é empregada para designar parentes de até segundo grau.


As evidências escriturísticas são abundantes

Além de tudo isso, muitas outras evidências demonstram que a Sagrada Família de Nazaré era composta por três membros apenas – Jesus, Maria e José – como o início do Evangelho segundo S. Mateus, que diz, literalmente

Com a morte de Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, no Egito, e disse: Levanta-te, toma o Menino e sua mãe e retorna à Terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do Menino. José levantou-se, tomou o Menino e sua mãe e foi para a Terra de Israel.
(Mateus 2, 19-21)

Entre historiadores e biblistas não há consenso, mas sabemos que a fuga para o Egito transcorreu durante o período de perseguição de Herodes, e que a volta ocorre somente depois da sua morte. São propostas várias datas para esse período de exílio, a partir de documentação e dados diversos. Para alguns seria algo entre dois e três anos, outros calculam um período de sete anos[1]. Em todo caso, se Maria tivesse tido outros filhos com José, conforme o que era a prática habitual da época, de famílias numerosas com filhos que vinham em sequência, certamente já haveria ao menos mais uma criança, que seria mencionada pelo anjo. Mas o mensageiro de Deus manda que José tome Maria e o Menino (no singular) e os leve de volta para Israel, sem mencionar nenhum irmão ou irmãos.

Também o Evangelho segundo S. Lucas atesta a mesma verdade, na passagem que apresenta Jesus sendo encontrado no Templo de Jerusalém, já aos 12 anos de idade, pregando aos doutores. De acordo com a lei judaica, toda a família devia peregrinar a Jerusalém, pela Páscoa (conf. Dt 16,1-6; 2Cr 30,1-20; 35,1-19; 2Rs 23,21-23; Esd 6,19-22). E a Escritura diz que somente José, Maria e Jesus foram a Jerusalém.

Maria, então, afirma que ela e José procuraram Jesus, quando se perderam d'Ele: “Filho, por que fizeste assim conosco? Teu pai e eu, aflitos, estamos à tua procura” (Lc 1,48). Mais uma vez, se houvessem irmãos de Jesus, seriam mencionados aqui, mas não são.

Outro trecho bíblico que prova que Maria não tinha outros filhos: no momento da crucificação, em meio às terríveis dores, Jesus confere ao discípulo João a tarefa de acolher Maria em sua casa (Jo 19,27). Se Jesus tivesse irmãos de sangue, ele não deixaria sua mãe com João, até porque a Lei mandava que, no caso da morte do filho mais velho, o irmão mais moço assumisse os cuidados da mãe. Jesus não tinha irmãos e deixou sua mãe com João. Mais uma vez, está na Bíblia.

A verdade pura e simples é que outros filhos não são literalmente mencionados entre os integrantes da Sagrada Família, em nenhuma – absolutamente nenhuma – parte da Bíblia.


Outras contestações

1. Outra argumentação, esta bastante infantil, baseia-se em um trecho do Evangelho segundo S. Mateus, que diz: “(José) a recebeu (Maria) em sua casa sua esposa; e não a conheceu até que ela deu à luz o Filho” (Mt 1,25)... Alguns querem ver aí uma insinuação de que José e Maria não coabitaram no período da gravidez, mas que depois disso tiveram uma vida conjugal normal.

Ocorre, porém, que a palavra do texto original traduzida por “até” não tem essa conotação. Para tirar qualquer dúvida, basta observar que se trata do mesmo vocábulo usado em 2Samuel (6, 23), que diz o seguinte: “Mical, filha de Saul, não teve filhos até o dia de sua morte”. Fica bem demonstrado que, no contexto que estamos estudando, a preposição “até” pode indicar continuidade. Mical não teve filhos até a morte. E será que depois da morte ela teve filhos? Óbvio que não. A palavra “até”, nesse caso, sugere que a situação de Mical permaneceu a mesma depois da morte. O mesmo pode perfeitamente valer –, como de fato vale –, para a sentença “José não a conheceu até que ela deu à luz o Filho”. Virgem antes, permaneceu depois, assim como Mical não teve filhos até a morte, e, evidentemente, nem depois.

2. Jesus, o Filho primogênito" – Outra contestação recorrente é aquela que se baseia, mais uma vez, na interpretação equivocada de um único adjetivo: "primogênito". Porque e Evangelho segundo S. Lucas diz que Jesus foi o primogênito, alguns são rápidos em supor que Maria teve outros filhos.

Vamos entender muito bem o que isso quer dizer: o Evangelho diz: "Maria deu à Luz seu Filho primogênito" (Lc 2,7). Como sabemos, a palavra "primogênito" significa primeiro filho – e apenas isto, podendo esse primeiro ser filho único ou não. O estudo da filologia revela que na redação dos Evangelhos a palavra "primogênito" significava, literalmente, "o filho que abriu o útero" (cf. Ex 13,2). Assim, no Livro de Números (Nm 3,40), lemos: "O Senhor disse a Moisés: 'Faze o recenseamento de todos os primogênitos varões entre os israelitas, da idade de um mês para cima, e o levantamento dos seus nomes'".

Se a palavra primogênito indicasse a existência de outros irmãos, poderiam haver primogênitos "da idade de um mês para cima"? Claro que não, já que os bebês de poucos meses, sendo os primeiros filhos, não tinham nenhum irmão. Mesmo assim, são chamados primogênitos. Muito simples.

Mais ainda, se considerássemos que o termo primogênito significasse necessariamente o primeiro filho, seguido de mais um ou mais alguns irmãos, então seríamos obrigados a dizer, em consequência, que Jesus também não é o único Cristo Filho de Deus(!). Sim, pois o livro de Hebreus diz que é Ele o Filho primogênito de Deus Pai:

E novamente, ao introduzir no mundo o seu Primogênito, diz: ‘Todos os Anjos o adorem!’.
(Hb 1,6)

Sim. A Epístola aos Hebreus diz, com todas as letras, que Jesus Cristo é o Primogênito do Pai, por isso é adorado por todos os Anjos. Pergunta aos protestantes: se a palavra "primogênito" significa "o primeiro irmão", então nós temos um outro Filho de Deus, outro Senhor, algum Irmão celeste de Jesus? Temos mais  uma Pessoa divina, além do Pai e do Filho e do Espírito Santo? Há mais de um Messias adorado por todos os Anjos?

Se a resposta para todas essas perguntas é não, pois Jesus Cristo é o único Filho de Deus e Deus, o único Salvador e Mediador entre Deus e os homens, então você, querido "evangélico", é obrigado a reconhecer que o termo "primogênito", aplicado a Jesus, não implica, de maneira nenhuma, que Ele tenha tido outros irmãos, filhos da mesma mãe.

Dizemos e proclamamos mais uma vez, com a autoridade da única Igreja instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo: em lugar absolutamente nenhum da Bíblia Sagrada está escrito que Maria, mãe de Jesus, teve outros filhos; ao contrário: todo o contexto do Livro Sagrado indica com clareza que Jesus foi e é o seu único Filho.

Para encerrar, lembramos que a Virgindade Perpétua de Maria não é fé somente católica. Todos os cristãos antigos, os católicos como também os ortodoxos, professam essa mesma verdade, e até os islâmicos. E assim também fizeram os primeiros chamados "reformadores" protestantes, que terminaram por dar origem àquelas que hoje são chamadas erroneamente “igrejas evangélicas”, dando o seu testemunho pessoal deste dogma católico, como vemos nos escritos do próprio Lutero:

O Filho de Deus se fez homem, concebido do Espírito Santo, sem o auxílio de varão, a nascer de Maria pura, santa e sempre virgem.
(Martinho Lutero, 'Artigos da Doutrina Cristã')

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1. LEAL, Juan e outros, La Sagrada Escritura, Evangelhos I, BAC Madrid 1964, pp. 30-31; ELLI, Alberto, Vida (e morte) de José, o carpinteiro, em Revista Terra Santa n°. 4 2012, pp.31-32, Jerusalém, Israel.

• Ref. bibliográfica:

MADROS, Peter H. Fé e Escritura - 2ª ed. São Paulo: Loyola, 1989, pp. 140-153

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