A DOUTRINA DA INFALIBILIDADE do Papa foi definida no 4º capítulo da 4ª sessão do Concílio Vaticano I (1869-1870), durante o pontificado de Pio IX. É comum ouvirmos, porém, muitos questionamentos a esse respeito, de pessoas que pensam que os católicos acreditam que o Papa seja infalível no sentido de impecável, como se fosse um homem acima do bem e do mal, isento de qualquer erro ou pecado, incapaz de fazer ou dizer qualquer coisa incorreta.
O Sumo Pontífice da Igreja, claro, é humanamente imperfeito. Se alguns polemizam a respeito dessa questão, será por desconhecimento da Doutrina. No caso dos protestantes, que muito o questionam, é inegável que existe má vontade para aprender e entender. Por se tratar de um tema importante, no entanto, é necessário que os católicos compreendam definitivamente este assunto, para que possam também elucidar a outros quando tiverem a oportunidade.
Em primeiro lugar, a doutrina da infalibilidade não diz que o Papa é um homem perfeito, que nunca erra ou que não pode pecar, por ser o Papa. O que a doutrina da infalibilidade papal afirma é que o Papa é infalível quando ensina a toda a Igreja em matéria de fé e de moral, nas condições "Ex Cathedra".
O que significa isto? Ex Cathedra (do latim) significa, literalmente, "da Cadeira" ou "da Cátedra", quer dizer, quando ele fala como catedrático, isto é, como o maior Doutor que nos deu a Providência naquelas matérias mais importantes para a salvação das nossas almas. Quer dizer que o Papa é infalível quando se pronuncia a partir do Trono de São Pedro, aquele que recebeu as Chaves do Reino dos Céus, de quem ele é o legítimo sucessor, isto é, como o Sumo Pontífice, líder e condutor terreno de toda a Igreja, mas isso se dá especialmente nas seguintes condições:
1) Quando se pronuncia como sucessor de Pedro, usando o poder das Chaves concedidas ao Apóstolo pelo próprio Cristo Jesus (Mt 16,19);
2) Quando o objeto do seu ensinamento é a moral, fé e/ou os costumes;
3) Quando ensina à Igreja inteira;
4) Quando é manifesta a intenção de dar decisão definitiva (dogmática), condenando que se ensine tese oposta.
Resumindo, o Papa é infalível quando se dirige, na qualidade de Sucessor de São Pedro Apóstolo, que ele propriamente é, a toda a Igreja; quando o objeto do seu pronunciamento é a moral, a fé e/ou os costumes; e quando define uma decisão a partir desta sua autoridade.
Fora das condições descritas acima, o Papa é passível de falhas. Fica esclarecido, portanto, que nós, católicos, não cremos que o Papa é uma espécie de ser humano perfeito, que nunca erra e nem pode pecar. É importante notar também que mesmo fora dessas condições específicas o Papa não pode ensinar o erro a toda a Igreja, expondo ao risco as almas dos fiéis a ele confiadas: pode falhar como doutor privado, mas nunca como o Papa: esta é a chamada infalibilidade passiva, e é um assunto complexo, para o qual recomendamos a leitura atenta do documento pelo qual Pio IX definiu o dogma da infalibilidade (que pode ser acessado e lido na íntegra neste link) e, entre outras coisas, define (formal e infalivelmente) o seguinte:
...o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de S. Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o Depósito da Fé, ou seja, a Revelação herdada dos Apóstolos. E esta doutrina dos Apóstolos abraçaram-na todos os veneráveis Santos Padres, veneraram-na e seguiram-na todos os santos doutores ortodoxos, firmemente convencidos de que esta Cátedra de S. Pedro sempre permaneceu imune de todo o erro, segundo a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo feita ao príncipe dos Apóstolos: 'Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos'.[1]
Mesmo assim, alguns continuam achando absurdo pensar que o Papa é infalível quando instrui a Igreja a respeito de doutrina. O que você, leitor, pensa disso?
Se somos mesmo cristãos, isso não é nenhum absurdo: na verdade, pelo contrário, crer na infalibilidade papal é, mais do que uma obrigação, uma conclusão natural e instantânea de todo o edifício da fé cristã. Para quem tem essa fé genuinamente cristã, o absurdo seria pensar que o Papa, Sucessor de Pedro e Pastor maior da Igreja, aquele que comanda toda a imensa nação de fiéis que constituem o Corpo Místico do Cristo no mundo, fosse falho enquanto líder, pois nesse caso ele seria totalmente incapaz de assumir a missão de conduzir a Igreja.
Se o líder máximo da Cristandade não fosse infalível enquanto condutor da Igreja, não poderíamos crer em Igreja, nem nos Evangelhos, nem mesmo em Jesus Cristo, que pessoalmente entregou ao primeiro Sumo Pontífice as Chaves do Reino, e prometeu que estaria com a sua Igreja até o fim do mundo. – A infalibilidade é lógica, autoevidente e consta explicitamente nas Sagradas Escrituras:
Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo. (Jesus Cristo à sua Igreja, no Evangelho segundo S. Mateus - 28,19-20)
Atenção: nosso Senhor afirma aos Apóstolos que estará com a Igreja até o fim do mundo. O mundo ainda não acabou, e a Igreja continua. Logo, isto demonstra que não só os Apóstolos, mas também os seus sucessores, escolhidos por eles próprios (como vemos no livro de Atos), estão ainda hoje conduzindo a humanidade sob a Assistência do Espírito Santo e de Nosso Senhor Jesus Cristo, que também garantiu a infalibilidade da doutrina dos Apóstolos:
Eu vos mandarei o Prometido de meu Pai; permanecei até que sejais revestidos da Força do Alto. (Lc 24,49)O Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu Nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo que vos tenho dito. (...) O Espírito da Verdade o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece, mas vós o conheceis, porque permanecerá convosco e estará em vós. (Jo 14,26.17)
Note-se a afirmação: "O Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece...". Jesus diz que cabe aos Apóstolos ensinar a doutrina verdadeira e autenticamente inspirada por Deus, que eles serão constantemente iluminados pelo Espírito Santo para esse fim. – Fica claro que não basta cada um ler a Bíblia, é preciso seguir a orientação da Igreja, que por sua vez é guiada pelo Papa, sob a Luz do Santo Espírito.
Jesus Cristo enviou seus Apóstolos para propagar a toda a humanidade o Caminho que leva até o Pai do Céu. Portanto, se cremos em Jesus Cristo e nos Evangelhos, temos que crer também que os Apóstolos são infalíveis em seus ensinamentos, já que Cristo estará com eles até o fim do mundo, para que cumpram a missão de levar o Evangelho "até os confins do mundo": "Descerá sobre vós o Espírito Santo, e vos dará o poder; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia, Samaria e até os confins do mundo" (At 1,8).
"O que ligares na Terra será ligado nos Céus, e o que desligares na Terra será desligado nos Céus": a própria entrega das Chaves do Reino dos Céus a Pedro, com a promessa de que o Inferno não prevaleceria sobre a Igreja, juntamente com o poder dado a ele, Pedro, de ligar e desligar na Terra e no Céu (Mt 16,18-19), é a afirmação clara, direta e insofismável da infalibilidade daquele que comanda a Igreja. Se Nosso Senhor disse aos Apóstolos que deveriam ensinar o Evangelho à humanidade, e prometeu que estaria sempre com eles, até o fim do mundo, então, pela Providência Divina, esta Igreja não pode ensinar o erro, mas somente a verdadeira Doutrina, o Caminho certo até o Céu.
A (re)confirmação definitiva consta no Evangelho segundo Lucas, quando o Senhor Jesus Cristo fala a Simão Pedro:
Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por sua vez, confirma os teus irmãos. (Lc 22,31)
Mais tarde, o próprio Apóstolo Pedro confirmou esta mesma verdade, quando disse, no meio de todos os Apóstolos e presbíteros da Igreja reunidos, no Concílio de Jerusalém: "Irmãos, sabeis que há muito tempo Deus me escolheu dentre vós, para que da minha boca os pagãos ouvissem a Palavra do Evangelho e cressem." (At 15,7).
Não. Não há dúvida nenhuma quanto à autoridade e infalibilidade da Igreja de Jesus Cristo enquanto "Casa do Deus Vivo" e "Coluna e Fundamento da Verdade" (1Tm 3,15) para os cristãos, e nem do Apóstolo Pedro e de seus sucessores.
Como a criatividade humana não tem limites, porém, os inimigos da Igreja nunca deixam de tentar contestar até mesmo as verdades mais simples. Desesperados em sua tentativa de negar o óbvio, apelam para todo tipo de insanidade: já ouvimos dizer até que Pedro teria perdido a sua autoridade ao ter negado Nosso Senhor por três vezes... Que grande tolice, pois o Senhor voltou a confirmar a autoridade de Pedro quando lhe confiou a tarefa de apascentar o seu rebanho (a Igreja) depois disso, já ressuscitado (Jo 21,14-17). O mais curioso é que aqueles que inventam esses desvarios são os mesmos que se colocam como supostos entendedores das Sagradas Escrituras.
Jesus Cristo é Deus, sabe tudo. Por certo sabia das contestações que surgiriam, no correr da história, a respeito da autoridade e da infalibilidade do Papa. Por isso, fez questão de repetir por três vezes que estava entregando a Ele, Pedro, a missão de apascentar seus cordeiros e suas ovelhas, isto é, a Igreja neste mundo.
Resumo e considerações finais
Não, o Papa não é infalível enquanto homem. Trata-se de um ser humano que dedicou e consagrou toda a sua vida ao serviço de Deus e da Igreja, e que foi eleito para ser o seu Cabeça visível. Mesmo assim, isso não significa necessariamente ser santo, pois, como visto, até mesmo S. Pedro, que conviveu diretamente com o Senhor e foi por Ele instituído, era falho: mesmo após a Ascensão do Senhor, Pedro, que sempre manteve o seu livre arbítrio, parece ter se equivocado em certos momentos, em determinadas questões práticas ou disciplinares, sendo repreendido por Paulo, outro Pilar da Igreja e grande Apóstolo. Mas essas dificuldades humanas não se refletiram nas suas instruções dogmáticas e doutrinais à Igreja, como por exemplo no caso da abolição da circuncisão (At 15,1-12).
Sim, o Papa é infalível em suas funções como autoridade instituída diretamente por Nosso Senhor Jesus Cristo. A ele foram concedidas as Chaves do Reino de Deus, para instruir o Povo de Deus neste mundo, à frente da santa Igreja. A única ocasião em que Deus interfere no livre-arbítrio dos Apóstolos é quando estes cumprem a missão de doutrinar as "ovelhas" de Deus, pois os seres humanos não têm condições de comunicar Deus através da sua própria ciência ou por seus próprios méritos. Assim, o fiel comum não é capaz, através de elucubrações, estudos e debates com outras pessoas, de definir um ensinamento isento de erro; mesmo os grandes teólogos não possuem essa capacidade: suas conclusões somente são aceitas quando colocadas sob a apreciação do Magistério da santa Igreja, centrada na figura do Papa.
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Observação importante: Hoje, nestes nossos dias confusos, a mais elementar honestidade nos impede de negar, em reta consciência diante de Deus, que o atual "Papa Francisco" já tenha caído em heresia, mais de uma vez, e que ele vem ensinando o erro à toda a Igreja, além de agir pertinazmente contra a moral e os costumes autenticamente católicos. Diante do fato, alguns tentam argumentar que isso é possível por ele não ter se manifestado Ex Cathedra ao cometer tais crimes (é a posição de Dom Athanasius Schneider, bispo do Cazaquistão, autor e respeitado teólogo). Outros discordam, dizendo que tal situação nos obriga a questionar a validade ou a legitimidade deste papado (é a posição de Dom Carlo Maria Viganò, Arcebispo e ex-Núncio Apostólico dos EUA, um eminente teólogo); mais além, temos a posição dos sedevacantistas, que geralmente questionam a legitimidade de todos os papas que vieram depois do desastroso concílio Vaticano II e suas novidades heréticas.
O assunto é amplíssimo e complexo; não há como esgotá-lo, aqui. Mas é preciso dizer que nós estamos, assim, colocados diante de conclusões e posições teológicas distintas, e que compete a cada fiel católico decidir o que fazer, optar por uma delas ou simplesmente suspender o seu juízo até que tudo se esclareça: esta é a dificílima situação em que vivemos nestes dias, que muito possivelmente são aqueles profetizados como os da grande apostasia. Enquanto leigos, não nos cabe decidir por ninguém a respeito desse problema fundamental. Limitamo-nos a oferecer alguma luz que auxilie nossos irmãos, para aclarar suas dificuldade e os questionamentos que surgem, e o fizemos numa série especial que pode ser lida acessando-se este link. Rezamos continuamente pelo bem e pela salvação de todos os nossos leitores.
O assunto é amplíssimo e complexo; não há como esgotá-lo, aqui. Mas é preciso dizer que nós estamos, assim, colocados diante de conclusões e posições teológicas distintas, e que compete a cada fiel católico decidir o que fazer, optar por uma delas ou simplesmente suspender o seu juízo até que tudo se esclareça: esta é a dificílima situação em que vivemos nestes dias, que muito possivelmente são aqueles profetizados como os da grande apostasia. Enquanto leigos, não nos cabe decidir por ninguém a respeito desse problema fundamental. Limitamo-nos a oferecer alguma luz que auxilie nossos irmãos, para aclarar suas dificuldade e os questionamentos que surgem, e o fizemos numa série especial que pode ser lida acessando-se este link. Rezamos continuamente pelo bem e pela salvação de todos os nossos leitores.
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[1] CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA PASTOR AETERNUS do Supremo Pontífice SS. PIO IX, de 18 de julho de 1870.
Arquivo Vaticano, PASTOR AETERNUS,disp. em:
https://vatican.va/archive/hist_councils/i-vatican-council/documents/vat-i_const_18700718_pastor-aeternus_it.html
Acesso 10/1/2024.
U. Bellocchi (ed.), Todas as Encíclicas e os principais documentos pontifícios emitidos desde 1740 , vol. IV: Pio IX (1846-1878), pp. 334-340, 1995, Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano.