Grande Oração a São Miguel Arcanjo


GLORIOSÍSSIMO PRÍNCIPE da Milícia Celeste, São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate e na luta contra os dirigentes deste mundo de trevas, contra os espíritos malignos, espalhados pelos ares. Vinde em socorro dos homens que Deus criou à sua Imagem e Semelhança, e resgatou por grande Preço da tirania dos demônios.

A Santa Igreja vos venera como seu guarda e protetor; confiou-vos o Senhor a missão de introduzir na felicidade celeste as almas resgatadas. Rogai, pois, ao Deus da paz que esmague Satanás sob nossos pés, a fim de que ele não mais possa manter cativos os homens e fazer mal à Igreja.

Apresentai ao Altíssimo as nossas preces, a fim de que sem tardar o Senhor nos faça misericórdia, e contenhais vós o Dragão, a antiga Serpente, que é o Demônio e Satanás, e o lanceis acorrentado no abismo para que não mais seduza as nações. Amém.


Magnae Oratiae Sancte Michael Arcangele

Princeps gloriosissime caelestis militae, Sancte Michael Archangele, defende nos in praelio adversus príncipes et potestates, adversus mundi rectores tenebrarum harum, contra spiritualia nequitiae, in ad imaginem similitudinis suae fecit, et a tyrannide diaboli emit pretio magno.

Te custodem et patronum sancta veneratur. Ecclesia; tibi tradidit Dominus animas redemptorum in superna felicitate locandas. Deprecare Deum pacis, ut conterat Satanam sub pedibus nostris, ne ultra valeat captivos tenere homines, et Ecclesia nocere.

Offer nostras preces in conspectu Altissimi, ut cito anticipent nos misericordiae Domini, et apprehendas Draconem, serpentem antiquum, qui est diabolôs et Satanas, et ligatum mittas in abyssum, ut non seducat amplius gentes. Amen.

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Fonte:
LIMA, Pe. Antônio Lúcio da Silva, Orações do Cristão, Português - Latim. Paulus, 2012.
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'Ainda hoje estarás comigo no Paraíso' – Um estudo sobre Lucas 23,43


UM LEITOR ANÔNIMO enviou-nos algumas questões interessantes, no seguinte comentário ao post "A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final":

O texto é bem esclarecedor, como todos os artigos deste blog. Parabéns pelo excelente trabalho. Porém, gostaria que, se possível, uma dúvida minha fosse sanada, relacionada à uma objeção apresentada ontem por um protestante. Em diversos artigos postados em sites católicos, notei que o relato do "bom ladrão", situado em Lucas 23,39-43, é utilizado como prova de que a alma permanece inconsciente após a morte. Porém, me foram apresentadas três objeções:

1- A Bíblia diz que Jesus estabelecerá o seu Reino no fim dos tempos. Portanto, o relato é uma promessa futura, e não imediata.

2- O Evangelho narra que os soldados quebraram as pernas dos malfeitores, mas não as de Jesus, pois ele já estava morto. Portanto, o ladrão estava ainda vivo, o que atesta que tal promessa ocorrerá no futuro somente.

3- Jesus ressuscitou ao terceiro dia, e diz que não havia subido ao Pai. Portanto, seria impossível que o termo "hoje" fosse empregado no sentido defendido pelos católicos.
Gostaria de uma resposta. Obrigado!"

Em primeiro lugar, agradecemos ao leitor pelas gentis e encorajadoras palavras. Nosso único objetivo com este trabalho é o de contribuir, – não na medida de nossas estreitas capacidades, mas pela Graça do Bom Deus, – no esclarecimento da fé católica aos que a buscam.

A tradição deu ao "bom
ladrão" o nome Dimas
Entrando nas questões que você propõe, é no mínimo curioso, e certamente é mais do que questionável, que essas objeções tenham partido de um protestante. Ora, são eles que fundamentam todo o conjunto de sua fé e práticas na literalidade do Texto Sagrado, e não nós, católicos. Se uma passagem bíblica trouxesse algum embaraço, alguma contradição com outras passagens bíblicas, isto seria um entrave muito maior para a crença deles do que para a nossa fé. O católico não se deixa perturbar com passagens bíblicas difíceis, porque sua fé não se fundamenta exclusivamente na interpretação particular das Escrituras, mas sim naqueles três pilares fundamentais: Magistério, Tradição e Escritura. Sendo assim, temos sempre a que recorrer quando encontramos dúvidas e obstáculos no prosseguimento do Caminho (que é o Cristo), e não ficamos reféns da nossa própria compreensão das letras. – Nós, que somos tão fracos e falhos. – Temos, antes de tudo, a orientação da Igreja, que é o Corpo de Cristo e a Coluna e o Sustentáculo da Verdade.

Isto posto, devo dizer que não estudei nada diretamente relacionado a estes temas muito específicos que você propõe. Em todo caso, preciso dizer que não vejo aí dificuldade alguma, pois o que estudei e aprendi é mais que suficiente para dissolver os aparentes problemas. Vejamos então as suas questões, uma por vez.


A Bíblia diz que Jesus estabelecerá o seu Reino no fim dos tempos; logo, o relato é uma promessa futura e não imediata

Como eu sempre digo por aqui, e como todo católico deve saber (e ter sempre essa resposta 'na ponta da língua', para dá-la a quem questioná-lo), as Sagradas Escrituras precisam ser compreendidas no todo, no seu conjunto, e este conjunto precisa convergir, tem que ser coeso. Se assim não fosse, não poderíamos crer nelas como divinamente inspiradas, pois o Espírito de Deus não poderia dizer algo numa passagem e contrariá-lo em alguma outra.

Muito bem. A partir daí, é sempre muito fácil responder ao protestante que acena com uma passagem bíblica que lhe parece dizer determinada coisa, usando uma outra passagem bíblica que demonstra uma realidade diferente. Por isso é que devemos, enquanto católicos, "criarmos vergonha na cara" e começarmos a estudar mais as Sagradas Escrituras, e com mais empenho e interesse. O católico comum, via de regra, parece ter pouco interesse na compreensão da própria fé, atendo-se a uma religiosidade mais prática e afetiva, ligada ao sentimento mas não à razão. A razão, entretanto, não é estranha à fé, porque procede da mesma Verdade Eterna (Deus), como ensinou o titã da fé Santo Tomás de Aquino. Fé e razão, portanto, não devem andar separadas: são como que as duas "pernas" da alma no Caminho da salvação. Se usarmos apenas uma perna, vamos mancando neste longo Caminho, e o nosso avanço será lento... Certamente nos atrasaremos, se é que conseguiremos chegar ao final.

Estudemos mais a Bíblia, meus irmãos católicos! Se os "cursos livres" oferecidos pelas nossas paróquias e mesmo boa parte das publicações populares atuais são fracos e até inconsistentes com a autêntica fé católica, pesquisem por si mesmos, procurem ajuda, esforcem-se! Um primeiro bom passo na direção certa, que eu aconselho, é adquirir um exemplar da Bíblia de Jerusalém e ler um capítulo por dia (ou um a cada dois ou três dias, ou pelo menos um por semana, conforme a disponibilidade de cada um), lendo também e com muita atenção as introduções e as notas de rodapé; compre um caderno, faça anotações, consulte o dicionário, aprofunde a pesquisa na internet... E reze! Suplique a Luz do Espírito Santo, com fé, amor e confiança antes de cada sessão de estudos. – Garanto que isto será de mais valia do que a conclusão de muitos "cursos" que hoje se oferecem por aí. Acredite: com boa vontade se progride muito!

Retomando a linha de raciocínio nesta resposta, eu desafiaria este protestante que o questiona, anônimo, a mostrar onde e quando é que Jesus falou, assim tão categoricamente, do Reino dos Céus como um evento futuro. Esta é uma interpretação particular dada como certa, já que os Evangelhos dizem muito claramente:

Interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o Reino de Deus, (Jesus) respondeu-lhes, e disse: O Reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: 'Ei-lo aqui', ou: 'Ei-lo ali'; porque eis que o Reino de Deus está entre vós'." (Lc 17, 20-21)

O Senhor não diz que o Reino de Deus virá num futuro distante, mas sim que já está presente, como uma realidade já atuante. Ainda mais interessante é lembrar que outra tradução perfeitamente possível (usada em algumas versões) para o texto original em grego (ἐντὸς  ὑμῶν) é: "O Reino de Deus está dentro de vós".

Vemos então que esta primeira contestação parte de uma confusão entre o Reino de Deus ou Reino dos Céus, propriamente dito, e o advento do Dia do Juízo, quando o Reino de Deus será definitivamente consumado e consolidado, para todas as almas e definitivamente. O Reino de Deus é uma realidade; o dia do Juízo Final, no qual o mesmo Reino se tornará tudo em todos, é outra.


O Evangelho narra que os soldados quebraram as pernas dos malfeitores, mas não as de Jesus, pois ele já estava morto. Portanto, o ladrão estava ainda vivo, o que atesta que tal promessa ocorrerá no futuro somente

Quanto a esta segunda objeção, com toda a honestidade e humildade, devo dizer que não merece sequer ser considerada, porque é totalmente desprovida de sentido. Quem foi que disse que, para que a promessa de Cristo fosse cumprida, os dois (o Senhor e o ladrão) teriam que morrer juntos, no mesmo instante? Ou que o Senhor precisaria morrer depois? O fato de Jesus ter morrido primeiro invalidaria a sua promessa? Por quê? Tolice pura e mais nada, passemos a próxima questão porque não temos tempo a perder.


Jesus ressuscitou ao terceiro dia, e diz que não havia subido ao Pai. Portanto, seria impossível que o termo 'hoje' fosse empregado no sentido defendido pelos católicos

Quanto a esta terceira objeção, creio que já está bem respondida nesta mesma postagem ('A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final'). Ora, como visto ali, o tempo de Deus não é o nosso tempo e, como dissemos no seu último parágrafo, a partir da perspectiva da eternidade não existe ontem nem amanhã, mas apenas o eterno "Hoje", o eterno "Agora".

    Aliás, é exatamente esta perspectiva que explica e torna possível uma outra questão teológica considerada das mais difíceis para a nossa razão: a existência do Inferno. Por não haver "amanhã" é que aquelas almas jamais alcançarão o perdão. Não é que sofrerão "para sempre", numa sucessão de dias e noites, sem jamais obter a misericórdia divina. É que por terem adentrado a eternidade como inimigas de Deus, por sua decisão consciente, aquelas almas permanecerão nesta mesma condição no infinito "hoje" que é a eternidade, num lugar ou realidade onde não há tempo e, por isso mesmo, para elas não haverá a esperança de um amanhã melhor. Não há tempo, não haverá amanhã.

Ao contrário, mas da mesma maneira, para os que merecerem o Céu não haverá a possibilidade de novas tentações e quedas num "amanhã" incerto. Viveremos (valha-nos Deus!) numa realidade perene de bem-aventurança sem fim, na plenitude do Amor divino.

Assim, o "ainda hoje" de Jesus Cristo demonstra com clareza que, logo após a morte física, o "bom ladrão" e Jesus estão juntos, sim, de um modo que não somos capazes de compreender a partir do intelecto meramente humano, em um nível e numa existência que agora não podemos inteligir. Após esta vida, não estaremos mais limitados pela nossa atual experiência e noção do tempo (passado, presente, futuro), mas viveremos sempre no agora sem fim.

Rezamos para que esta reposta possa ajudar, a tantos quantos queira Deus, a compreender algo de sua Glória infinita
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A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final


UM LEITOR ANÔNIMO enviou-nos, no post "Catequese fundamental: os vivos e os mortos, o Céu e a Terra, a Imaculada Conceição", esta muito singela mensagem:

Se os santos estão vivos então pra que a Biblia fala na ressureição?

Esta é, sem dúvida, uma daquelas questões bastante simples, mas que confunde muita gente. O eixo da questão parece estar vinculado à passagem bíblica de Hebreus (9, 27), que diz que "aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o Juízo". Vamos tentar, então, esclarecê-la, e para isso partiremos de uma breve reflexão sobre a finitude da vida neste mundo.

Para meditar sobre o fim de nossas vidas neste mundo é conveniente lembrar primeiro da sua origem. “Deus criou o homem imortal; fê-lo à sua imagem e semelhança. Por inveja do demônio, entrou no mundo a morte” (Sb 2, 23-24). Nós não fomos criados para a morte. Haviam no Paraíso duas árvores: a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e a Árvore da Vida. A única proibição de Deus a Adão e Eva foi comer do fruto da primeira, e mesmo assim eles pecaram, afastando-se da Graça, perdendo sua condição especial de criaturas próximas de Deus. Foram, então, expulsos do Paraíso. Um dos significados mais profundos dessa narrativa é bem claro: a causa da morte é o pecado, que separa de Deus.

A morte é castigo, porém um castigo de Pai. Deus, sendo infinitamente Bom e Misericordioso, fez até da justa punição um meio de nos reconduzir ao Caminho da vida. Mesmo hoje, no estágio atual da história da humanidade, nem mesmo aos que foram restaurados pelo Sacrifício de Cristo convém, ainda, a imortalidade. Morreremos todos para este mundo, para alcançarmos um destino muitíssimo melhor do que esta vida repleta de limitações, frustração, misérias e dores.

Importa notar que a morte, mesmo sendo o fim natural de todos os seres vivos, sempre nos causa estranhamento e sofrimento. Ficamos inconformados quando ela chega. Por quê? Se, como diz o provérbio popular, “a morte é a única certeza desta vida”, por que não somos capazes de encará-la natural e tranquilamente?

A resposta católica é: nós não nos conformamos com a morte porque fomos feitos para a imortalidade. Foi para a vida eterna que Deus nos fez; por isso não aceitamos o fim de tudo.

Exatamente por isso a fé é necessária. Precisamos da fé para ganhar a vida plena e eterna após a morte. O mais grave é que a maioria de nós prefere simplesmente ignorar este assunto, não pensar nisso agora: é como fingir que a realidade inevitável da morte não existe. Muito mais prudente  e sensato seria pensar no assunto, e muito, desde agora, porque nossa alma é imortal, e quando deixarmos este mundo, a nossa história estará apenas começando...

O pó voltará a ser pó, mas a alma é incorruptível. E cada um de nós será julgado conforme suas obras. “A árvore para no lugar onde caiu” (Ecl 11,3). Por isso, é fundamental morrer em estado de Graça, morrer “revestido de Cristo”, em Comunhão com Deus. Tudo o mais é secundário. “Que adianta ao homem possuir o mundo inteiro e perder a própria alma?” (Mc 8, 36). Como não sabemos nem o dia nem a hora de nossa morte, o cristão deve estar sempre preparado para ela.


Juízo Particular

Está destinado aos homens morrer uma só vez, e depois disso vem o Juízo
(Hb 9, 27)

É por isso que, vivos ou mortos, nos esforçamos por agradar-Lhe. Porque teremos de comparecer diante do Tribunal de Cristo. Ali, cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo
(2Cor 5,9-10)

Todos serão julgados logo após a morte: este é o Juízo Particular, o julgamento individual de cada um. Entrando na Eternidade, todos se apresentarão diante do Rei dos reis, e as nossas vestes deverão ser brancas (Mt 22,1s): em outras palavras, devemos nos purificar espiritualmente, viver bem e na caridade, buscar praticar sempre a Vontade de Deus, para um dia morrer bem. Quem vive dessa maneira, e conscientemente, não se apavora com a ideia da morte. Em vez de tristeza ou medo, há confiança e serenidade. Mesmo nos piores sofrimentos, no fundo da alma daquele que crê permanece a esperança, que dá paz e alegria.

Já ao pecador inveterado, podemos perceber claramente que o inverso acontece: mesmo na saúde e na riqueza, desfrutando dos melhores prazeres do mundo, assim que para de se entorpecer nas muitas sensações, sente o vazio profundo da sua vida, na sua alma a ausência de Deus. Só há desespero, insatisfação, tédio, desânimo, sentimentos depressivos.

A felicidade, em plenitude, só se encontra no Céu, em Deus: está na contemplação e “posse” de Deus, contemplação e posse da Verdade, da Beleza e do verdadeiro Amor. Só em Deus seremos plenamente felizes e realizados. E para chegar ao Céu é preciso levar Deus dentro de si, desde agora, desde já.


O Juízo Universal

Além do juízo particular, que ocorre logo após a morte de cada um, há o Juízo Universal, que é o julgamento coletivo, que ocorrerá no fim dos tempos. O Antigo e o Novo Testamento falam do assunto. O capítulo 5 do Livro da Sabedoria é inteiramente dedicado ao Juízo Final.

Já o livro do Profeta Isaías (66, 18) diz:

Virei recolher as tuas obras e os teus pensamentos e irei reuni-los com os de todas as gentes e línguas; e eles comparecerão, todos, e verão a minha Glória.

Nos Atos dos Apóstolos (1,11) vê-se que, logo após a Ascensão, a volta de Jesus como Juiz foi anunciada por dois anjos. Os Apóstolos S. Mateus (cap. 24) e S. Lucas (cap. 21) falam longamente sobre o assunto.



No Juízo Final, o julgamento será definitivo. Depois, haverá o Céu ou o Inferno. Este mundo físico acabará. Quando e como, exatamente, será o fim do mundo, não sabemos. Jesus diz que nem os anjos o sabem. No último dia, haverá a ressurreição da carne: os justos ressuscitarão gloriosos, semelhantes ao Cristo ressuscitado. Para estes, a morte será o encontro com o melhor de todos os pais: o Pai do Céu. E tudo o que foi encoberto será conhecido; a verdade será revelada a todos. Será a hora da perfeita reabilitação dos caluniados, dos difamados, dos injustiçados, dos sofredores. Os que tem fome e sede de Justiça serão saciados.

Muitos teólogos entendem que o desdobramento do Julgamento divino em Juízo Particular e Juízo Final ou Universal deve-se ao fato de nós, seres humanos, pensarmos em termos de sucessão cronológica: um morre hoje, outro amanhã. Mas para Deus, isto é, da perspectiva da eternidade, existe um só momento: a própria eternidade. Sendo Deus eterno, para Ele não há hoje e amanhã; Deus é o eterno EU SOU. De fato, já a ciência humana igualmente reconhece e compreende que tudo o que realmente existe é um único momento, que não tem princípio nem terá fim. O Juízo Particular e o Universal, a partir desta perspectiva, seriam, de um modo que não podemos agora compreender, uma só coisa: uma mesma realidade vista a partir da eternidade, e não a partir da sucessão cronológica das vidas humanas à qual estamos habituados e  presos.
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Do antropocentrismo ao pântano

Será possível compreender ou aceitar que isto...

...tenha se tornado isto?

Por Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa – Capela Santa Maria das Vitórias

A OBJEÇÃO que com frequência se formula contra o restabelecimento da liturgia romana tradicional como o rito ordinário da Igreja é que tal rito é expressão de uma cultura ultrapassada, esclerosada, incapaz de cativar a sensibilidade do homem de hoje. É claro que essa objeção não leva em conta as razões teológicas em favor da liturgia de sempre e contra os desvios doutrinários do rito reformado, conforme ressaltaram abalizados estudos feitos por teólogos, liturgistas e ilustres prelados. Trata-se de uma objeção superficial de cunho antropológico, psicológico ou, talvez, sociológico, que não considera devidamente o problema cultural, este, sim, o verdadeiro desafio para a evangelização do homem moderno.

Como se sabe, alguns dos “profetas” da nova teologia, condenada por Pio XII na encíclica Humani Generis, diziam que o discurso teológico devia deixar de lado os princípios metafísicos, que se tinham tornado ininteligíveis ao homem moderno, e abrir-se à grande contribuição que a psicologia, a sociologia, a antropologia cultural e outras ciências modernas poderiam dar-lhe e garantiriam à Igreja um êxito espetacular no cumprimento de sua missão em nossos tempos, visto que o homem moderno tem sua sensibilidade e seu gosto voltados para essas disciplinas.

Ora, a receita da nova teologia foi adotada, mas, infelizmente, a Igreja, que já estava combalida havia tantos séculos por um humanismo e liberalismo anticristãos, ficou ainda mais debilitada ao abeberar-se dessas fontes que exaltavam a liberdade do homem moderno mais “consciente” de sua individualidade e aptidão para transformar a realidade; – ao abeberar-se dessas fontes que exaltavam também a cultura democrática laica dos nossos dias, que seria, até, uma cultura mais cristã que a dos séculos passados da cristandade, na medida em que seria mais aberta aos ideais de igualdade, justiça social, liberdade, autonomia e outros valores semelhantes que não teriam sido devidamente cultivados nos tempos da cristandade.

Não é necessário apontar os frutos amargos produzidos por tal discurso de exaltação da cultura moderna. As estatísticas provam a calamidade resultante do fato de a cultura secular ter sido assimilada pela Igreja, sobretudo a partir do Vaticano II. Tampouco é necessário provar que tal discurso se tornou realmente o discurso oficial da Igreja e não algo marginal, abusivo, ou simples desvio de correntes dissidentes. Basta recordar o que disse Paulo VI no final do concílio, o que disse o cardeal Ratzinger à revista "Jesus" e o que diz quase a toda hora Francisco I.
O que interessa a um católico hoje é ter ideias claras sobre o significado da cultura, a fim de defender a pureza da sua fé e evitar erros perniciosos, como os promovidos pelos mestres e epígonos da nova teologia.

Que é cultura? Pode um católico defender uma cultura desvinculada dos princípios metafísicos? Que é uma cultura cristã? Tentarei dar minha modesta contribuição sobre um assunto tão importante para o homem de fé de nossos dias, que, infelizmente, apesar da facilidade de acesso à informação, não tem muitas vezes os elementos e critérios necessários para um juízo seguro sobre o problema.

Cultura, como dizem bons autores, é tudo aquilo que o homem produz em sociedade, com vista ao seu aperfeiçoamento pessoal ou melhoria da sua vida. É tudo aquilo que o homem acrescenta à natureza, colocando-a a seu serviço e para seu aperfeiçoamento como ser racional. É tudo aquilo que o espírito humano concebe ou realiza, seja contemplando o mundo (a religião, a filosofia, a literatura, as artes plásticas etc), seja aperfeiçoando ou pondo a serviço do homem os recursos naturais (desde a domesticação dos animais, o cultivo da terra, a tecelagem, a construção de moradias, até a mais avançada ciência meteorológica apta a prevenir as mais graves catástrofes da natureza). Ou ainda, cultura é tudo aquilo que o homem faz consigo mesmo para melhorar sua qualidade de vida: alimentação, higiene, vestuário, cuidado com a saúde física e psíquica. Cultura, portanto, diz um autor, é um termo análogo, no sentido de que se refere tanto ao cultivo da natureza quanto ao cultivo do espírito humano.

É inegável que o mundo moderno, desprezando a metafísica e a teologia, alcançou um grande progresso material e melhorou as condições físicas da vida do homem na Terra. Mas é inegável também que tão extraordinário progresso apresenta uma flagrante desordem, que reverte em prejuízo do seu próprio autor. Trata-se, com efeito, de uma cultura e de um progresso de um homem que recusa ordenar-se ao seu Criador e teima em voltar-se a si mesmo como se fosse a medida e o fim de todas as coisas. Trata-se de uma cultura que não se desenvolve a partir de uma contemplação de um cosmo bem ordenado por uma Inteligência Ordenadora, onde todas as coisas têm o seu devido fim que o homem, ser inteligente, deve conhecer, respeitar e colaborar para seu aperfeiçoamento. Mas, ao contrário, é uma cultura que se desenvolve a partir de uma concepção de um mundo caótico em que o homem se julga um semideus para fazer tudo que quiser.

Completamente diferente é a cultura que se desenvolveu ao longo dos séculos da cristandade. Acolhendo toda a sabedoria dos gregos e dos romanos e à luz da Revelação divina, o homem, regenerado pela Graça Divina, construiu uma cultura e uma civilização a partir da concepção de mundo em que tudo estava bem ordenado e tinha um fim, porque era obra da criação de um Deus bom e providente. E tal visão de ordem refletia-se em toda a realidade: na vida pessoal, na vida familiar e social. Com efeito, todas as atividades humanas tinham de estar ordenadas para a glória de Deus e salvação da alma, sem que se incorresse no erro de um espiritualismo exagerado característico do maniqueísmo e do catarismo. A cultura cristã não desprezava, como se pensa, a realidade material, a corporeidade do homem, pois, ao contrário do erro de antigos filósofos como Sócrates e Platão, o corpo não era considerado um cárcere da alma. Na cultura cristã, prevaleceu o bom senso de uma concepção de homem que afirmava a unidade substancial composta de corpo e alma espiritual imortal. A cultura cristã não acorrentou a inteligência e a imaginação do homem do seu tempo. Realmente nas universidades o homem medieval gozava de plena liberdade para fazer suas investigações, experiências e produzir belas obras de arte que até hoje admiramos na Europa.

Por outro lado, cumpre dizer que se a cultura é produto do homem, o homem não deixa de ser influenciado fortemente por ela. Não determinado, mas influenciado e condicionado por ela. São poucos os homens realmente capazes de modificar ou reformar a cultura do seu tempo, mas são legiões aqueles que por ela são fortemente marcados. E aqui bate-se o ponto. Os homens da Igreja tinham de estar mais atentos para a malícia da cultura revolucionária moderna que afasta o homem de Deus e o deforma, não obstante todo o palavrório de exaltação do homem. É necessário que as autoridades se esforcem por preservar os católicos da influência da cultura moderna anticristã. Todos vemos como o homem hoje se degrada espantosamente: a violência, as piores grosserias, vulgaridades e perversões nas relações humanas, embrutecimento, hedonismo são os “valores” da cultura da liberdade e do individualismo. De fato, do altar da religião antropocêntrica ruma-se rapidamente para um pântano em que a humanidade se perderá.

Dentro desta realidade que se retrata, talvez com exagero de cores mas sem desfigurá-la, o rito romano tradicional da Missa é sem dúvida um antídoto contra os inúmeros males dessa cultura de morte e ajudará o homem a submeter-se a Deus, a descobrir o seu verdadeiro lugar dentro do mundo, a respeitar a ordem estabelecida por Deus, verdades estas tão bem expressas nas suas cerimônias encantadoras e cheias de mistério.


Pe. João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa
Anápolis, 12 de junho de 2014
Festa de São Barnabé Apóstolo,
dentro da Oitava de Pentecostes

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O verdadeiro ecumenismo: urgências e desafios numa via de mão dupla


Os Papas Bento XVI e Francisco vêm mantendo frutuoso diálogo com o Patriarca Bartolomeu I de Constantinopla (Igreja Ortodoxa)

A PALAVRA "ECUMENISMO" sempre foi usada pela Igreja Católica com o sentido de uma reunião do conjunto dos bispos. Assim, um Concílio que reúna os bispos católicos do mundo todo é um concílio ecumênico, mesmo que seja uma reunião só de católicos.

Foi somente no final do século passado que a palavra "ecumenismo" passou a ser utilizada para definir um movimento surgido nos meios protestantes, buscando a reunião de todas as comunidades protestantes.

A Igreja Católica, há muito, deseja a unidade cristã, crendo que promover a reintegração de todos os cristãos na Unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é de fato a Vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Igreja expressou essa vontade através do Concílio Vaticano II, no Decreto Unitatis Redintegratio (Roma, 1964), do qual consta o seguinte trecho:

"Todo aquele que crê em Cristo, mesmo que não pertença à Igreja Católica, encontra-se em algum tipo de Comunhão com a verdadeira Igreja. Não existe ecumenismo verdadeiro sem uma conversão interior, e a Igreja Católica é a plena depositária da Palavra e das graças divinas. As demais igrejas devem dela aproximar-se na Comunhão da graça."

Assim, embora a Igreja Católica tenha sido a única fundada por Cristo, e essa Igreja de Cristo tenha que ser Una ('Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode subsistir', cf. Mc 3,24), é fato que existem hoje diversas denominações ditas cristãs, que professam a fé em Jesus Cristo como Deus, Senhor e Salvador, e a Igreja Católica busca, como sempre buscou, acolher e re-unir a todos. Ecumenismo é aproximação, cooperação, busca fraterna da superação das divisões entre católicos, ortodoxos e protestantes históricos (evidentemente, aqui dificilmente se incluem as seitas estapafúrdias que, embora pretendam professar a fé em Cristo, claramente renegam as bases mais elementares de sua doutrina). E a questão que fica, o problema a ser solucionado, sem dúvida é: como superar as (muitas vezes grandes e importantes) divisões?

O Concílio Vaticano II deseja que as iniciativas dos filhos da Igreja Católica progridam em conjunto com as iniciativas dos nossos irmãos separados. Todos nós somos chamados a viver a proposta do ecumenismo: todos juntos, ao menos nesse sentido um só povo, no Amor de Cristo. O Ecumenismo é um convite ao diálogo entre as Igrejas Cristãs, e a uma evangelização renovada.

As divisões contrariam a vontade de Cristo e sem nenhuma dúvida dificultam a cumprir o Mandamento pregação do Senhor, de levar o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15). Eis aí apenas um dos motivos pelos quais a unidade cristã se faz urgente. Todavia, as dificuldades já começam acerca da própria palavra ecumenismo, gera confusão acerca do seu real significado. Eis o motivo pelo qual, muitas vezes, talvez seja preferível e certamente mais apropriado falar em "unidade cristã", do que falar em ecumenismo.

Ocorre que, popularmente (e equivocadamente) convencionou-se entender a palavra ecumenismo com o sentido de uma espécie de religião universal, global. Dá-se a entender que não importa em que se crê, desde que haja respeito mútuo. O ecumenismo religioso seria a reunião de todas as religiões, seitas e crenças, cristãs ou não. É por esse motivo que, embora o verdadeiro significado da palavra não seja este, convém evitar a confusão, optando pelo termo unidade cristã.

O outro aspecto importante a ser observado é que a Santa Igreja Católica, como vimos, sempre orientou à superação das divisões para a União em Cristo, nela mesma, a Santa Igreja diretamente instituída pelo Senhor e preservada na Tradição dos Apóstolos, e não haveria como ser diferente. Enquanto católicos, dizemos um sonoro e claro "não" à confusa ideia de união entre todas as crenças, à criação de uma nova religião supostamente universal, de uma "nova era" e uma nova "religião universal", mais parecida com uma seita holística. E nesse sentido estamos, ironicamente, bem próximos do pensamento dos líderes de outras grandes religiões, como por exemplo o Dalai Lama, autoridade máxima do budismo mundial, que em sua quarta visita ao Brasil (veja aqui) se declarou chocado por ver como tantos ocidentais se declaravam budistas apenas por "moda" (palavras dele), por considerarem uma religião exótica, de belos e misteriosos rituais, o que supostamente conferiria um "charme" diferenciado aos seus praticantes.

A Igreja Católica é, como diz o seu nome, universal, e desde sempre una, pois os cristãos desde a origem aderiram a uma só fé, num só SENHOR, um só batismo e uma só doutrina, para integrar um só Corpo, – o de Nosso Salvador Jesus, o Cristo. Em sentido absoluto e próprio, torna-se inegável que é a única Igreja realmente ecumênica, no sentido puro da palavra, pois permanece aberta a todos os homens e mulheres, de qualquer idade, de todos os povos, de todas as culturas e línguas, de todos os tempos, presente em todos os continentes, entre todas as nações. É a única Igreja autêntica, por sua origem Divina; por tudo isso é que nós, católicos, jamais devemos temer "ofender" alguém ao proclamar estas simples verdades. Entre manter (forçadas) boas relações sociais com todos e confessar a Verdade, todo cristão precisa saber fazer, sem medo, a segunda opção.

Além de tudo, lamentavelmente, existe a necessidade urgente de se superarem as divisões dentro da própria Igreja Católica, e este talvez seja o maior dos desafios: A falta de união entre católicos parece ser o fator que mais enfraquece a Igreja e fomenta a apostasia em nossos tempos. A esse propósito, declara o Secretário da Conferência Episcopal Espanhola, Pe. Juan Antonio Martinez Camiño:

"A comunhão na Igreja tem hoje dois desafios: viver um ecumenismo intra-católico e uma comunhão nos seus conteúdos. Necessitamos de um ecumenismo intra-católico e uma aceitação cordial de todos naquilo que é fundamental à nossa fé, pois é nossa União a Deus em Cristo, por meio do seu Espírito, que nos anima e põe a todos e a cada um, segundo nosso estado, em pé de evangelização. Necessitamos realmente da comunhão na caridade entre os distintos grupos eclesiais. Sem esse testemunho de Unidade é difícil a evangelização e o testemunho cristão. O segundo nível da comunhão de que necessita a Igreja é a comunhão nos conteúdos, na Mensagem, na Doutrina. Esta comunhão é fundamental, e continuará avançando na medida em que avancemos na comunhão da caridade. São coisas distintas, mas vão absolutamente unidas."

Não se pode negar que disse muito bem o Revmo. Padre Camiño. Rezemos por essas intenções e esforcemo-nos em fazer muito bem a nossa parte, cada um de nós.
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Nefilins: os gigantes da Bíblia


'A LEITORA Valdelice Silva Pyetra enviou-nos a seguinte pergunta:

"Olá, Paz de Cristo. Eu quero tirar uma dúvida, (...) eu já ouvi muito falar de Sodoma e Gomorra e os anjos caídos do céu. Algumas crenças religiosas afirmam que esses anjos tiveram relações sexuais com humanos dos quais surgiram os gigantes, enquanto outras crenças negam a possibilidade de que os anjos tenham tido relações. Embora o texto realmente dê a entender que realmente isso tenha acontecido. Como todos sabem essa história se encontra em Gênesis 6,1-4 Me parece um tanto complicado e eu gostaria mesmo de saber a verdadeira tradução por nossos irmãos católicos. Aguardo respostas, obrigada."

Prezada Valdelice,

Em primeiro lugar, é preciso manter sempre em mente que nem tudo o que está escrito na Bíblia, especialmente as narrativas do Antigo Testamento, devem ser tomadas ao pé da letra. Há muita simbologia, analogia e alegoria nesses escritos. Por isso mesmo, tudo deve ser compreendido à luz do Magistério da Igreja, que é nossa mãe e mestra.

Pois bem, a passagem que você nos propõe é sem dúvida das mais difíceis, e para ela existem variadas interpretações que nos apresentam os teólogos e pesquisadores de linhas diversas:


1. Influência das mitologias pagãs

Para alguns estudiosos, o trecho de Gênesis em questão poderia ter origem mitológica, ou seja, ter sido transcrito pelo autor sagrado, com objetivo de ilustrar uma ideia teológica (que não abordaremos aqui), sem a indicação da fonte original. Assim fazendo, estaria o hagiógrafo salientando, por exemplo e entre outras coisas, que o mundo ia de mal a pior e precisava da intervenção de Deus, o que acabou por culminar no Dilúvio.

Os defensores desta interpretação entendem que os "filhos de Deus" seriam então, originalmente e segundo essa suposta fonte extrabíblica, deuses mitológicos que se uniram às "filhas dos homens" (=mulheres). De fato, a tradição pagã contemporânea a esses textos é rica em mitologias envolvendo deuses e semideuses que se envolvem com humanas e tem filhos com elas, que depois se tornam heróis e guerreiros prodigiosos. Os católicos tradicionais, evidentemente, não aceitam esta interpretação mitológica, que traduz por "deuses" a expressão "filhos de Deus".


2. Filhos de anjos

Alguns cristãos primitivos, fazendo eco a uma tradição rabínica, chegaram a interpretar "filhos de Deus" como anjos que teriam se unido às "filhas dos homens", gerando descendentes gigantes. Isso parece ser ratificado por Judas 1,6 e 2Pedro 2,4, embora tais passagens de fato não abonem esse modo de interpretação.

Muito cedo na história da Igreja, porém, já a partir do século IV, autores cristãos levantaram entendimentos contrários a esta interpretação, até porque, sendo seres espirituais, sem corpo material, os anjos não teriam como manter cópula carnal com mulheres. Diz Nosso Senhor: "Na ressurreição (os homens e mulheres) não se casarão nem serão dados em casamento; mas serão como os anjos de Deus no Céu" (Mt 22,30).


Imagens forjadas que circulam pela internet, como esta e a do cabeçalho, simulam achados arqueológicos espetaculares, que comprovariam a existência dos gigantes bíblicos...

3. Filhos de Set e filhas de Caim

Esta interpretação, que parece ser a mais alinhada com a Tradição da Igreja, vê nos "filhos de Deus" os descendentes de Set (população fiel ao Senhor) e, nas "filhas dos homens", os descendentes de Caim (uma população infiel). O resultado dessa união seria uma geração de "gigantes" (em hebraico nefilim; em grego: gigas), o que pode expressar um elemento da mitologia dos povos pagãos primitivos que existiram nas circunvizinhanças (enaquim, enim, refaim, zonzomin), tidos como de alta estatura e realizadores de monumentos megalíticos. – Aliás, provêm dos primitivos povos ugaríticos textos que apresentam gigantes mitológicos (os "refaim") como heróis míticos e fundadores de dinastias.

Ora, diversas passagens do Antigo Testamento demonstram que os hebreus acreditavam na existência de povos de altíssima estatura, ao mesmo tempo fortes, soberbos e revoltados contra Deus. Podemos vê-lo, por exemplo, em: Números 13,3; Deuteronômio 2,20-21; 3,11; 1Samuel 17,4; 1Crônicas 11,23; etc. Também encontramos referências a esses "gigantes" nos livros deuterocanônicos: Eclesiástico 16,7; Judite 16,6 e Sabedoria 14,6.

Para que se tenha ideia da altíssima estatura destes "gigantes", o texto de Deuteronômio 3,11 descreve como Og, um remanescente dos refaim, tinha uma cama de ferro que media 9 côvados de comprimento, – o que equivale a 4 metros!

Retomando a análise da última interpretação, esta é favorecida também pelo fato de o antiquíssimo tratado rabínico Bereshitrabba (26,7) afirmar que refaim é o nome primitivo dado ao nefilim, heróis nascidos de mulheres engravidadas pelos "filhos dos deuses" (há um forte e inegável traço de influência mitológica aqui). Diante disto, é bem possível e razoável supor que os israelitas tenham preferido usar a palavra nefilim para designar os refaim da mitologia pagã. – Tal substituição de palavras não deve causar estranhamento no contexto escriturístico. De modo semelhante, podemos ver em 1Crônicas (8,33), por exemplo, que Saul gerou Esbaal, que significa "homem de Baal"; Como este nome tinha conotação pagã, porém, o autor de 1Samuel (14,49), sem cerimônia, verte-o para Isvi, ou seja, "homem de Javé"!

Em resumo: uma interpretação bastante provável para a passagem de Gênesis 6,1-4 é que da união entre o povo descendente de Set (=filhos de Deus) e o povo descendente de Caim (=filhas dos homens) surgiu o povo dos refaim, que tinha como principal característica sua alta estatura, talvez até decorrente de alguma desordem biológica. Além do mais, estudos arqueológicos e genéticos demonstram que a estatura dos homens da antiguidade era muito menor do que a atual, e o contato com uma raça de homens de média de dois metros de altura, por exemplo, seria chocante. Some-se a isso o hábito cultural dos semitas de supervalorizar ou exagerar os fatos, e temos uma boa explicação. – Comparativamente, se uma tribo de pigmeus se deparasse com os jogadores de um time de basquete profissional, poderiam tranquilamente considerá-los "gigantes". – E da mesma forma como os bons costumam se corromper andando na companhia dos maus, desta união entre os descendentes de Set e os de Caim resultou a crescente corrupção da espécie humana. É assim que os Padres e Escritores eclesiásticos têm entendido esse difícil texto, ao menos desde o séc. IV.

Importa dizer, por fim, que essa interpretação não esgota o assunto. Futuros estudos, pesquisas, descobertas arqueológicas e filológicas poderão trazer novas possibilidades. Não há como nós termos sempre 100% de certeza a respeito dos detalhes e minúcias de textos veterotestamentários tão antigos, cujos significados, por vezes, acabam-se perdendo nas brumas dos séculos. Isso não deve ser motivo de preocupação para nós. Tais detalhes não irão influir no percurso da nossa salvação, nem nos embaraçar no Caminho que leva ao Céu, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. E este deve ser sempre o fundamento da nossa fé, do nosso ânimo e de todas as nossas ações. Estudos como estes são interessantes; entretanto, servem mais como complemento ao conhecimento que realmente importa: o conhecimento da Vontade de Deus.

Deus a abençoe e guarde, Valdelice, e Maria Santíssima interceda por sua vida!

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• Ref.:
"Como explicar Gên. 6,1-4? Quem eram os gigantes e os 'filhos de deus'?", do site "Veritatis Splendor", disponível em:

http://www.veritatis.com.br/inicio/espaco-leitor/5416-como-explicar-gen-6-1-4-quem-eram-os-gigantes-e-os-filhos-de-deus
Acesso 24/9/014
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