EM CONTINUIDADE à nossa série de artigos sobre os pecados capitais, passamos agora ao estudo do pecado da inveja.
Cada um de nós, seres humanos, por nossos próprios méritos, estaríamos irremediavelmente perdidos, porque somos todos herdeiros do Pecado de Adão, todos pecamos e precisamos da Graça de Deus, embora muitos ainda não o reconheçam – é este o seu maior problema.
Na "árvore do pecado", a ira é um galho grande – por isso é um dos pecados capitais. A ira está ligada ao orgulho (
saiba mais), que é a rejeição da Soberania de Deus sobre a nossa vontade.
É um exercício interessante notar que o pecado da ira, na maioria das vezes, está relacionado a um sentimento de contrariedade por alguma vontade não satisfeita. Vemos que até as crianças, mesmo pequenas e ainda inocentes de pecados particulares – e isto é uma prova da existência do Pecado original –, já expressam seu descontentamento com ira quando são contrariadas: batem raivosamente os pés, choram, gritam... Hoje é até comum, horror dos horrores, crianças desferindo socos e chutes contra seus próprios pais.
Deus nos criou dotados de sentimentos emocionais, os quais são indispensáveis para a vida, mas quando a ira é alimentada pela nossa livre decisão, seja consciente ou não, aí ela resulta em gestos concretos que fatalmente levam à dor e ao sofrimento. Mais ainda, o hábito de entregar-se à ira vai se enraizando na pessoa, tornando-a mais e mais afeita às reações intempestivas, a praguejar e amaldiçoar a situação, os problemas, os supostos culpados, a própria vida. Muitas vezes se maltrata e desrespeita quem está próximo, ainda que não seja responsável pela causa da ira, São atitudes e gestos dos quais nos arrependeremos depois, quando poderá ser tarde demais.
Quando alimentada, a ira leva a uma fúria doentia que precisa se manifestar de algum modo, e então acaba resultando em desrespeito, agressão verbal e/ou física, que no extremo poderá resultar em crimes graves; chegando até ao assassinato. É comum ouvir-se de assassinos que não tinham intenção de matar ninguém, mas que foram tomados por uma fúria cega no momento que os levou a tal ato criminoso. Se você costuma alimentar a ira dentro de si, deixar-se tomar pelo ódio e pelo desejo de vingança, será capaz de cometer atrocidades que nem poderia imaginar.
A ira, portanto, está ligada mais ao agir do que ao sentir, simplesmente, porque ninguém está livre de irritar-se, mas cristão se diferencia justamente por ser capaz – pela Graça divina – de domar as suas paixões e más inclinações. Normalmente são as pessoas mais ativas e cheias de desejos que mais sofrem com a ira. São conhecidas “pavio curto” ou de "gênio forte". Algumas são até admiradas por serem “francas” e “sinceras”: por não levarem "desaforo para casa"... Mas a sinceridade nem sempre precisa ser necessariamente manifesta, especialmente nos casos em que poderá ofender ou fazer sofrer o próximo. Além disso a sinceridade não precisa – e não deve, de fato –, vir acompanhada da ira.
O Livro do Eclesiastes (7,9) condena os que são rápidos em alimentar a ira, que se esconde no mais íntimo da alma humana. Escrevendo aos efésios, São Paulo Apóstolo diz que sentir uma ira breve é inevitável, porque faz parte da natureza humana, mas que essa inclinação deve ser tratada imediatamente: “Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira” (Ef 4,26). Paulo está citando o Salmo 4: “Irai-vos e não pequeis; consultai no travesseiro o vosso coração, e sossegai.” (Sl 4,4). Davi escreveu esse salmo quando seu filho Absalão liderava um motim para tomar-lhe o reino. O salmo é um pedido de ajuda a Deus diante dessa terrível situação e também um apelo aos homens, para que refletissem sobre o problema em vez de se entregarem à ira.
Não deem espaço para a ira além do necessário, adverte São Paulo. Não deixem a raiva se acumular para o dia seguinte, e o seguinte a este, e o outro… Ainda na mesma noite de qualquer desentendimento, da ofensa ou injustiça sofrida e da consequente indignação, você deve entregar todo o problema aos Pés do Senhor, e assim procurar perdoar, lembrando-se que também é falho, que também comete erros, que dá motivos para que o outro se ofenda e que também depende do perdão de Deus para os seus próprios pecados. Se souber perdoar, então será perdoado, garante o Cristo, porque na medida em que perdoarmos, seremos também perdoados (cf. Mt 6,15s e, especialmente, Mt 7,2-5).
Quem procurar com fé a serenidade em Cristo, encontrará sossego. “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, SENHOR, só Vós me fazeis repousar seguro” (Sl 4, 8). Mas Nosso Senhor Jesus foi ao centro da questão e revelou a essência do Mandamento da Lei que diz “não matarás”, quando disse:
“Ouviste o que foi dito aos antigos: não matarás; e quem matar estará sujeito a julgamento. Eu porém vos digo: todo aquele que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do Tribunal; e quem lhe chamar: 'tolo', estará sujeito ao inferno de fogo. Quando estiveres levando a tua oferta para o altar, e ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta ali diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então apresenta a tua oferta. Deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua oferta." (Mt 5, 24)
A Lei falava do fruto mais extremo da ira: não matarás! Mas quem evita a ira na sua raiz, por certo não corre o risco de chegar ao extremo de tirar a vida de alguém. Jesus mudou assim a perspectiva.
Como lidar com a ira à luz do Evangelho? Qual é a cura para um coração irado? Jesus nos apresentou duas bem-aventuranças que tornam felizes aqueles que lutam contra a ira: "Felizes os mansos" e "Felizes os pacificadores".
Muitos confundem "mansidão" com fraqueza. Promover a paz e demonstrar espírito manso seriam marcas distintivas dos perdedores? Não. Verdadeiramente, a mansidão e a paz são os maiores sinais de força e domínio próprio que um ser humano é capaz de manifestar. Ser manso não é ser fraco, mas abrir mão de usar a força. Ser manso é ser maior do que a ira.
A ira é como qualquer emoção: aparece de maneira involuntária. Você não "decide" que vai se irar, apenas reage. No entanto, ao sentir a ira, se perceber que é porque uma vontade sua foi contrariada, aí sim poderá tomar o controle sobre si mesmo e sobre a situação, e decidir o que fazer: deixará de reagir para agir conforme o seu próprio critério.
Mansidão não é sinônimo de passividade, nem ser pacífico é o mesmo que ser pacifista. A mansidão dos cristãos está diretamente relacionada à humildade. Os mansos e pacificadores nada têm a ver com os passivos, os que aceitam tudo em nome de uma paz utópica. Moisés foi um dos maiores líderes da história e não fugia à luta quando realmente necessário, e era conhecido como o mais manso e humilde dos homens do seu tempo (Nm 12,3).
A mansidão não sente necessidade de injuriar os outros. Não possui sentimentos de inferioridade e nem de impotência, e por isso os mansos não precisam lutar pelo reconhecimento alheio. Submetem suas contrariedades a Deus, que domina o Universo, e logo descansam. Desenvolver um espírito manso é confiar na Promessa de Jesus de que os mansos herdarão a Terra. O Senhor nos convida a aprender a mansidão com Ele, o Cristo de Deus, que foi o exemplo máximo de mansidão; pois, sendo Deus Todo Poderoso, abriu mão de todo Poder e Glória submetendo-se à Vontade do Pai por Amor a cada um de nós. Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo, tende piedade de nós, que somos pecadores. Fazei-nos verdadeiramente mansos e humildes por vosso santo Amor!
________
Ref. bibliográfica:
BURNS, John E. Recuperando - se com os Sete Pecados Capitais São Paulo: Loyola, 2004
www.ofielcatolico.com.br
Gostei muito desse post e concordo plenamente com essa mensagem porque esta fundamentada na palavra de Deus. É como disse Jesus: felizes são os mansos porque herdarão a terra. Felizes os que constroem a paz porque serão chamados filhos de Deus.
ResponderExcluirMuito bom o texto. Fico grata!
ResponderExcluir