Papai Noel: inimigo de Cristo?

Para ouvir este artigo em áudio (Youtube), vá ao final da postagem.

ULTIMAMENTE, TODA vez que chega o final do ano, vejo a preocupação da parte de muitos fiéis católicos, também sacerdotes e bispos, no sentido de se combater a influência supostamente nefasta da crença infantil no "Papai Noel", por desviar as atenções do verdadeiro sentido do Natal. Que dizer sobre este polêmico assunto?

    Eu, Henrique Sebastião, diretor da Fraternidade Laical São Próspero, tenho uma opinião muito bem definida a esse respeito. Por ser natural do Estado de Santa Catarina, Sul do Brasil, particularmente de um município onde a influência europeia e especialmente germânica era forte e muito presente, desde muito cedo tive estimuladas as minhas fantasias natalinas infantis. Tanto assim que até bem grandinho eu ainda acreditava no Papai Noel... Acho que só comecei a desconfiar de que tudo não passava de fantasia ali pelos meus 8 ou 9 anos de idade. Claro, eram outros tempos; as crianças eram bem mais inocentes há quatro décadas.

    O fato é que minha imaginação, já fértil, era criativamente favorecida pelos meus pais –, em especial minha mãe –, e por meu único irmão, quase dez anos mais velho. Estando próximo o dia do Natal, faziam-me pendurar uma de minhas meias na soleira da janela, antes de me deitar, e no dia seguinte eu a encontrava cheia de balas e doces. "Ora, ora, veja o que o Papai Noel lhe trouxe!", diziam-me... Eu, claro, delirava de alegria com tudo aquilo. Na véspera de Natal, em minha terra, havia (e ainda permanece) o costume de alguém – via de regra o pai da família – vestir-se de Papai Noel para uma rápida aparição, talvez jogando presentes pela janela ou coisa do tipo. Tudo muito fascinante para uma criança.

    Ocorre que a figura do Papai Noel está, de fato, intensamente associada às tradições do tempo do Natal, e seria ingenuidade supor que poderíamos mudar isso com sermões em homilias. Não há dúvida de que nos nossos dias, nas campanhas publicitárias, nas decorações de ruas e lojas, nos programas de TV, nas revistas, nas redes sociais e nas luzes e enfeites natalinos, está muito mais presente a imagem desse personagem fictício (ou nem tanto, como veremos) do que a do Menino Jesus. 

    Isso está errado? Sem dúvida, sim. Afinal de contas, o Natal é uma festa cristã: trata-se da celebração do Nascimento do homem-Deus, Jesus Salvador. Ora, como é que se pode comemorar um aniversário sem se homenagear o Aniversariante? Trata-se de um completo absurdo que retrata a tristeza de se viver na sociedade incrédula e embrutecida destes nossos tempos materialistas.

    Todavia, mesmo assim, eu acho que a maioria dos homens à frente da Igreja comete um equívoco primário ao lidar com o problema, principalmente no seu enfoque. Tentam combater o tal "Bom velhinho" até com certa agressividade, declarando-o inimigo do verdadeiro Natal, dizendo que estamos deixando Jesus de lado por culpa dele ou alguma coisa parecida. Penso que esse não é um bom caminho. Mais ainda, tenho convicção de que desse modo não se resolverá o problema, muito pelo contrário: agindo assim, passamo-nos por amargos, antipáticos, implicantes, pessoas mau humoradas.

    Ora, por mais cristãos e apaixonados por Nosso Senhor que sejamos, temos que reconhecer, se não quisermos brigar com a realidade objetiva, que a figura do Papai Noel é muito simpática, especialmente para os pequenos. Não há como um velhinho sorridente, gorducho e bonachão, vestido com um vistoso traje vermelho, que dirige um lindo trenó puxado por renas –, e que ainda distribui presentes! –, não encante crianças.

    "Mas o problema não é a criança sonhar, ter fantasias e até gostar do Papai Noel; o problema é colocá-lo no lugar de Cristo", dizem muitos. E estão certíssimos. Porém, simplesmente atacar o Papai Noel, tentar "desmascará-lo" e taxá-lo como o grande vilão do Natal, além de inútil, não é o modo cristão de lidar com problemas desse tipo.

    Como assim? Ora, o que fez a Igreja, em diversos momentos de sua história, para converter os povos firmemente apegados aos seus usos e costumes pagãos? Quando percebia que não podia fazê-los largar certos usos, costumes e tradições, e que por essa razão muitas almas corriam perigo, a Igreja simplesmente "cristianizava" esses mesmos usos, costumes e tradições. Ora pode ter sido assim com relação à própria data em que celebramos o Natal, certo?[1] Então, porque não fazer o mesmo com o Papai Noel? Isso seria uma coisa até bem mais fácil, já que, na realidade, a fábula do Papai Noel não passa de uma adaptação fantasiosa da belíssima história real de um grande Santo católico! Sendo assim, porque não deixamos de lutar inutilmente e começamos a usar essa figura já tão consolidada no imaginário infantil e popular a nosso favor?

    Ou, melhor dizendo, porque não tomar esse instrumento tão usado a favor do comércio e usá-lo a favor de Deus? Em vez de desviar as atenções, ele poderia nos ajudar a chamar as atenções para o sentido verdadeiro e cristão do Natal!

    É claro que compete a cada família orientar suas crianças com relação à lenda do Papai Noel, mas é mais do que importante – e poderia ser muito útil – fazê-las conhecer a verdadeira história de São Nicolau, conhecido hoje, aqui no Brasil, por "Papai Noel".

Breve história do verdadeiro Papai Noel

Nicolau Taumaturgo de Mira viveu no século III, na Ásia Menor, onde hoje fica a Turquia. Seus pais, gravemente enfermos, morreram quando ele era ainda adolescente, mas lhe deixaram uma grande fortuna por herança. De fato, os pais de Nicolau haviam sido bons católicos e lhe ensinado bem sobre Jesus Cristo e sua Igreja, assim como recomenda o Livro Sagrado: "Ensina a criança no Caminho em que deve andar, e até a velhice não se desviará dele" (Pv 22,6).

    Assim, Nicolau, piedoso, guardou sempre os bons ensinamentos recebidos e, enquanto crescia, procurava seguir Jesus Cristo em todas as decisões de sua vida. Passou a distribuir de sua riqueza entre os mais pobres; empenhava-se, entretanto, em ajudar secretamente, para que ninguém pudesse lhe agradecer, porque não visava as honras e recompensas do mundo, mas as do Céu.

    Um caso famoso, sempre relatado em suas biografias, mostra como Nicolau ajudava os sofredores. Segue:

Ocorre que, na cidade de Patara, havia um rico comerciante que tinha três filhas; quando estas cresceram, tornaram-se formosas, mas, bem por essa época, as transações comerciais de seu pai fracassaram, até que ele chegou à completa falência. Teve então o comerciante a criminosa ideia de usar a beleza das filhas para obter os meios de sobrevivência de que necessitava. São Nicolau soube do plano e decidiu salvar tanto o pai quanto as filhas de tal pecado e tal vergonha. 

À noite, camuflou-se com uma capa (vermelha?) e foi à casa do comerciante falido. Não consta que tenha descido pela chaminé, mas fez quase isso; jogou pela janela um saco com um belo presente: uma generosa quantia em moedas de ouro. Certas versões dão conta de que isso se deu na véspera do Natal. Fato é que o comerciante, achando o ouro, com grande alegria preparou o enxoval da filha mais velha e, assim arranjou-lhe um bom casamento. Para tanto, naquela época, era preciso que a noiva tivesse um bom dote. Algum tempo depois, São Nicolau novamente jogou outro saco com ouro para dentro da casa do comerciante, o suficiente para o enxoval e o casamento da segunda filha. E quando São Nicolau, repetindo o mesmo plano, jogou um terceiro saco com ouro para a filha mais nova, o comerciante, desconfiado, estava à sua espera. Prostrando-se emocionado diante do Santo, agradeceu-lhe pela salvação da família de um horrível pecado e da grave infâmia a que se submeteria perante toda a cidade, com lágrimas que lhe desciam copiosamente pelas faces. 

Após o casamento das três filhas, o comerciante conseguiu enfim recuperar os seus negócios, e começou a ajudar também os seus próximos, imitando o exemplo de seu grande benfeitor.[2]

Papai Noel? Sim, ou melhor, é São Nicolau retratado em ilustrações tradicionais germânicas (veja mais aqui).
Aliás, o Papai Noel em alemão é também chamado 'Kris Kringle' (de Christkindl), que quer dizer 'Menino Cristo'.

    Vemos claramente como o episódio descrito acima, em muitos aspectos, deu origem às lendas que conhecemos sobre o Papai Noel. A conclusão da história deste Santo, que é especialmente querido pelos cristãos ortodoxos, é a seguinte: em certo ponto, ele terminou por vender todas as suas posses e distribuiu todo o dinheiro entre os mais necessitados. Ele, que desde a morte dos pais havia se aproximado de seu tio, o Bispo da cidade de Patara, foi logo ordenado sacerdote, terminando por se tornar o inesquecível Bispo de Mira.

    Homem bondoso e de grande caridade, Nicolau foi sempre amado por todo o povo, e conta-se que realmente gostava de distribuir presentes entre as crianças. Faleceu no dia 6 de dezembro de 343, dia em que a Igreja celebra sua memória (a propósito, era exatamente na véspera deste dia que eu pendurava minha meia na janela).

    Assim, influenciados pela popularidade de São Nicolau na Europa, imigrantes europeus trouxeram sua história e suas tradições para a América. Eis aí também a origem do nome Santa Claus (corruptela de Saint Nikolaus/St. Niklaus) que o Papai Noel tem em inglês. 

Conclusão

Observemos bem, então, que o Papai Noel não precisa ser – e realmente não é! – um inimigo de Cristo e/ou do verdadeiro sentido do Natal.  O fato de celebrarmos o Nascimento do Senhor Jesus no Natal não nos impede de mostrar admiração pelas vidas que foram transformadas por Ele mesmo, o Salvador dos homens. São as vidas de pessoas que demonstraram compaixão e verdadeira caridade por causa da sua Fé e sua pertença à Igreja. São Nicolau, o verdadeiro Papai Noel, foi simplesmente uma dessas pessoas.

    Então, talvez o problema não esteja na figura do Papai Noel em si, mas sim na maneira equivocada com que ele vem sendo entendido. Muitas lendas foram sendo acrescentadas à verdadeira história, e assim apareceu o "Papai Noel" dos dias de hoje, que pouco lembra o original. Será que resgatar a verdadeira história da vida do Papai Noel/São Nicolau não poderia enriquecer ainda mais as celebrações de Natal em família, com nossas crianças, ao invés de afastar do verdadeiro significado do Natal?

    Nós, da FLSP, não temos dúvidas de que São Nicolau foi um excelente exemplo de verdadeiro seguidor de Jesus Cristo e um destacado membro da sua Igreja. Mais do que isso, entendemos que simplesmente esclarecendo os fatos é possível "virar o jogo", transformando essa figura que tem sido usada tão ardilosamente em mais um instrumento a favor de Nosso Senhor e da sua Igreja.

    Que tal se passássemos a contar aos nossos filhos, reunidos em família, a verdadeira história do Papai Noel, deixando os duendes e o trenó voador de lado e dando ênfase ao imenso amor que ele tinha por Jesus, o Aniversariante que celebramos? Um feliz Natal do Senhor a todos!

 

Prostrado, Papai Noel adora o Menino Jesus: esta, sim, é a imagem em que devemos investir

______

1. Embora existam estudos sérios que favoreçam a tese de que o Cristo tenha nascido realmente em 25 de dezembro: para saber mais a respeito, acesse.

2. FEDERER, 2006.

________

Fontes e ref. bibliográfica:

• FEDERER, William J. There Really Is a Santa Claus: History of Saint Nicholas & Christmas Holiday Traditions, Washington: Library of Congress,  2003. 

• Portal Father Alexander, artigo 'São Nicolau', disp. em:

http://www.fatheralexander.org/booklets/portuguese/st_nicolas_p.htm

Acesso 18/12/015

Ouça este conteúdo em áudio (inscreva-se em nosso canal):



Clicando aqui você poderá saber mais sobre nosso Curso de Teologia Católica – Entendendo a Bíblia

DIVULGUE EM SUAS REDES!