NO TEMPO DO IMPERADOR Romano Nero desencadeou-se a primeira revolta aberta dos judeus da Palestina contra Roma (66-70). Tito, na primavera de 70, sitiou Jerusalém: a cidade inteira foi saqueada e arrasada; o Templo foi destruído no dia 10 do mês de agosto do mesmo ano.
Os fariseus de Jerusalém1 se transferiram para a cidade de Jâmnia, onde formaram próspera escola rabínica. Aproximadamente no ano 90, este grupo de rabinos definiu uma lista dos livros que deveriam ser considerados sagrados pelos Judeus. O Cânon de Jâmnia (como ficou conhecida esta lista) deu origem à atual Bíblia Hebraica. Foi o Cânon de Jâmnia que primeiro excluiu os sete livros ditos deuterocanónicos (do AT) e os acréscimos de Daniel e Ester.
Alguns afirmam que o Cânon de Jâmnia foi a confirmação de um cânon sagrado anterior e definido pela tradição judaica. Segundo essa tese, o fato de Jesus e os Apóstolos se referirem às Escrituras sagradas disponíveis em seu tempo de forma geral ('Escrituras'), mostraria que eles tinham em mente uma quantidade precisa de livros que estavam incluídos sob aqueles títulos gerais. Apresentam-se como evidência desta teoria:
1) O registro do Evangelista Lucas ao diálogo entre Jesus e os discípulos na estrada de Emaús: “E começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras” (Lc 24,27). – A expressão “todas as Escrituras” demonstraria que já no tempo de Cristo havia uma lista de livros canônicos previamente fixada.
2) João 5,39, quando Jesus manda os fariseus, que eram então os legítimos intérpretes da Lei (cf. Mt 23,1), verificarem que nEle se cumpriram todas as profecias messiânicas. Jesus, ao utilizar a expressão “Escrituras”, estaria se referindo a um conjunto de livros conhecido tanto por Ele quanto pelos fariseus.
Os fariseus de Jerusalém1 se transferiram para a cidade de Jâmnia, onde formaram próspera escola rabínica. Aproximadamente no ano 90, este grupo de rabinos definiu uma lista dos livros que deveriam ser considerados sagrados pelos Judeus. O Cânon de Jâmnia (como ficou conhecida esta lista) deu origem à atual Bíblia Hebraica. Foi o Cânon de Jâmnia que primeiro excluiu os sete livros ditos deuterocanónicos (do AT) e os acréscimos de Daniel e Ester.
Alguns afirmam que o Cânon de Jâmnia foi a confirmação de um cânon sagrado anterior e definido pela tradição judaica. Segundo essa tese, o fato de Jesus e os Apóstolos se referirem às Escrituras sagradas disponíveis em seu tempo de forma geral ('Escrituras'), mostraria que eles tinham em mente uma quantidade precisa de livros que estavam incluídos sob aqueles títulos gerais. Apresentam-se como evidência desta teoria:
1) O registro do Evangelista Lucas ao diálogo entre Jesus e os discípulos na estrada de Emaús: “E começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras” (Lc 24,27). – A expressão “todas as Escrituras” demonstraria que já no tempo de Cristo havia uma lista de livros canônicos previamente fixada.
2) João 5,39, quando Jesus manda os fariseus, que eram então os legítimos intérpretes da Lei (cf. Mt 23,1), verificarem que nEle se cumpriram todas as profecias messiânicas. Jesus, ao utilizar a expressão “Escrituras”, estaria se referindo a um conjunto de livros conhecido tanto por Ele quanto pelos fariseus.
3) O uso das expressões “Moisés e os Profetas” e “A Lei e os Profetas” (cf. Lc 24,27), que indicariam a estrutura de como este suposto cânon judeu estaria organizado, sendo que na seção “Lei”, estariam contidos também os Salmos (cf. João 10,34). Assim, pretende-se defender a existência de um cânon bíblico antigo e organizado em uma tríplice estrutura: a Lei, os Profetas e os Salmos. Costuma-se fazer referência a Lucas 24,44, onde Jesus, ao aparecer aos Apóstolos e discípulos, lhes diz: “Era necessário que se cumprisse tudo o que de Mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”.
Ocorre que os argumentos apresentados acima, na realidade, são bastante frágeis, pois em todas as referências apresentadas, Jesus está demonstrando que nEle se cumprem as profecias messiânicas. Pois bem, estas profecias estão justamente nos livros de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Desta forma, dentro do contexto próprio, é mais lógico e aceitável supor que Jesus esteja se referindo a esta tríplice estrutura simplesmente porque é nela que se encontram as profecias messiânicas, do que supor que esteja fazendo referência a um cânon sagrado existente em seu tempo.
Há ainda quem apresente como argumento favorável ao suposto cânon judaico os testemunhos históricos de Flávio Josefo e Áquila (o qual criou uma nova versão grega das Escrituras hebraicas que leva o seu nome).
Ocorre, todavia, que o testemunho de Áquila é reconhecidamente posterior ao Cânon de Jâmnia. Assim, também não pode ser aceito como prova da teoria do cânon antigo. Por outro lado, reproduziremos abaixo o texto de Josefo, conforme consta em sua obra “Contra Apion”:
“É, pois, natural, ou melhor dizendo, necessário, que não exista entre nós uma multiplicidade de livros em contradição entre si, senão somente vinte e dois2 que contém os registros de toda a história e que com toda justiça são dignos de confiança. Deles, existem cinco de Moisés, os quais contêm as leis e a tradição desde a criação do homem até a morte de Moisés. Compreende, mais ou menos, um período de três mil anos. Desde a morte de Moisés até Artaxerxes2, sucessor de Xerxes3 como rei dos persas, aos profetas posteriores a Moisés foram deixados os feitos do seu tempo em treze livros; os quatro restantes contém hinos a Deus e conselhos morais aos homens. Também desde Artaxerxes [tempo do Profeta Esdras] até nossos dias cada acontecimento tem sido registrado; embora estes não sejam dignos da mesma confiança dos anteriores, porque não havia uma sucessão rigorosa de profetas. Os feitos provam com claridade como nós nos acercamos das nossas próprias escrituras: havendo já transcorrido tanto tempo, ninguém se atreveu a adicionar, tirar ou trocar nada nelas.”
(JOSEFO, vs. 38-42, 2006, p. 21-22)
Não é possível precisar se o testemunho de Josefo é anterior ou posterior ao Cânon de Jâmnia, devido à incerteza entre as datas do cânon e seu testemunho. É comumente aceito que “Contra Apion” foi concluída pelo ano 94, enquanto que o Cânon de Jâmnia é normalmente referido como sendo do ano 90. Entretanto, nenhuma destas datas é conclusiva; sabemos apenas que ambos são dos últimos anos do séc I dC. Com efeito, esta incerteza compromete por completo o testemunho de Josefo, pois não se sabe com certeza se o mesmo foi influenciado ou não pelo Cânon de Jâmnia. De fato, há indícios de que sim.
Josefo era fariseu e os rabinos de Jâmnia também. Assim, é provável que ele esteja simplesmente defendendo a posição de sua facção religiosa. Tanto é assim que o prólogo da tradução grega do Eclesiástico (ou Sabedoria de Sirac), escrito por volta de 130 aC., portanto anterior ao testemunho de Josefo, parece contradizê-lo:
“Pela Lei, pelos Profetas e por outros escritores que os sucederam, recebemos inúmeros ensinamentos importantes (...) Foi assim que, após entregar-se particularmente ao estudo atento da Lei, dos Profetas e dos outros Escritos, transmitidos por nossos antepassados...”
Enquanto o testemunho de Josefo procura restringir o Cânon Sagrado ao tempo de Esdras, porque, segundo ele, "depois deste não houve uma sucessão precisa de profetas", o Eclesiástico parece ser mais amplo e fiel à História ao afirmar que pelos escritos dos profetas recebemos inúmeros ensinamentos importantes.
O testemunho do Eclesiástico refere-se a livros posteriores ao tempo dos Profetas. Vejamos o que especialista Leonard Rost, protestante, tem a dizer a esse respeito:
“Vê-se, pelo prólogo de Sirac [Eclesiástico ou Sabedoria de Sirac], que, além dos escritos assumidos no Cânon hebraico, traduziram-se também outros, que parecem ter gozado de bastante estima como obras religiosas de edificação, em círculos mais ou menos amplos, até o final do século I dC.”
(ROST, 1980, p.19)
Busto de autoria anônima representaria Flavio Josefo |
Há ainda em Josefo um trecho bem polêmico, o qual afirma: “Havendo já transcorrido tanto tempo, ninguém se atreveu a adicionar, tirar ou trocar nada nelas [nas Escrituras]”. Alguns entendem que, neste trecho, Josefo confirma que os livros escritos depois do tempo de Esdras não estavam dispostos num mesmo volume com os livros que foram escritos antes deste período (protocanônicos), pois isto configuraria um acréscimo nos primeiros. Ora, ele está dizendo que nada foi alterado nos textos presentes nestes livros, nenhuma sílaba a mais, nenhuma a menos. Josefo não está se referindo à adição ou retirada de livros a um conjunto preestabelecido de outros livros.
Vemos como a tese do Cânon pré-existente apresenta sérios problemas. Primeiro, se este suposto cânon correspondia ao Cânon de Jâmnia, por que era comumente usada a Septuaginta com um catálogo bem maior, conforme comprovado pelo testemunho do NT e as descobertas do Mar Morto e Massada (como vimos anteriormente aqui)? Segundo, se este suposto cânon correspondesse aos livros da Septuaginta, logo não seria permitida a definição de qualquer outro cânon bíblico; então, por que foi estabelecido o Cânon de Jâmnia? Terceiro, os judeus alexandrinos e etíopes recusaram o Cânon de Jâmnia e até hoje guardam como sagrados os livros da Septuaginta. Se realmente este suposto cânon bíblico existisse, não haveriam disputas entre os judeus sobre este tema; todos adotariam o mesmo conjunto de livros sagrados definidos pela Tradição Judaica.
Fílon de Alexandria, historiador e filósofo judeu, viveu entre os anos de 2o a 50 d.C. Em sua obra “Exposições sobre a Lei”, onde faz comentários sobre a doutrina da Torahoo, as referências ao Pentateuco são todas da Septuaginta, que possuía os livros deuterocanônicos e as partes deuterocanónicas de Daniel e Ester, não aceitas posteriormente pelos Judeus de Jâmnia. Um dos especialistas sobre a vida de Fílon de Alexandria, o Prof. Ritter, quanto ao uso da Septuaginta pelo Filósofo, escreve:
“A princípio o texto que ele [Fílon] comenta é o da tradução grega dos Setenta; algumas diferenças que se assinalou com razão entre seu texto e aquele que possuímos atualmente dos Setenta se explicam de uma maneira satisfatória não pela leitura do texto hebraico, mas pelo fato de que nossa recensão é de origem posterior à da que ele usava.”
(RITTER, 1879)
Antes que alguém objete afirmando que a Tradição dos judeus palestinenses era diferente da Tradição dos judeus alexandrinos, devemos lembrá-los que ambos os grupos manuseavam a versão grega da Septuaginta; portanto, possuíam a mesma Tradição judaica. A correspondência entre a Tradição judaica alexandrina e a palestina é atestada pelo especialista Wolfson:
“O judaísmo alexandrino, no tempo de Fílon, era do mesmo tronco do judaísmo farisaico, que então prosperava na Palestina, ambos tendo brotado daquele judaísmo macabeu [c. 165 aC.] que fora moldado pelas atividades dos escribas.”
(WOLFSON, 1982)
Ainda segundo o estudioso Werner Jaeger:
“O grego era falado nas sinagogas por todo o Mediterrâneo, como se torna evidente pelo exemplo de Fílon de Alexandria, que não escreveu o seu grego literário para um público de gentios, mas para os seus compatriotas judeus altamente educados.” (JAEGER, 1991)
Fílon de Alexandria falava grego, como era costume em seu tempo, e utilizava as escrituras hebraicas através da Septuaginta. Isto era muito comum até entre os judeus da Palestina. Josefo defende os judeus de Alexandria de diversas calúnias, mostrando haver identidade entre eles e os judeus da Palestina (JOSEFO, 2006, p.96-102).
Se o cânon das Escrituras Hebraicas já estivesse fechado no tempo de Jesus, todos os judeus hoje (palestinos ou alexandrinos) observariam o mesmo conjunto de livros sagrados, e os fariseus de Jâmnia não precisariam se preocupar com isto no final do séc. I d.C.
Interessante é a constatação do estudioso Fedeli Pasquero:
“Na realidade, seguramente os judeus alexandrino no séc. I d.C. reconheciam como sagrados os livros deuterocanônicos [do AT]; não obstante a isso, eles estavam em plena comunhão de fé com os judeus da Palestina, coisa que não teria sido possível se houvesse divergências em relação aos livros sagrados. Com efeito, os doutores hebreus faziam uso de pelo menos alguns dos livros deuterocanônicos [do AT]; de modo especial, encontramos frequentemente citados Baruc, o Sirácida [Sabedoria de Siarc ou Eclesiástico, Tobias.”
(PASQUERO, 1986)
Sobre a possibilidade de um cânon de Escrituras hebraicas pré-definido, assim se manifesta Rost:
“Não havia um cânon oficial, ou, como diz a Mixná Yaddyim IV 6, não havia Ktby qds’, Escrituras sagradas, como grupo fechado. Mesmo na época em que se fixou a Mixná, por volta de 100 d.C., reinava ampla discussão entre os eruditos a respeito de saber se o Cântico dos Cântico ou o Eclesiastes de Salomão (Qohelet) faziam ou não parte do grupo, discussão esta que foi aplainada por uma sentença arbitral em favor da inclusão destes livros entre os escritos sagrados (Mixná Yadvim III 5 cd). As descobertas dos manuscritos do Mar Morto, provenientes do período que vai de 150 antes de Cristo até 70 da era cristã, em particular os que foram encontrados nas cavernas de Qumran, mostram-nos claramente que naquela época ainda não havia uma distinção rigorosa entre Escritura sagrada e menos sagrada [...] Mas o fato de um fragmento bastante extenso do Sirac hebraico, copiado em escrita esticométrica, vale dizer, executado com capricho e dispêndio de tempo, constituir um dos poucos restos de manuscritos descobertos em Masada, é prova da estiva que este escrito desfrutava no círculo dos zelotes, no correr do século I d.C.”
(ROST, 1980, p.13-14)
Durante a formação do Cânon Hebreu, alguns rabinos se opuseram também à inclusão do livro de Ester, conforme atesta o Prof. Samuel Sandmel5:
“O livro de Ester, segundo os antigos rabinos, é o livro mais novo da Escritura. Houve, entre estes rabinos, quem não quisesse que elefosse incluído na Escritura.”
(BÍBLIA, 1974, Introduções aos Livros Históricos, verb. Ester, XXIII)
Ainda conforme Sandmel, a tradição rabínica quase excluiu do Cânon das Escrituras Hebraicas, o livro do Profeta Ezequiel:
“O livro de Ezequiel foi julgado desapropriado para o cânon porque regulações dos capítulos 40 – 48 parecem contradizer regulações similares do Pentateuco. Como o sábio rabínico Hananias ben Ezequias foi capaz de resolver estas contradições com uma apurada interpretação, o livro salvou-se de ser abandonado juntamente com outros livros que não podiam circular publicamente.”
(Ibid., Introduções.Aos Livros Proféticos, XXIII)
Além destes, também foram inicialmente contestados pelos rabinos o Livro de Jó (Ibid., XVII), Provérbios, Cântico dos Cânticos e Eclesiastes (Ibid., XXXI), concordando assim com o parecer de Rost.
Tudo isto mostra que realmente houve em Jâmnia um acordo entre os fariseus sobre os livros que deveriam ser considerados canônicos pelos judeus. Note o leitor que alguns livros do AT considerados canônicos por todos os cristãos quase ficaram fora do Cânon Hebreu; livros estes que foram amplamente usados pelos antigos judeus. E se tivessem sido excluídos do Cânon Hebreu, isto significaria que jamais foram considerados canônicos antes? E os livros que os fariseus rejeitaram, será mesmo que não eram canônicos?
Mas ainda resta a pergunta: por que os rabinos da palestina adotaram um cânon bíblico mais restrito que o conjunto de livros da Septuaginta, se este era amplamente utilizada pelos judeus, tanto alexandrinos quanto palestinenses?
Objetivos protecionistas
Tudo indica que a definição do Cânon de Jâmnia deveu-se a razões protecionistas. Goodnough afirma o seguinte: “Judeus que tinham sido mais helenizados tornaram-se cristãos, como foi dito, enquanto que o restante retornou ao judaísmo normativo do qual se separaram, quando muito, apenas superficialmente” (GOODENOUGH, 1988).
Fatos como a destruição do Tempo de Jerusalém em 70 d.C., a Septuaginta utilizada amplamente pelos Judeus (tanto na Palestina com em Alexandria), poucos judeus com conhecimento do hebraico, o grego comumente utilizado na vida religiosa dos judeus, o aparecimento das primeiras Escrituras cristãs, as conversões de judeus ao cristianismo e etc; todo este conjunto de eventos levou os judeus da Palestina a se protegerem da extinção total de sua cultura e religião.
Como isso poderia ser feito, sem que fosse necessário restaurar o hebraico na vida comum e religiosa dos judeus, resgatar a identidade judaica e estabelecer políticas que impedissem o contato com as Escrituras cristãs? Não é no mínimo curioso que, no final do primeiro século da Era cristã, os líderes judeus da Palestina se reúnam para definir um conjunto de livros como sagrados, sendo que todos estes tenham sido escritos em hebraico e no território de Israel? Não são estes critérios nacionalistas demais, já que o povo judeu viveu tanto tempo em terra estrangeira, e fora de casa produziu tantos escritos, que também constavam em uma versão bíblica comumente usada por todos os judeus, inclusive na Palestina?
É claro que o restabelecimento do hebraico na vida religiosa dos judeus não poderia se dar de uma hora para outra, mas medidas de curto prazo foram tomadas para dificultar a pregação da mensagem cristã junto aos judeus. Novas versões gregas das sagradas escrituras judaicas foram produzidas, nas quais as mais conhecidas são as de Áquila, Símaco e Teodocião. A passagem de Isaías 7,14, que comentamos no estudo anterior, em todas estas versões traz a palavra grega “parthenos” que significa “virgem”. Na nova versão, esta foi trocada por “meanis”, que significa “jovem”. Por que esta alteração? Os cristãos usavam Isaías 7,14 para provar que o Messias viria ao mundo através de um nascimento virginal, o que atestaria sua Origem divina; a alteração posterior feita pelos judeus propiciaria aos incrédulos entenderem a profecia de forma totalmente diferente.
Esta atitude dos judeus palestinenses por causa do Evangelho é confirmada por um reconhecido estudioso judeu, o Prof. Aage Bentzen: “Contra a Igreja cristã, os judeus sustentavam que Isaías 7,14 não fala de uma virgem’ (parthenos), mas de uma mulher jovem’ (meanis). Os cristãos respondiam acertadamente que a tradução parthenos provém de tradutores judeus” (BENTZEN, 1968).
Os judeus da palestina do I séc. dC estabeleceram fundamentos que permanecem até hoje. Basta observar o protecionismo vigente nas atuais comunidades judaicas. A própria palavra hebraica “almah” hoje é usada pelos judeus não com o significado de “virgem”, mas como de “jovem moça” ou “senhorita”. Pelo fato de nunca ter havido disputas doutrinárias entre judeus alexandrinos e palestinos, antes do Cânon de Jâmnia, a existência de testemunhos anteriores a Josefo (prólogo do Eclesiástico e Fílon de Alexandria), que atestam o uso de um conjunto de livros canônicos mais amplo do que àquele definido em Jâmnia (evidências estas corroboradas tanto pelas descobertas do Mar Morto e Massada quanto pelo NT), torna-se óbvio quão arbitrária foi a definição do Cânon de Jâmnia.
Atesta ainda Rost que não dispomos de informações para dizer quando esta versão grega deixou de ser usada na comunidade judaica, pois faltam-nos testemunhos em tal sentido. Como quer que seja, por volta do ano 100 dC., segundo o que se lê na Mixná, só os textos escritos em hebraico gozaram normativamente do caráter sagrado e, por conseguinte, só eles podiam ser usados no culto. É impossível saber quando e de que modo esta norma se impôs. “Seja com for, a comunidade cristã de origem grega utilizava a coletânea grega mais extensa dos livros sagrados, tal como encontramos nos unciais6 mais antigos B e A, em vez da coletânea hebraica, fixada através de medidas restritivas” (ROST, 1980, p.20-21).
Alguns cristãos dos primeiros séculos viajaram para a Palestina a fim de verificar qual era a lista dos livros sagrados do AT. Seus testemunhos7 nos mostram que o Cânon de Jâmnia não foi aceito de imediato na Palestina. Tudo isto é mera coincidência ou estratégia deliberada? Que implicações o Cânon de Jâmnia trouxe à Igreja Cristã? O leitor se lembra do testemunho de Josefo a respeito das Escrituras Hebraicas? Neste momento queremos chamar sua atenção para dois pontos importantes deste testemunho. Primeiramente vejamos o seguinte trecho: “De Artaxerxes à nossa época, todos os eventos foram anotados, mas não são considerados dignos de igual crédito ao restante porque não houve uma sucessão precisa de profetas” (grifos nossos). Os livros que foram escritos depois de Artaxerxes (depois do tempo do Profeta Esdras) não são mencionados por Josefo como contrários à Tradição Judaica, apenas diz que “não são considerados dignos de igual crédito ao restante”. Para ele, este conjunto de livros possuía certa dignidade, embora em grau menor que os livros escritos antes do tempo de Esdras. Note o leitor que a distinção que Josefo faz destes livros em relação aos protocanônicos não é doutrinária, mas canônica. Ele não afirma que os livros depois do tempo de Esdras não são canônicos porque continham algo alheio à Doutrina, ele não associa esses livros a conteúdo herético. Já que, para ele, depois do tempo de Esdras “não houve uma sucessão precisa de profetas”, o mesmo entende que não há garantia de que os livros escritos depois deste período tenham sido escritos sob Inspiração divina.
Josefo não tinha plena certeza se a Revelação de Deus havia cessado após o tempo de Esdras, mas nós, cristãos, sabemos que não, ou não acreditaríamos hoje nos livros do NT e nem no Ministério dos Apóstolos. Alguém poderia objetar dizendo que o testemunho de Josefo serve apenas para o AT. O próprio Cristo afirmou que a Antiga Aliança durou até o Ministério de João Batista (cf. Mt 11,13; Lc 16,16).
Enquanto Josefo encerra a Revelação do AT ao tempo do Profeta Esdras, Nosso Senhor afirma que durou até o tempo de João Batista. O cristão deve ficar com o testemunho de Flávio Josefo ou de Nosso Senhor Jesus Cristo? Portanto, as palavras de Jesus anulam o critério de Josefo em determinar quando a Revelação da Antiga Aliança cessou. Fica bem clara a possibilidade de haver livros canônicos, referentes ao AT, posteriores ao tempo do Profeta Esdras. Tendo visto que até meados do séc. I dC., o cânon das Escrituras Hebraicas ainda estava em aberto, a quem pertence a Autoridade para definir tal lista? Aos judeus, que já não eram "povo escolhido" de Deus, ou à Igreja cristã, então herdeira da Nova e Eterna Aliança? Como os cristãos dos primeiros séculos entendiam esta questão? É o que veremos a seguir.
Alguns cristãos dos primeiros séculos viajaram para a Palestina a fim de verificar qual era a lista dos livros sagrados do AT. Seus testemunhos7 nos mostram que o Cânon de Jâmnia não foi aceito de imediato na Palestina. Tudo isto é mera coincidência ou estratégia deliberada? Que implicações o Cânon de Jâmnia trouxe à Igreja Cristã? O leitor se lembra do testemunho de Josefo a respeito das Escrituras Hebraicas? Neste momento queremos chamar sua atenção para dois pontos importantes deste testemunho. Primeiramente vejamos o seguinte trecho: “De Artaxerxes à nossa época, todos os eventos foram anotados, mas não são considerados dignos de igual crédito ao restante porque não houve uma sucessão precisa de profetas” (grifos nossos). Os livros que foram escritos depois de Artaxerxes (depois do tempo do Profeta Esdras) não são mencionados por Josefo como contrários à Tradição Judaica, apenas diz que “não são considerados dignos de igual crédito ao restante”. Para ele, este conjunto de livros possuía certa dignidade, embora em grau menor que os livros escritos antes do tempo de Esdras. Note o leitor que a distinção que Josefo faz destes livros em relação aos protocanônicos não é doutrinária, mas canônica. Ele não afirma que os livros depois do tempo de Esdras não são canônicos porque continham algo alheio à Doutrina, ele não associa esses livros a conteúdo herético. Já que, para ele, depois do tempo de Esdras “não houve uma sucessão precisa de profetas”, o mesmo entende que não há garantia de que os livros escritos depois deste período tenham sido escritos sob Inspiração divina.
Josefo não tinha plena certeza se a Revelação de Deus havia cessado após o tempo de Esdras, mas nós, cristãos, sabemos que não, ou não acreditaríamos hoje nos livros do NT e nem no Ministério dos Apóstolos. Alguém poderia objetar dizendo que o testemunho de Josefo serve apenas para o AT. O próprio Cristo afirmou que a Antiga Aliança durou até o Ministério de João Batista (cf. Mt 11,13; Lc 16,16).
Enquanto Josefo encerra a Revelação do AT ao tempo do Profeta Esdras, Nosso Senhor afirma que durou até o tempo de João Batista. O cristão deve ficar com o testemunho de Flávio Josefo ou de Nosso Senhor Jesus Cristo? Portanto, as palavras de Jesus anulam o critério de Josefo em determinar quando a Revelação da Antiga Aliança cessou. Fica bem clara a possibilidade de haver livros canônicos, referentes ao AT, posteriores ao tempo do Profeta Esdras. Tendo visto que até meados do séc. I dC., o cânon das Escrituras Hebraicas ainda estava em aberto, a quem pertence a Autoridade para definir tal lista? Aos judeus, que já não eram "povo escolhido" de Deus, ou à Igreja cristã, então herdeira da Nova e Eterna Aliança? Como os cristãos dos primeiros séculos entendiam esta questão? É o que veremos a seguir.
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Notas:
1. Alguns autores identificam a Escola Rabínica em Jâmnia como o antigo Sinédrio (BERARDINO, 2002, verb. Jerusalém, p. 750). Entretanto, há controvérsias entre os especialistas, já que o Sinédrio era predominantemente formado por Saduceus, que neste tempo foram dizimados.
2. Osjudeus organizavam suas Escrituras conforme o número deletras de seu alfabeto.
3. Natradução originalestá Artajerjes (j” nolugar do “x”), o que difere douso comum em outrastraduções. Por motivo de unidade textual mantive conforme ouso comum.
4. Mesma razão da nota anterior.
5. Professor de Bíblia e Literatura Helenística pelo Hebrew Union College, Cincinnati (Ohio): EUA.
6. Manuscritos totalmente em maiúsculas.
7. Examinaremos estes testemunhos em postagem posterior.
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Fontes:
• BERARDINO, Angelo Di. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Trad. Cristina Andrade. Petrópolis/São Paulo: Vozes/Paulus 2002.
• ROST, Leonard. Introdução aos Livros Apócrifos e Pseudo-epígrafos do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1980.
• RITTER, B. Philo und die Halacha, eine vergleichende Studie unter steter Berücksichtigung des Joseph, Leipzig, 1879.
• WOLFSON, Harry Austrin. Philo: foundations of religous philosophy in Judaism, Christianity and Islam, v.I. Cambridge: Harvard University Press, 1982, p. 56.
• GOODENOUGH, Erwin Ramsdell. Jewish Symbols in the Greco-roman Period (abridged edition), por Jacob Neusner. Princeton: Princeton University Press, 1988, p.9.
• BENTZEN. Aste. Introdução ao Antigo Testamento, v. I. São Paulo: ASTE, 1968, p.92.
5. Professor de Bíblia e Literatura Helenística pelo Hebrew Union College, Cincinnati (Ohio): EUA.
6. Manuscritos totalmente em maiúsculas.
7. Examinaremos estes testemunhos em postagem posterior.
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Fontes:
• BERARDINO, Angelo Di. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Trad. Cristina Andrade. Petrópolis/São Paulo: Vozes/Paulus 2002.
• ROST, Leonard. Introdução aos Livros Apócrifos e Pseudo-epígrafos do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1980.
• RITTER, B. Philo und die Halacha, eine vergleichende Studie unter steter Berücksichtigung des Joseph, Leipzig, 1879.
• WOLFSON, Harry Austrin. Philo: foundations of religous philosophy in Judaism, Christianity and Islam, v.I. Cambridge: Harvard University Press, 1982, p. 56.
• GOODENOUGH, Erwin Ramsdell. Jewish Symbols in the Greco-roman Period (abridged edition), por Jacob Neusner. Princeton: Princeton University Press, 1988, p.9.
• BENTZEN. Aste. Introdução ao Antigo Testamento, v. I. São Paulo: ASTE, 1968, p.92.