Por Prof. Erich Ferreira Caputo
(do Oratório Secular de S. Filipe Neri)
EM QUE MOMENTO o nosso patriotismo começou a desvanecer? Quando um país com uma história tão rica começa a se esquecer – ou não dar valor – àquilo que vem a ser a base que propriamente constitui a nossa identidade? Por mais polêmica que seja, a resposta a essas perguntas é bem simples: essa tragédia acontece quando o fútil e o passageiro tomam o lugar daquilo que deveria ser eterno e sempre conservado.
Nosso idioma, nossas dimensões territoriais, nossa bandeira, nossos hinos, nosso povo, nossa rica cultura, nossa história e nossa Religião: como foram difíceis tais conquistas, marcadas por lutas e por sofrimento. Só por isso já deveríamos reconhecer o seu valor inestimável e conservar com zelo a sua memória, para que todas as gerações saibam o quanto tudo isso vale.
Antes de ser conhecida com o nome “Brasil”, nossa terra já havia sido batizada pelos bravos portugueses, no seu descobrimento, como "Terra da Vera Cruz", em virtude da semana da Santa Cruz. Este nome conservava a herança e a fé de Portugal, país cuja rica história é marcada pela fé em Cristo e que trouxe em suas naus o primeiro objeto que fincaria em nosso solo: a Cruz do Senhor.
A bordo das caravelas de Pedro Alvares Cabral vinham os missionários que propagariam a fé católica e apostólica em nosso território. Na missiva de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal – verdadeira certidão de nascimento de nosso país – nota-se a preocupação em salvar as almas dos primeiros habitantes de nossa pátria. É a salvação das almas que impulsionará os feitos de São José de Anchieta, ao lado de outros padres da Companhia de Jesus que chegam 49 anos depois do descobrimento, tais como Manuel da Nóbrega, que começa a propagar a fé e as primeiras noções de educação em nossa terra, iniciando o que podemos chamar de civilização brasileira.
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A Primeira Missa no Brasil, por Victor Meireles (1860) |
Da mesma companhia tivemos, ainda, a honra de aprender com um dos maiores oradores da nossa língua: Padre Antônio Vieira. O papel desempenhado pelos Jesuítas só não foi maior devido à expulsão da ordem, em 1756, por decreto do Marques de Pombal, sendo que os padres jesuítas só viriam a retornar quase cem anos depois.
Não só os Jesuítas, mas também outras ordens religiosas aportaram em nossa “Mãe Gentil”: Franciscanos, Dominicanos, Carmelitas, Beneditinos e, não menos importante, a nossa querida Congregação do Oratório de São Filipe Neri. Todos verdadeiros apóstolos do Brasil.
Mesmo com tenra idade, nosso país é logo marcado por lutas, tanto internas, contra os indígenas (os que não se convertiam ou que eram escravizados), quanto externas, contra os primeiros invasores externos (franceses, holandeses e até mesmo piratas e corsários ingleses). Se hoje não falamos francês, muito se deve à luta de defensores como o padre Manuel da Nóbrega, além de Mem de Sá e seu sobrinho Estácio de Sá que, logo após a vitória no Rio de Janeiro, morreu em decorrência dos ferimentos adquiridos na batalha contra os franceses.
Durante 24 anos, os holandeses conseguiram, por meio das Companhias das Índias Ocidentais, no papel do governador João Mauricio de Nassau, criar uma colônia no Brasil. Exploraram o açúcar (uma das nossas primeiras riquezas) até serem expulsos em 1644. A marca que o “Brasil holandês” deixou, porém, foi também incorporada à cultura brasileira. O território brasileiro é expandido graças a figuras controversas como a dos Bandeirantes, entre os quais Raposo Tavares, desbravador de São Paulo, o "Governador das Esmeraldas" Fernão Dias e o lendário Anhanguera (Bartolomeu Bueno da Silva). Homens de dura cerviz, sertanistas que carregavam em suas costas a herança das falanges macedônicas. Afinal, as Bandeiras nada mais eram do que verdadeiras instituições paramilitares, que tiveram o seu fim decretado no próprio território que ajudaram a desbravar, nas mãos do padre Montoya, defensor dos indígenas perseguidos.
A economia de nosso país fluiu desde o extrativismo vegetal, com o Pau-Brasil, às grandes moendas açucareiras no Nordeste e à corrida pelo ouro, principalmente, em Minas Gerais, sendo o período da busca pelo precioso metal muito destacado pelo apogeu da belíssima arte Barroca.
Muitos outros personagens passaram pelo palco de nosso país e deixaram suas marcas. Influenciados pelas ideias iluministas, alguns tentaram romper com a Coroa Portuguesa, o que nos legou a Inconfidência Mineira e a icônica figura de José da Silva Xavier, o Tiradentes. A Europa é sacudida pela tempestade Napoleônica. O monarca Dom João VI, então, desembarca em sua colônia no ano 1808, trazendo consigo toda a corte portuguesa. Tal fato se tornará de suma importância para o desenvolvimento da nossa pátria.
Instituições das mais variadas são criadas; a colônia começa a ganhar contornos de metrópole e, mesmo após a independência, não deixará de se desenvolver. Com a independência proclamada por Dom Pedro I, temos agora um imperador, sem, no entanto, perder a herança e o vínculo com as nossas próprias origens.
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D. Pedro II por
Delfim da Câmara (1875) |
Um momento histórico que fomentará o primeiro rompimento com nossas raízes é a proclamação da República. A partir desse momento, não ganhamos um presidente antes de perdermos um pai, na figura do Imperador Dom Pedro II. E com o fim do período imperial, começa-se a criar uma nova mentalidade e uma tentativa de esquecer e até mesmo reescrever a nossa história. Valores antes inestimáveis começam a ser substituídos por símbolos que deixam de lado tudo o que se refere à monarquia. Não deixa de ser fascinante a luta de Antônio Conselheiro, um monarquista, em Canudos, um momento marcante da nossa história republicana.
Ganhamos uma nova bandeira, novas leis, novos governantes e, pouco a pouco, o país começava a esquecer o império que um dia fora. Ao invés da perpetuidade e segurança da instituição milenar que é a monarquia, ganhamos a troca permanente de partidos no governo e, logo mais, a entrada de um ditador que lutou para criar o mesmo espírito do império em sua figura: Getúlio Vargas.
Após a ditadura Vargas, “democracia” começa a ser a palavra de ordem em nossa pátria, muitas vezes desvirtuada e até incompreendida. Passados poucos anos, enfrentaremos mais uma ditadura de 30 anos. No período militar, houve uma tentativa de criar ordem e disciplina (dentro dos dizeres positivistas da nossa bandeira republicana e constitucionalista), mas que falhou miseravelmente ao ceder praticamente todo o espaço e poder das instituições de ensino e dos veículos de comunicação aos comunistas. No fim, deparamo-nos com um novo malogro.
O mundo mudou. Ser patriota é agora sinônimo de desejar o antigo, o velho, o retrógrado, o “dogmático”, etc. O pensamento comum é o de que o país precisa "avançar" – e não pode olhar para trás, não deve sem sequer se lembrar das antigas estruturas – e que se deve reconstruir tudo, desde a fundação...
Em nome da democracia, uma única crença dá lugar aos mais variados tipos de credos; a família patriarcal e numerosa é substituída pela família planejada, e se possível não apenas com a figura de um único pai ou de uma única mãe; mais ainda, agora tenta-se reinventar a própria estrutura da família enquanto tal, e os professores já não são figuras que devam ser respeitadas, mas questionadas (algo que os próprios professores ensinam!), e o “saber”, mesmo errado, do aluno, este sim deve ser "respeitado"(!). Fenômenos ou objetos dos mais desprezíveis são agora parte da "cultura" e tomam ares de “arte”, seja na música, na pintura etc. O que com muita luta foi construído agora é posto abaixo ao som de risos e escárnios. Nossos monumentos, que nos lembram a nossa pátria (cultura, história, língua e origens) são deixados ao acaso, às intempéries, relegados ao esquecimento. Desfiles cívicos e o respeito pelas datas importantes do calendário nacional são hoje apenas feriados – oportunidades para o churrasco entre amigos ou um fim de semana prolongado na praia.
O patriotismo é um amor ao que nós realmente somos, àquilo que nos faz distintos das demais nações. É o que temos e cultivamos como cultura comum; é aquilo que nossos antepassados nos legaram, o que faz de nós o que somos. É, em dada proporção, um forte laço de pertença a uma grande família. Interessante notar que, como já foi dito, nos últimos tempos é precisamente a família a que mais sofre com ataques dos mais variados para apagar qualquer traço de importância; querem nos convencer, por força e a qualquer custo, que dois homens ou duas mulheres vivendo juntos são tão "família" quanto qualquer família natural composta de pai, mãe e filhos de sangue. Para tanto, como é óbvio, terão que combater a Igreja e tudo o que se entende por Cristianismo. Também assim, a pátria sofre sob pesadíssimos e constantes ataques, vindos de todas as frentes.
Mas há esperança. Notamos hoje um crescente interesse pela nossa história; em decorrência do avanço que tivemos, alguns começam a olhar para trás, pois a tradição não deixa de ecoar aos ouvidos atentos. Talvez ainda não seja tão tarde e, afinal, confiamos primeiro em Deus. Em meio a este mar bravio, sacudido por ondas furiosas, ainda podemos nos ancorar em alguns rochedos, mesmo que dilapidados, como a nossa família. Por mais que tentem destruí-la, a força de vários povos que migraram para a nossa pátria não deixou que essa instituição ruísse por completo; assim também é em relação à nossa fé cristã católica, iniciada com a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo primeiramente plantada em nosso solo.
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