A SEGUIR, UM RESUMO de algumas das homilias que o Papa Bento XVI proferiu durante seus anos de pontificado, nas solenidades de Pentecostes. Para melhor compreensão, dividimos as homílias em temas, de acordo com o que pensamos serem as ideias principais do Santo Padre.
O Espírito Santo
Quem ou o que é o Espírito Santo? Como podemos reconhecê-lo? De que modo vamos a Ele e Ele vem a nós? O que realiza? Uma primeira resposta recebêmo-la do grande hino pentecostal da Igreja, com o qual começamos as Vésperas: "Veni, Creator Spiritus... Vem, Espírito Criador...". Aqui, o hino refere-se aos primeiros versículos da Bíblia que, com o recurso a imagens, exprimem a criação do universo. Ali afirma-se sobretudo que acima do caos, sobre as águas do abismo, pairava o Espírito de Deus. O mundo em que vivemos é obra do Espírito Criador.
O Pentecostes não é apenas a origem da Igreja e por isso, de modo especial, a sua festa; o Pentecostes é também uma festa da criação. O mundo não existe por si mesmo; provém do Espírito criativo de Deus, da Palavra criadora de Deus. E por este motivo reflete inclusive a sabedoria de Deus. Na sua vastidão e na lógica omnicompreensiva das suas leis, ela deixa entrever algo do Espírito Criador de Deus. Exorta-nos ao temor reverencial.
Ele vem ao nosso encontro através da criação e da sua beleza. Todavia, ao longo da história dos homens, a boa criação de Deus foi coberta por um estrato maciço de escórias que torna, se não impossível, de qualquer maneira difícil reconhecer nela o reflexo do Criador, embora diante de um pôr-do-sol no mar, durante uma excursão à montanha ou à vista de uma flor desabrochada desperte em nós, sempre de novo e como que espontaneamente, a consciência da existência do Criador.
Em Jesus Cristo, o próprio Deus fez-se homem e permitiu-nos, por assim dizer, lançar um olhar na intimidade do próprio Deus. E ali vemos algo totalmente inesperado: em Deus existe um Eu e um Tu. O Deus misterioso não constitui uma solidão infinita; Ele é um acontecimento de amor. Se do olhar sobre a criação pensamos que podemos entrever o Espírito Criador, o próprio Deus, como que uma matemática criativa, como um poder que plasma as leis do mundo e a sua ordem e, em seguida, contudo, inclusive como beleza, agora é-nos dado saber: o Espírito Criador tem um Coração. Ele é Amor. Existe o Filho que fala com o Pai. E ambos são um só no Espírito Santo que é, por assim dizer, a atmosfera do doar e do amar, que faz deles um único Deus. Esta unidade de amor, que é Deus, constitui uma unidade muito mais sublime de quanto poderia ser a unidade de uma última partícula indivisível. Precisamente o Deus trino é o Deus uno.
Por meio de Jesus nós lançamos, por assim dizer, um olhar sobre a intimidade de Deus. No seu Evangelho, João expressou-o assim: "A Deus, jamais alguém O viu. O Filho unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem O deu a conhecer" (Jo 1, 18). Todavia, Jesus não nos deixou somente olhar na intimidade de Deus; com Ele, Deus também como que saiu da sua intimidade e veio ao nosso encontro. Isto acontece sobretudo na sua vida, paixão, morte e ressurreição; na sua palavra. Mas Jesus não se contenta com vir ao nosso encontro. Ele quer mais. Deseja a unificação. Este é o significado das imagens do banquete e das bodas. Nós não devemos somente conhecer algo dele, mas através dele mesmo temos o dever de ser atraídos a Deus. Por isso, Ele deve morrer e ressuscitar. Porque agora já não se encontra num [único e] determinado lugar, mas o seu Espírito, o Espírito Santo, já emana dele e entra nos nossos corações, unindo-nos deste modo com o próprio Jesus e com o Pai com o Deus Uno e Trino.
O Pentecostes é isto: Jesus, e através dele o próprio Deus, vem a nós e atrai-nos para dentro de si.
Com efeito, enquanto subia para Jerusalém, [Jesus] declarara aos discípulos: "Vim lançar fogo sobre a terra; e que quero Eu, senão que ele já tenha sido ateado?" (Lc 12, 49). Estas palavras encontram a sua mais evidente realização cinquenta dias depois da ressurreição, no Pentecostes, antiga festa judaica que na Igreja se tornou a festividade por excelência do Espírito Santo: "Viram, então, aparecer umas línguas de fogo... e todos ficaram cheios de Espírito Santo" (At 2, 3-4). O verdadeiro fogo, o Espírito Santo, foi trazido sobre a terra por Cristo. Ele não o arrebatou dos deuses, como fez Prometeu segundo o mito grego, mas fez-se mediador do "dom de Deus", obtendo-o para nós com o maior gesto de amor da história: a sua morte na cruz.
Liberdade e Responsabilidade
Para Israel, o Pentecostes, de festa da sementeira, tornou-se a festa que recordava a conclusão da aliança no Sinai. Deus demonstrou a sua presença ao povo através do vento e do fogo e depois ofereceu-lhe a sua lei, a lei dos 10 mandamentos. Só assim a obra de libertação, que começara com o êxodo do Egito, se tinha cumprido plenamente: a liberdade humana é sempre uma liberdade partilhada, um conjunto de liberdades.
Só numa ordenada harmonia das liberdades, que abre para cada um o seu âmbito, se pode ter uma liberdade comum. Por isso o dom da lei no Sinai não foi uma restrição ou uma abolição da liberdade, mas o fundamento da verdadeira liberdade. E dado que um justo ordenamento humano se pode reger apenas se provém de Deus e se une os homens na perspectiva de Deus, para uma disposição ordenada das liberdades humanas, não podem faltar os mandamentos que o próprio Deus dá. Assim Israel tornou-se plenamente povo precisamente através da aliança com Deus no Sinai. O encontro com Deus no Sinai poderia ser considerado como o fundamento e a garantia da sua existência como povo.
O Espírito Santo, por meio de quem Deus vem a nós, dá-nos a vida e a liberdade. Observemos ambas um pouco mais de perto. "Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância", diz Jesus no Evangelho de João (10, 10). Todos nós aspiramos à vida e à liberdade. Mas de que se trata, onde e como é que encontramos a "vida"? Espontaneamente, penso que a esmagadora maioria dos homens tem o mesmo conceito de vida do filho pródigo, no Evangelho. Ele pediu a parte de património que lhe cabia, e agora sentia-se livre, queria finalmente viver já sem o peso dos afazeres de casa, queria simplesmente viver. Receber da vida tudo o que ela pode oferecer. Gozá-la plenamente, viver, só viver, beber na abundância da vida e nada perder daquilo que de precioso ela pode oferecer. No final, acabou por se tornar guardião de porcos e chegou mesmo a invejar aqueles animais, tão vazia se tinha tornado esta sua vida, tão inútil! E vã revelava-se inclusive a sua liberdade. Porventura não acontece também assim nos nossos dias?
Quando o homem quer somente apoderar-se da vida, ela torna-se cada vez mais vazia, mais pobre; termina-se facilmente por se refugiar na droga, na grande ilusão. E emerge a dúvida se, no final de contas, viver é verdadeiramente um bem. Não, deste modo nós não encontramos a vida. A palavra de Jesus sobre a vida em abundância encontra-se no discurso do Bom Pastor. É uma palavra que se põe num duplo contexto. Sobre o pastor, Jesus diz-nos que ele entrega a sua vida. "Ninguém tira a minha vida, mas sou Eu que a ofereço livremente" (cf. Jo 10, 18). A vida só se encontra, quando é doada; ela não pode ser encontrada, desejando tomar posse dela. É isto que devemos aprender de Cristo; é isto que nos ensina o Espírito Santo, que é puro dom, que é o doar-se de Deus. Quanto mais alguém entrega a sua vida pelos outros, pelo próprio bem, tanto mais copiosamente corre o rio da vida. Em segundo lugar, o Senhor diz-nos que a vida desabrocha, quando caminhamos em companhia do Pastor, que conhece as pastagens, os lugares onde brotam as nascentes da vida. Encontramos a vida na comunhão com Aquele que é a vida em pessoa na comunhão com o Deus vivo, uma comunhão em que somos introduzidos pelo Espírito Santo, denominado no hino das Vésperas como "fons vivus", fonte viva. A pastagem, onde correm as fontes da vida, é a Palavra de Deus como a encontramos na Escritura, na fé da Igreja. A pastagem é o próprio Deus que, na comunhão da fé, aprendemos a conhecer através do poder do Espírito Santo.
O tema da liberdade já foi mencionado há pouco. Com a partida do filho pródigo estão vinculados precisamente os temas da vida e da liberdade. Ele deseja a vida e por isso quer ser totalmente livre. Nesta visão, ser livre significa poder fazer tudo o que desejo; não ter que aceitar qualquer critério fora e acima de mim mesmo. Seguir exclusivamente o meu desejo e a minha vontade. Quem vive assim, embater-se-á depressa com o outro que quer viver desta mesma maneira. A consequência necessária deste conceito egoísta de liberdade é a violência, a destruição recíproca da liberdade e da vida. Ao contrário, a Sagrada Escritura une o conceito de liberdade ao de progenitura. São Paulo diz: "Vós não recebestes um Espírito que vos escraviza e volta a encher-vos de medo; mas recebestes um Espírito que faz de vós filhos adoptivos. É por Ele que clamamos: Abbá, ó Pai!" (Rm 8,15).
Prescindindo do contexto sociológico daquela época, é válido sempre este princípio: a liberdade e a responsabilidade caminham juntas. A verdadeira liberdade demonstra-se na responsabilidade, num modo de agir que assume sobre si a corresponsabilidade pelo mundo, por si mesmo e pelos outros.
Pentecostes é o oposto de Babel
O Espírito Santo concede o dom da compreensão. Ultrapassa a ruptura que teve início em Babel, a confusão dos corações, que nos faz ser uns contra os outros, o Espírito abre as fronteiras. O povo de Deus que tinha encontrado no Sinai a sua primeira configuração, é agora ampliado até ao ponto de já não conhecer fronteira alguma.
Devemos sempre de novo passar de Babel, do fechamento em nós mesmos, para Pentecostes.
Com o seu sopro, com o dom do Espírito Santo, o Senhor relaciona o poder de perdoar. Ouvimos anteriormente que o Espírito Santo une, abate as fronteiras, guia uns para os outros. A força, que abre e faz superar Babel, é a força do perdão. Jesus pode conceder o perdão e o poder de perdoar, porque ele mesmo sofreu as consequências da culpa e dissolveu-as na chama do seu amor. O perdão vem da cruz; Ele transforma o mundo com o amor que nos doa. O seu coração aberto na cruz é a porta pela qual entra no mundo a graça do perdão. E unicamente esta graça pode transformar o mundo e edificar a paz.
Todos nós somos inseridos na rede da obediência à palavra de Cristo, à palavra daquele que dá a verdadeira liberdade, porque nos conduz nos espaços livres e nos horizontes amplos da verdade.
Ao doar a vida e a liberdade, o Espírito Santo oferece também a unidade. Trata-se de três dons inseparáveis entre si. Já falei demasiado; no entanto, permiti-me dizer ainda uma breve palavra sobre a unidade. Para a compreender, pode ser-nos útil uma frase que, num primeiro momento, parece contrariamente afastar-nos dela. A Nicodemos que, na sua busca da verdade, vai de noite ter com Jesus com as suas interrogações, Ele responde: "O Espírito sopra onde quer" (Jo 3, 8). Mas a vontade do Espírito não é arbítrio. É a vontade da verdade e do bem. Por isso, Ele não sopra em toda a parte, virando uma vez aqui e a outra ali; o seu sopro não nos dispersa, mas reúne-nos, porque a verdade une como o amor une.
Ele [O Espírito Santo] não nos poupa o cansaço de aprender o modo de nos relacionarmos uns com os outros; mas demonstra-nos também que age em vista do único corpo e na unidade do único corpo. É exclusiva e precisamente assim que a unidade alcança a sua força e a sua beleza. Participai na edificação do único corpo! Os pastores estarão atentos a não apagar o Espírito (cf. 1 Ts 5, 19), e vós não cessareis de oferecer as vossas dádivas à comunidade inteira. Uma vez mais: o Espírito sopra onde quer. No entanto, a sua vontade é a unidade. Ele conduz-nos rumo a Cristo, no seu Corpo. "É a partir dele [de Cristo] diz-nos São Paulo que o Corpo inteiro, bem ajustado e unido, por meio de toda a espécie de junturas que O sustentam, segundo uma força à medida de cada uma das partes, realiza o seu crescimento como Corpo, para se construir a si próprio no amor" (Ef 4, 16).
As imagens que São Lucas usa para indicar o irromper do Espírito Santo o vento e o fogo recordam o Sinai, onde Deus se tinha revelado ao povo de Israel e lhe tinha concedido a sua aliança (cf. Êx 19, 3ss). A festa do Sinai, que Israel celebrava cinquenta dias depois da Páscoa, era a festa do Pacto. Falando de línguas de fogo (cf. At 2, 3), São Lucas quer representar o Pentecostes como um novo Sinai, como a festa do novo Pacto, na qual a Aliança com Israel se alarga a todos os povos da Terra.
A Igreja é católica [completa, universal] e missionária desde a sua origem. A universalidade da salvação é significativamente evidenciada pelo elenco das numerosas etnias a que pertencem todos os que ouvem o primeiro anúncio dos Apóstolos (cf. At 2, 9-11). O Povo de Deus, que tinha encontrado no Sinai a sua primeira configuração, hoje é ampliado a ponto de não conhecer qualquer fronteira de raça, cultura, espaço ou tempo. Diferentemente do que tinha acontecido com a torre de Babel (cf. Jo 11, 1-9), quando os homens, intencionados a construir com as suas mãos um caminho para o céu, tinham acabado por destruir a sua própria capacidade de se compreenderem reciprocamente.
Afastar-se da Igreja significa rejeitar O Espírito
"Societas Spiritus", sociedade do Espírito: assim Santo Agostinho chama a Igreja num dos seus sermões (71, 19, 32: PL 38, 462). No entanto, já antes dele Santo Ireneu tinha formulado uma verdade que me apraz recordar: "Onde está a Igreja, ali está o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus, ali estão a Igreja e todas as graças, e o Espírito é a verdade; afastar-se da Igreja significa rejeitar o Espírito" e, por conseguinte, "excluir-se da vida" (Adv. Haer. III, 24, 1). A partir do evento do Pentecostes manifesta-se plenamente esta união entre o Espírito de Cristo e o seu Corpo místico, ou seja, a Igreja.
No evento do Pentecostes torna-se clarividente que à Igreja pertencem múltiplas línguas e diferentes culturas; na fé, elas podem compreender-se e fecundar-se reciprocamente. São Lucas quer claramente transmitir uma ideia fundamental, ou seja, que no próprio ato do seu nascimento a Igreja já é "católica", universal. Ela fala desde o início todas as línguas, porque o Evangelho que lhe é confiado, está destinado a todos os povos, em conformidade com a vontade e o mandato de Cristo ressuscitado (cf. Mt 28, 19). A Igreja que nasce no Pentecostes não constitui, acima de tudo, uma comunidade particular, a Igreja de Jerusalém, mas sim a Igreja universal, que fala as línguas de todos os povos. Sucessivamente, dela hão-de nascer outras comunidades em todas as regiões do mundo, Igrejas particulares que são, todas e sempre, realizações da una e única Igreja de Cristo. Por conseguinte, a Igreja católica não é uma federação de Igrejas, mas uma única realidade: a prioridade ontológica cabe à Igreja universal. Uma comunidade que, neste sentido, não fosse católica não seria nem sequer Igreja.
A este propósito, é necessário acrescentar mais um aspecto: o da visão teológica dos Atos dos Apóstolos a respeito do caminho da Igreja de Jerusalém até Roma. Entre os povos representados em Jerusalém no dia do Pentecostes, Lucas cita também os "estrangeiros de Roma" (At 2, 10). Naquele momento Roma ainda estava distante, era "estrangeira" para a Igreja nascente: ela constituía o símbolo do mundo pagão em geral. Todavia, a força do Espírito Santo guiará os passos das testemunhas, "até aos extremos confins da terra" (At 1, 8), até Roma. O livro dos Atos dos Apóstolos termina precisamente quando São Paulo, através de um desígnio providencial, chega à capital do império e aí anuncia o Evangelho (cf. At 28, 30-31). Deste modo, o caminho da Palavra de Deus, encetado em Jerusalém, alcança a sua meta, porque Roma representa o mundo inteiro e, portanto, encarna a ideia lucana da catolicidade. Realizou-se a Igreja universal, a Igreja católica, que é a continuação do povo da eleição e torna próprias a sua história e a missão.
A Igreja universal precede as Igrejas particulares, as quais devem conformar-se sempre com ela, segundo um critério de unidade e universalidade. A Igreja nunca permanece prisioneira de confins políticos, raciais ou culturais; não se pode confundir com os Estados e nem sequer com as Federações de Estados, porque a sua unidade é de outro tipo e aspira a atravessar todas as fronteiras humanas.
Cristo Ressuscitado está presente entre nós
Com o seu sopro, o Espírito Santo impele-nos rumo a Cristo. O Espírito Santo age corporalmente, e não apenas sob os pontos de vista subjetivo, "espiritual". Aos discípulos que O consideravam somente um "espírito", Cristo ressuscitado disse: "Sou Eu mesmo! Tocai-me e olhai; um simples espírito um fantasma não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho" (cf. Lc 24, 39). Isto é válido para Cristo ressuscitado, em todas as épocas da história. Cristo ressuscitado não é um fantasma, não é somente um pensamento, uma ideia. Ele permaneceu o Encarnado, [quem] ressuscitou [foi] Aquele que assumiu a nossa carne e continua sempre a edificar o seu Corpo, fazendo de nós o seu Corpo. O Espírito sopra onde quer, e a sua vontade é a unidade que se faz corpo, a unidade que encontra o mundo e o transforma.
Na narração, que descreve o acontecimento do Pentecostes, o Autor sagrado recorda que os discípulos “se encontravam todos reunidos no mesmo lugar”. Este “lugar” é o Cenáculo, a “sala no andar de cima” onde Jesus realizara a última Ceia com os seus Apóstolos, onde lhes aparecera ressuscitado; aquela sala que se tinha tornado, por assim dizer, a “sede” da Igreja nascente (cf. Act 1, 13). Todavia, mais do que insistir sobre o lugar físico, os Actos dos Apóstolos tencionam acentuar a atitude interior dos discípulos: “Todos, unidos pelo mesmo sentimento, se entregavam assiduamente à oração” (Act 1, 14). Por conseguinte, a concórdia dos discípulos é a condição para que venha o Espírito Santo; e a condição prévia da concórdia é a oração. Queridos irmãos e irmãs, isto é válido também para a Igreja de hoje, é válido para nós que estamos aqui congregados. Se quisermos que o Pentecostes não se reduza a um simples rito ou a uma comemoração até muito sugestiva, mas seja um acontecimento atual de salvação, temos que nos predispor em expectativa religiosa do dom de Deus, mediante a escuta humilde e silenciosa da sua Palavra. A fim de que o Pentecostes se renove no nosso tempo, talvez seja necessário — sem nada tirar à liberdade de Deus — que a Igreja esteja menos “angustiada” com as atividades e mais dedicada à oração. É quanto nos ensina a Mãe da Igreja, Maria Santíssima, Esposa do Espírito Santo. Este ano o Pentecostes é celebrado precisamente no último dia de Maio, em que habitualmente se comemora a festa da Visitação. Também ela foi uma espécie de pequeno “pentecostes”, que fez jorrar a alegria e o louvor dos corações de Isabel e de Maria, uma estéril e a outra virgem, e ambas se tornaram mães graças à extraordinária intervenção divina (cf. Lc 1, 41-45).
Com efeito, em Cristo habita a plenitude de Deus, que na Bíblia é comparado com o fogo. Há pouco pudemos observar que a chama do Espírito Santo arde mas não queima. E, todavia, ela realiza uma transformação, e por isso deve consumir algo no homem, as escórias que o corrompem e o impedem nas suas relações com Deus e com o próximo. Porém, este efeito do fogo divino assusta-nos, temos medo de nos "queimar", preferiríamos permanecer assim como somos. Isto depende do facto que muitas vezes a nossa vida é delineada segundo a lógica do ter, do possuir, e não do doar-se. Muitas pessoas crêem em Deus e admiram a figura de Jesus Cristo, mas quando se lhes pede que abandonem algo de si mesmas, então elas recuam, têm medo das exigências da fé. Existe o temor de ter que renunciar a algo de bonito, ao que estamos apegados; o temor de que seguir Cristo nos prive da liberdade, de certas experiências, de uma parte de nós mesmos. Por um lado, queremos permanecer com Jesus, segui-lo de perto, e por outro temos medo das consequências que isto comporta.
Caros irmãos e irmãs, temos sempre necessidade de ouvir o Senhor Jesus dizer-nos aquilo que Ele repetia aos seus amigos: "Não tenhais medo!". Como Simão Pedro e os outros, temos que deixar que a sua presença e a sua graça transformem o nosso coração, sempre sujeito às debilidades humanas. Temos que saber reconhecer que perder algo, aliás, perder-se a si mesmo pelo Deus verdadeiro, o Deus do amor e da vida, é na realidade ganhar, encontrar-se mais plenamente a si próprio. Quem se confia a Jesus experimenta já nesta vida a paz e a alegria do coração, que o mundo não pode dar, e nem sequer pode tirar, uma vez que foi Deus quem no-las concedeu. Portanto, vale a pena deixar-se tocar pelo fogo do Espírito Santo!
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