Por que o Cardeal Sarah aterroriza seus críticos


Do 'Catholic Herald' | Tradução: Felipe Marques
[As citações e referências deste artigo, a exemplo do original em inglês, encontram-se linkadas ao longo do próprio texto, numeradas entre colchetes]

UMA MULTIDÃO CRESCENTE quer a cabeça do Cardeal Robert Sarah em um prato. Abra um periódico de católicos liberais e você está suscetível a encontrar uma chamada para a destituição do Cardeal Guineense que encabeça a Congregação para o Culto Divino do Vaticano: “Passou da hora de [o Papa Francisco] substituir o Cardeal Sarah” (Maureen Fiedler, 'National Catholic Reporter'); “Novo vinho é necessário na Congregação para o Culto Divino” (Christopher Lamb, 'o Tablet'); “Os oficiais da Cúria que recusam seguir o programa de Francisco deveriam sair. Ou o Papa deveria enviá-los para outro lugar” (Robert Mickens, 'Commonweal'); “Francisco deve adotar uma posição firme. Cardeais como Robert Sarah... devem sentir, que com um papado seguindo na direção errada, manter-se firme e fazer uma obstrução é um dever. Mas isso não quer dizer que Francisco tem que tolerá-los” (Os Editores, 'o Tablet').

Sarah nem sempre foi tratado como o homem mais perigoso na Cristandade. Quando ele foi nomeado para seu posto pelo Papa Francisco em 2014, desfrutou da afeição até mesmo daqueles que o criticam hoje. Mickens o descreveu como “não ambicioso, um bom ouvinte e, apesar de ter mostrado um lado claramente conservador desde que veio para Roma... um ‘Homem do Vaticano II’”[1]. Lamb foi informado por suas fontes que Sarah era alguém com quem os liberais poderiam lidar, o tipo de Bispo que era simpático à “inculturação”[2]. John Allen resumiu o consenso em volta do Vaticano: Sarah era um Bispo discreto, “caloroso, divertido e modesto”[3].

Tudo isso mudou a partir de 6 de outubro de 2015, terceiro dia do contencioso Sínodo da Família. Os padres do Sínodo debatiam-se em demandas aparentemente concorrentes, para alcançar as pessoas que supostamente se sentem estigmatizadas pelo ensinamento sexual da Igreja e proclamar corajosamente a verdade a um mundo hostil. Naquele que ficou conhecido como o discurso “das bestas apocalípticas”, Sarah insistiu que ambas eram possíveis: “Nós não estamos combatendo contra criaturas de carne e osso”, disse ele aos seus irmãos Bispos. “Nós precisamos ser inclusivos e acolhedores com todos os que são humanos”. Mas a Igreja deve ainda proclamar a verdade em face de dois grandes desafios, acrescentou: “Por um lado, a idolatria da liberdade Ocidental; por outro lado, o fundamentalismo Islâmico: secularismo ateu versus fanatismo religioso”[4].

Quando era um jovem sacerdote, Sarah estudou na Ecole Biblique em Jerusalém e planejou a dissertação “Isaías, capítulos 9–11, à luz das linguísticas semíticas do Noroeste: ugarítico, fenício e púnico”. Então, não é surpresa que ele tenha empregado linguagem bíblica para fazer sua argumentação. Liberdade ocidental e fundamentalismo islâmico, disse ele à assembleia, eram como duas “bestas apocalípticas”. A imagem vem do Livro do Apocalipse, que descreve como duas bestas atacariam a Igreja. A primeira sai do mar com sete cabeças, dez chifres e blasfêmia em seus lábios. A segunda sai da terra fazendo grandes prodígios, e persuade o mundo a adorar a primeira.

Essa dinâmica estranha – uma ameaça monstruosa levando o homem a abraçar outra – é o que Sarah vê agindo em nosso próprio tempo. Medo da repressão religiosa induz alguns a adorarem uma liberdade idólatra (recordo a ocasião em que vi a mim mesmo como o último homem a ficar sentado quando Ayaan Hirsi Ali terminou um discurso pedindo à audiência que desse uma ovação 'à blasfêmia'!). Por outro lado, os ataques à natureza humana são, para alguns, uma tentação para abraçar – genérica e indiscriminadamente – a causa da luta contra o fundamentalismo religioso, que tem sua mais horrível expressão sob a bandeira negra do ISIS. Cada mal tenta os que o temem a sucumbir ao mal oposto, assim como foi com o comunismo e o nazismo no século 20: deveria-se resistir a ambos.


O Arcebispo Stanislaw Gadecki (foto), líder da Conferência dos Bispos Poloneses, escreveu que a intervenção de Sarah foi feita em um “nível teológico e intelectual muito alto”, mas outros pareceram perder completamente esse sentido. O Arcebispo Mark Coleridge de Brisbane criticou o uso de “linguagem apocalíptica” (alguém pergunte o que ele faz com o restante do Apocalipse de João.) “Garotos não gostam de ser lembrados do Julgamento, ” gracejou um Cardeal depois que Sarah falou.

Um proeminente Vaticanista me escreveu de Roma: “Ele entrou hoje falando sobre as duas bestas do Apocalipse. Seu estoque papal sofreu um golpe”. Padre James Martin SJ afirmou que Sarah violou o Catecismo, “que nos pede para tratar as pessoas LGBT com ‘respeito, compaixão e sensibilidade’”[5].

As vezes alguém se pergunta se, para católicos como o Padre Martin, há quaisquer palavras nas quais o ensinamento sexual da Igreja possa ser defendido – visto que eles parecem nunca empregá-las. Entretanto, a reação ao discurso de Sarah provavelmente teve mais a ver com um simples analfabetismo do que com qualquer diferença de princípio. Cardeal Wilfred Napier de Durban disse em sua ida ao Sínodo que os europeus sofrem de uma “ignorância generalizada e rejeição não só dos ensinamentos da Igreja, mas também das Escrituras”. Ele estava certo. Aqueles que não vivem segundo as Escrituras e conhecem suas figuras apenas superficialmente são mais propensos a ver a linguagem bíblica como irrelevante ou inflamatória.

Em 14 de outubro, uma semana depois do discurso de Sarah, Cardeal Walter Kasper reclamou a respeito das intervenções africanas no Sínodo. “Eu só posso falar da Alemanha, onde a grande maioria quer uma abertura a respeito do divórcio e recasamento. É o mesmo na Grã-Bretanha; é o mesmo em todos os lugares. ” Bem, não em todos os lugares: “Com a África é impossível. Mas eles não deveriam nos dizer muito o que fazer”.

A rejeição de Kasper em relação a Sarah e os outros africanos provocou um clamor imediato. Obianuju Ekeocha, uma católica nigeriana que luta contra o aborto, escreveu: “Imagine minha surpresa hoje ao ler as palavras de um dos mais proeminentes padres sinodais... Como uma mulher africana que agora vive na Europa, eu costumo ter minhas visões morais e valores ignorados ou rebaixados à uma ‘questão africana’”[6].

Cardeal Napier concordou: “É uma preocupação real ler uma expressão como ‘Teólogo do Papa’ aplicado ao Cardeal Kasper... (Hoje há uma grande preocupação com relação ao respeito humano, mas) Kasper não é muito respeitoso em relação à Igreja Africana e seus líderes”[7].

A colocação de Kasper foi como o romper de uma barragem. Desde então, uma grande onda de insultos tem sido derramada sobre Sarah. Seus críticos o descreveram como insolente, mal-educado e possivelmente criminoso – ou que pelo menos precisa de uma boa surra.

Michael Sean Winters do National Catholic Reporter lembrou Sarah de seu papel ('Cardeais da Cúria são, afinal de contas, funcionários, funcionários exaltados, mas funcionários')[8]. O padre William Grim, do 'La Croix', chamou seu trabalho de “asinino... patentemente estúpido... idiotice de capa vermelha”[9]. Andrea Grillo, um liturgista italiano liberal, escreveu: “Sarah tem mostrado, por anos, uma significativa inadequação e incompetência no campo da liturgia”[10].

No Tablet, Padre Anthony Ruff corrigiu Sarah. “Seria bom se ele estudasse as reformas mais profundamente e entendesse, por exemplo, o que ‘mistério’ significa na teologia católica”[11]. Massimo Faggioli, um vaticanista que assombra as gelaterias de Roma, inocentemente observou que o "discurso das bestas apocalípticas" de Sarah “teria sido sujeito a acusações criminais em alguns países”[12]. (Tendo ministrado por anos sob a brutal ditadura marxista de Sékou Touré, Sarah dificilmente precisa de lembretes de que a profissão aberta da crença cristã pode ser um crime).

Depois que o Papa Francisco rejeitou o chamado de Sarah para que os padres celebrassem a missa ad orientem, o desprezo por Sarah estourou em um chuveiro de golpes: “É altamente incomum para o Vaticano ter que abafar publicamente um Príncipe da Igreja, ainda que não seja de todo surpreendente dado o modo como o Cardeal Sarah tem operado...” (Christopher Lamb, Tablet)[13]; “o Papa abafou o Cardeal Sarah de modo bastante forte, com apenas um pouco de sua honra sendo poupada, ” (Anthony Ruff, 'Pray Tell')[14]; “Papa abafa Sarah” (Robert Mickens, no Twitter)[15]; “Papa Francisco... o abafou” (Mickens de novo, em Commonweal)[16]; “mais uma bofetada” (Mickens mais uma vez, poucos meses depois em 'La Croix')[17]. Somando tudo isso, temos uma grande surra.

Trocar acusações de insensibilidade provavelmente não é o melhor modo de resolver disputas doutrinais, mas a retórica dos críticos de Sarah revela algo importante sobre a vida da Igreja de hoje: em disputas doutrinais, morais e litúrgicas, os liberais católicos têm se tornado eclesiais nacionalistas. Católicos tradicionais tendem a apoiar padrões doutrinais consistentes e aproximações pastorais independentemente das fronteiras nacionais. Se eles geralmente não preferem a Missa em latim, eles querem traduções vernáculas que fiquem o mais próximo possível do latim. Eles não estão escandalizados pelo modo como os africanos falam de homossexualidade ou dos cristãos do Oriente Médio ou do islamismo.

Católicos liberais, enquanto isso, fazem campanha pela tradução vernácula escrita em estilo idiomático e aprovadas pelas conferências nacionais dos bispos, não por Roma. As realidades locais exigem que a verdade seja aparada sempre que excede um limite. Afirmações doutrinais católicas devem ser formuladas em linguagem pastoralmente sensível – sensível, isto é, à sensibilidade do Ocidente educado e rico (que quase nunca concorda com o que os outros povos realmente desejam ou precisam).

Um dos efeitos do nacionalismo eclesial é que ele permite aos liberais que evitem discutir em terrenos diretamente doutrinais, onde os “rigoristas” tradicionais tendem a ter a uma mão superior. Se a Verdade precisa ser mediada por realidades locais, nenhum homem em Roma ou Abuja terá muito a dizer a respeito da fé em Bruxelas e Stuttgart (esse era o ponto por trás da rejeição de Kasper aos africanos).

Vê-se isso em escritores como Rita Ferrone do Commonweal, que disse que em vez de atender Sarah, as pessoas que falam inglês deviam estar “confiando em nosso próprio povo e em nossa própria sabedoria no que diz respeito à oração em nossa língua nativa”[18]. O “nós” por trás do “nosso” não é global e católico, mas burguês e americano.

E se em vez de ser colocado de volta em seu lugar, abafado e trancado por violar os códigos de discurso ocidentais, Sarah se tornar papa? Isso é o que os seus críticos mais temem. Mickens escreve da possibilidade negra de um “Pio XIII (também conhecido como Robert Sarah)”[19]. Lamb diz que Sarah pode vir a ser “o primeiro Papa negro” (isso deveria ser algo bonito – os pais de Sarah, conversos na remota vila guineense de Ourous, pensavam que só homens brancos poderiam se tornar padres e riram quando seu filho disse que queria ir para o seminário). O mesmo vaticanista bem conectado que me disse que o cacife de Sarah caiu durante o sínodo agora diz que sua sorte estão melhorando: “As pessoas notaram todos os ataques, e sua graciosa recusa em respondê-los na mesma moeda”.

É de fato extraordinário que Sarah venha sofrido essa saraivada de insultos com tal graça. Em seu mais novo livro publicado, "A força do Silêncio"[20], nós ouvimos o seu choro de angústia sufocado:

Eu sofria dolorosamente o assassinato por fofoca, calúnia e humilhação pública, e eu aprendi que, quando uma pessoa decidiu te destruir, não lhe faltam palavras, rancor e hipocrisia; a falsidade tem uma capacidade imensa construir argumentos, provas e verdades de areia. Quando esse é o comportamento dos homens da Igreja, e em particular de Bispos, a dor é ainda mais profunda. Mas... nós precisamos nos manter calmos e em silêncio, pedindo a graça para nunca cedermos ao rancor, ao ódio e aos sentimentos de inutilidade. Vamos ficar firmes em nosso amor por Deus e pela Sua Igreja, com humildade.

Apesar de tudo isso, Sarah não é um homem abatido. Seu livro reitera seu chamado para a Missa ad orientem e ao restante da “reforma da reforma”: “Se Deus quiser –, quando quiser e como quiser –, a reforma da reforma terá seu lugar na liturgia. Apesar do ranger de dentes, isso acontecerá, pois, o futuro da Igreja está em jogo”.

Se Sarah se recusou a fazer a si mesmo agradável àqueles que governam Roma, ele também não está disposto a servir nenhum outro partido. Nesse livro maravilhosamente individual, ele diz velhos contos islâmicos, admira os fracos e sofredores e denuncia a intervenção militar: “Como podemos não ficar escandalizados e horrorizados com a ação dos governos americano e ocidental no Iraque, Líbia, Afeganistão e Síria?” Sarah vê estes como derramamentos idólatras de sangue “em nome da deusa Democracia” e “em nome da Liberdade, outra deusa Ocidental”. Ele se opõe ao esforço para construir “uma religião sem fronteiras e uma nova ética global”.

Se isso parece exagerado, lembre-se de que seis dias depois dos mísseis atingirem Bagdá, Tony Blair enviou um memorando a George W. Bush dizendo: “Nossa ambição é grande: construir uma agenda global em torno da qual nós poderemos unir o mundo... espalhar nossos valores de liberdade, democracia, tolerância”[21]. Sarah vê esse programa como algo próximo à blasfêmia.

Ele tem pontos de vista igualmente pungentes sobre a economia moderna: “A Igreja cometeria um erro fatal se ela se exaustasse tentando dar uma espécie de rosto social ao mundo moderno que foi desencadeado pelo capitalismo de livre mercado”..

Guerra, perseguição, exploração: todas essas forças são parte de uma “ditadura do barulho”, cujos slogans incessantes distraem os homens e desacredita a Igreja. A fim de resistir a isso, Sarah volta-se ao exemplo de Ir. Vincent, um jovem recentemente falecido que era muito querido por Sarah. Somente se amarmos e rezarmos como Vincent poderemos ouvir la musica callada, a música silenciosa que os anjos tocaram para João da Cruz. Sim, esse livro mostra que Sarah tem algo ótimo a dizer: sobre a vida mística, a Igreja e assuntos mundiais. Mas na maior parte ele se mantém em silêncio – enquanto o mundo fala sobre ele.

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Fonte:
Why Cardinal Sarah terrifies his critics, por by Matthew Schmitz, disp. em:

http://catholicherald.co.uk/issues/june-23rd-2017/why-cardinal-sarah-terrifies-his-critics/
Acesso 29/7/017
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Lançamentos católicos indicados

A EDITORA MOLOKAI está relançando duas grandes obras do bem-aventurado arcebispo Fulton Sheen, que não deveriam faltar na estante de todo fiel católico que se interessa em compreender mais profundamente as verdades fundamentais da Igreja.



Uma destas obras é o livro “A Paz da Alma” (‘Peace of soul’), que traz uma análise bastante aprofundada da Psicologia e em especial da psicanálise (vista por muitos como panaceia para todos os males da mente), e aponta um caminho seguro àqueles que buscam a paz e a plenitude num mundo dominado pela degradação moral e o predomínio das ideologias materialistas.

Aos que vivem atormentados por conflitos internos e frustrações, o livro indica o caminho de saída por meio da transferência de todas as angústias humanas para os domínios da alma; dos desejos egoístas para a vida imortal que nos aguarda na eternidade. A obra trata de remorso, culpa, morbidez, ansiedade, frustração e outros assuntos que atormentam a alma humana desde sempre. Defende, com admirável propriedade e conhecimento de causa (Sheen estudou Freud por anos), que existem muitos casos de pacientes procurando ajuda em consultórios médicos que seriam solucionados definitivamente no confessionário.



A outra obra é “O Calvário e a Missa”  (‘Calvary and the Mass’), uma verdadeira ode à Santa Missa e seus efeitos, na qual, partindo de uma profunda espiritualidade e amor incondicional a Deus, o autor propõe meditações a partir das diversas partes da Celebração em sua relação com as “Sete Palavras” de Cristo na Cruz. Com eloquência, paixão e racionalidade, conclama-nos a tomar nossa parte na Celebração Eucarística, prenúncio do Banquete da vida eterna. Um livro para apaixonados por Jesus e sua Igreja.

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[Ambos os livros têm capa, projeto gráfico e revisão de Henrique Sebastião, diretor deste apostolado e da Fraternidade São Próspero, e atual editor-chefe da editora Molokai]
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Cardeal Sturla: o direito de educar os filhos pertence aos pais


Por Bárbara Bustamante

ARCEBISPO DE MONTEVIDÉU, Uruguai, Cardeal Daniel Sturla, defendeu a liberdade de ensino no país e destacou que, “para a Igreja, a educação é um meio para a formação do homem em plenitude”.

“O que a Igreja proclama há muitos anos neste país é que apliquemos o direito dos pais de escolher a educação que querem para seus filhos”, disse o Cardeal no 21 de julho (2017) no programa ‘El aporte de la Iglesia Católica’, da Rádio Oriental.

O Arcebispo recordou que o artigo 68 da Constituição assinala que “fica garantida a liberdade de ensino” e que a intervenção do Estado só está regulamentada com o “objetivo de manter a higiene, a moralidade, a segurança e a ordem pública”.

“Todo pai ou responsável tem o direito de escolher, para o ensino de seus filhos ou pupilos, os mestres e instituições que desejam”, estabelece a lei.

Sturla sublinhou que esse direito “suporia, em um país democrático e plural, dar aos pais que têm dificuldade econômica a possibilidade de também poder escolher, do mesmo modo que fazem os pais que têm meios suficientes”.

Do mesmo modo, mencionou que a Igreja “está de acordo com o que diz a lei geral de educação”, que coloca como finalidade última “o pleno desenvolvimento físico, psíquico, ético, intelectual e social de todas as pessoas, sem discriminação alguma (...) Isso é o mesmo que a Igreja propõe quando fala em formar um homem livre, responsável, protagonista de sua história, capaz intelectualmente, comprometido com a sociedade em que vive”, sustentou.

Por último, o Cardeal recordou que “a Igreja não se dedica apenas a obras de educação formal (escolas, universidades), mas tem uma variedade de obras de educação não formal”.

“Isso é uma realidade que nos enche de alegria, porque fala de colocar no centro a criança”, sublinhou o Cardeal Sturla, que concluiu sua reflexão com um chamado a proporcionar a “colaboração público-privada” e a “colaboração sociedade civil-estado”.

Segundo informa o Arcebispo de Montevidéu, os centros de educação formal vinculados à Igreja Católica atendem ao menos 53.869 alunos, 10% da população no sistema educacional no país.

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Fonte:
ACI Digital, disp. em:
http://acidigital.com/noticias/cardeal-sturla-apliquemos-o-direito-dos-pais-de-escolher-a-educacao-para-seus-filhos-64217/
Acesso 27/7/017
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Páginas católicas excluídas do Facebook são restauradas


DEPOIS DO RECENTE bloqueio de mais de vinte páginas católicas –, em português, inglês e espanhol –, o Facebook, maior e mais influente rede social do mundo, com 2 bilhões de usuários, lamentou o “incidente” ocasionado por um “mecanismo de detecção de spam na plataforma”.

“As páginas foram restabelecidas. O incidente foi ocasionado acidentalmente por um mecanismo de detecção de spam na plataforma. Pedimos sinceras desculpas pelos inconvenientes que isso possa ter gerado”, manifestou um porta-voz do Facebook ao Grupo ACI.

Os administradores das páginas afetadas, que somavam entre centenas de milhares a 6 milhões de seguidores, não receberam explicação clara dos motivos do bloqueio, e suas apelações não foram respondidas pelo Facebook. Na noite de 18 de julho, ainda sem explicação, as páginas afetadas foram restabelecidas.

Entre as páginas bloqueadas, a intitulada “Papa Francisco Brasil“, tem quase 4 milhões de seguidores. Seu administrador, Carlos Renê, relatou que a fanpage “foi tirada do ar por volta das 22h do dia 17 de julho“: “O único aviso do Facebook foi uma mensagem no topo da página: ‘Your page has been unpublished’ (Sua página foi ‘despublicada’)...”.

Renê acrescentou que diversas outras páginas de inspiração católica “também foram desativadas sem nenhuma explicação, bem como o perfil pessoal de alguns dos seus administradores“. Foi o caso do perfil pessoal do próprio Renê, bloqueado provisoriamente e depois reativado.

Outra fanpage católica brasileira de grande alcance a sofrer bloqueio no Facebook é a “Nossa Senhora Cuida de Mim“, que ultrapassou os 3 milhões de seguidores precisamente neste mês (jul/2017). O blog de mesmo título informou que a restrição repentina “surpreendeu os editores e administradores da página Nossa Senhora Cuida de Mim”. A equipe comentou: “Logo após o cancelamento, nosso site, Instagram, Twitter, Google+, entre outras redes sociais, ficaram lotados de mensagens onde seguidores perguntavam o que poderia ter acontecido com a página que não estava no ar”.

Outras fanpages católicas aproveitaram para manifestar repúdio à censura. A página “Sou Feliz por ser Católico (a)“, por exemplo, pediu a “todos os católicos (que) não se calem e enviem mensagem ao Facebook solicitando o retorno das páginas e o respeito ao nosso direito de crença religiosa“.

O pe. Augusto Bezerra se manifestou na mesma linha: “As páginas católicas sendo excluídas é algo preocupante”. O sacerdote listou 21 páginas católicas bloqueadas ou excluídas do Facebook.

Entre outras, sofreram bloqueio as seguintes fanpages católicas:

– Papa Francisco Brasil
– Nossa Senhora Cuida de Mim
– Meu Imaculado Coração triunfará
– Clássicos da Música Católica
– Nossa Senhora
– Belezas da Igreja Católica
– Virgem Maria e Santas
– Uma oração e o coração se acalma
God (de Portugal)
My Mother Mary (dos Estados Unidos)

Apesar do pedido de desculpas, continua sendo muito estranho que páginas exclusivamente católicas tenham sido removidas, sem nenhum motivo e nenhuma explicação convincente. Alguns chegaram a levantar a hipótese de as páginas conterem material "ofensivo", mas este claramente não é o caso das páginas citadas. Que mecanismo de spam cometeria um erro como este, e por quê?

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Com informações de Aleteia e ACI Digital
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Nas mãos de Deus ou dos homens?

Bento XVI e o respeito à vida


O pequeno Charlie Gard, condenado à morte pelo poder estatal, e seus pais

Por Dr. Rudy Albino Assunção – Fraternidade São Próspero

O CASO DO MENINO britânico de quase 1 ano de vida, Charlie Gard, tem mobilizado o mundo. Não há quem não se comova com a sua imagem no hospital, deitado placidamente com os olhos fechados, como se dormisse serenamente em sua própria casa. Ele é portador de uma doença rara que lhe tirou os movimentos e a capacidade de respirar por conta própria. Tal doença foi pouco estudada, o que levou seus pais a quererem buscar tratamento nos EUA, decisão esta que encontrou oposição dos médicos que “cuidam” do menino e até mesmo do poder judicário inglês, que decidiu, contra a vontade paterna, que fossem desligados os aparelhos que sustentam a vida do pequeno Charlie.

O Papa Francisco, o presidente norte-americano Donald Trump e até mesmo o ex-primeiro ministro italiano Matteo Renzi se declararam a favor dos esforços dos pais do menino para salvar a vida dele. Vê-se que mesmo indivíduos com visões políticas claramente distintas podem concordar quando o assunto é a salvaguarda da vida. Acima de todas as discussões sobre os pormenores do caso – o liame entre eutanásia e distanásia – mais uma vez nos deparamos com a intromissão, com o intervencionismo estatal sobre a liberdade individual, a vontade paterna e, mais do que tudo, com uma flagrante visão da vida portadora de deficiência como algo de menor valor.

Li de relance numa rede social que estamos no tempo em que se requer o direito de matar a vida inocente, mas que não se dá o direito de defendê-la. Mas onde está a raiz de tudo isso? Porque assistimos a um movimento nas altas esferas políticas e jurídicas contrárias ao principío fundamental da vida? Como todo fenômeno complexo a resposta deveria aludir a muitas causas. Aqui me limito a uma delas, pois foi insistentemente acentuada por Bento XVI: a exclusão de Deus.


Sem Deus a vida corre perigo

Entre nós, católicos, é convicção básica que a vida é um dom de Deus. Ou seja, ela nos foi doada, nós a recebemos de um Outro, que é a sua Fonte e Sentido: “’Pois n’Ele nós vivemos, nos movemos e existimos’…” (At 17,28), conforme diz claramente a Sagrada Escritura. Mas em nossa sociedade, na qual a existência de Deus é cada vez mais colocada em xeque, é até lógico que a defesa da inviolabilidade ou mesmo da sacralidade da existência humana será como uma batalha ingente e contracorrente. Ainda que alguém que não creia em Deus possa defendar a vida como valor absoluto – a luta pró-vida não é confessional, menos ainda restrita ao catolicismo – dado o conhecimento que a razão pode obter da lei natural, é nítido que um processo jurídico e político de sistemática expulsão de Deus do debate público, fruto de um positivismo radical, até o ponto de uma assepsia nos códigos legais de toda referência a princípios transcendentes, elimina o garantidor máximo do respeito à vida em todas as suas etapas: Deus.


Sem Ele, sem uma Inteligência Criadora que nos pensou, que nos amou e, assim, deu-nos existência, restamos apenas como produtos acidentais do “acaso e da necessidade”. Somos meramente factíveis e manipuláveis. Por isso, é admirável uma frase de Bento XVI citada habitualmente e extraída da homilia de início do seu pontificado: nela o Papa afirmava que 

nós existimos para mostrar Deus aos homens. E, só onde se vê Deus, começa verdadeiramente a vida. Só quando encontramos em Cristo o Deus vivo, conhecemos o que é a vida. Não somos o produto casual e sem sentido da evolução. Cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário.[1]

Aí está o nosso valor fundamental.


A vida está nas mãos de Deus

Bento XVI – o autor que fundamenta as nossas reflexões nesta coluna – lembrava a Igreja, algum tempo depois, aproveitando a ocasião da Jornada pela Vida, celebrada na Itália todos os anos, e fazendo eco aos bispos italianos ao reafirmar

o dever prioritário de se ‘respeitar a vida’, porque se trata de um bem ‘indispensável’; o homem não é dono da vida, mas simples mente quem a preserva e administra. E sob a primazia de Deus nasce automaticamente esta prioridade de administrar, de preservar a vida do homem criada por Deus. Esta verdade – o homem é o guarda e o administrador da vida – constitui um ponto qualificante da lei natural, plenamente iluminado pela revelação bíblica. Ele apresenta-se hoje como ‘sinal de contradição’ em relação à mentalidade dominante.”[2]

De fato, quando excluímos o Senhor da Vida, o homem quer se tornar ele mesmo senhor da vida, querendo dispor dela – para usá-la ou descartá-la – segundo critérios ideológicos, pragmáticos, econômicos.

De fato, verificamos que, apesar de haver em sentido geral uma ampla convergência sobre o valor da vida, contudo quando se chega a este ponto, duas mentalidades opõem-se de maneira inconciliável. Para nos expressarmos em termos simplificantes, poderíamos dizer: uma das duas mentalidades considera que a vida humana esteja nas mãos do homem, a outra reconhece que ela está nas mãos de Deus. A cultura moderna enfatizou legitimamente a autonomia do homem e das realidades terrenas, desenvolvendo assim uma perspectiva querida ao Cristianismo, a da Encarnação de Deus. Mas como afirmou claramente o Concílio Vaticano II, se esta autonomia leva a pensar que ‘as coisas criadas não dependem de Deus, e que o homem as pode usar sem as relacionar com o Criador’, então dá-se origem a um desequilíbrio profundo, porque ‘a criatura sem o seu Criador perde o sentido’ (Gaudium et spes, 36). É significativo que o documento conciliar, no trecho citado, afirme que esta capacidade de reconhecer a voz e a manifestação de Deus na beleza da criação seja característica de todos os crentes, seja qual for a religião a que pertencem.

Disto podemos concluir que o respeito pleno da vida está ligado ao sentido religioso, à atitude interior com a qual o homem se coloca em relação à realidade, se se considera dono ou preservador. De resto, a palavra ‘respeito’, deriva do verbo latino respicere-guardar, e indica o modo de ver as coisas e as pessoas que conduz a reconhecer nelas a consistência, a não se apropriar delas, e a respeitá-las, ocupando-se delas. Em última análise, se as criaturas forem privadas da sua referência a Deus, como fundamento transcendente, elas correm o risco de estar à mercê do livre arbítrio do homem que pode dispor delas como vemos, fazendo delas um uso desatinado.[3]

O Papa alemão nos ensina a olhar o mundo com os olhos de Deus. A olhar a vida com a veneração, com o amor e o cuidado daqueles que se sabem agraciados com um valor e uma grandeza que nos escapam, pois vem de um Outro.

Ainda dentro de nossa temática, quero remeter à viagem que Bento XVI fez ao Brasil em 2007. Na época, durante o voo para o nosso país, ele foi questionado sobre a proposta de referendo para a legalização do aborto aqui e à despenalização do mesmo na Cidade do México. Para lá das questões acerca da excomunhão dos parlamentares envolvidos na legalização, ele recordava o empenho do seu santo predecessor, João Paulo II, neste campo, enunciando alguns princípios importantes para o debate:

Naturalmente, prosseguimos com esta mensagem de que a vida é um dom de Deus e não uma ameaça. Parece-me que, na base destas legislações haja, por um lado, um certo egoísmo, e por outro uma dúvida sobre o futuro. E a Igreja responde sobretudo a estas dúvidas: a vida é bela, não é algo duvidoso, mas é um dom e também em condições difíceis a vida permanece sempre um dom. Portanto, (é preciso) voltar a criar esta consciência da beleza do dom da vida.[4]

Nós tendemos a olhar o feio, o sujo, o grotesco, o doloroso. A Igreja mostra, como Bento XVI frisa muito bem, que mesmo na vida sofredora e limitada há beleza. O menino que sofre – ou não – num leito de hospital é imagem de Cristo, que se fez menino e sofreu perseguição desde o primeiro momento. A vida de Charlie Gard já foi salva e redimida pelo sangue daquele Menino que nasceu perseguido pelo poder do Estado e, tendo logrado crescer, morreu pelas mãos da mesma força totalitária.

Mas Jesus venceu no fim. Rogamos aos Céus que a mesma sorte recaia sobre o menino de nosso tempo que virou símbolo da luta pela vida. Pois a batalha da Igreja é que a vida seja preservada contra todo cálculo de poder, seja ele político ou econômico. Pois este admirável dom que Deus nos deu simplesmente não tem preço.

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Notas:
1. Bento XVI, Homilia na Santa Missa, Imposição do Pálio e entrega do Anel do Pescador para o Início do Ministério Petrino do Bispo de Roma, 24 de abril de 2005.

2. Id., Homilia durante a visita à Paróquia de Sant’Ana, Vaticano, 5 de fevereiro de 2006.

3. Ibid.

4. Id., Entrevista concedida aos jornalistas durante o voo para o Brasil, Viagem Apostólica ao Brasil por ocasião da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, 9 de maio de 2007.
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O tremendo e transformador poder do perdão


PERDOAR É UMA atitude e uma decisão que pode ser das mais difíceis, para milhões de pessoas. Quando alguém pede perdão a outro, está dizendo que reconhece o seu erro e a sua culpa, e que, por isso, põe-se na presença de quem foi atingido, por sentimentos, palavras e/ou atos que feriram a sua dignidade, propriedade ou sensibilidade. Pedir perdão é, também, uma forma de humilhar-se. Perdoar, por sua vez, é responder que reconhece a sinceridade no arrependimento daquele que vai ao seu encontro com a disposição de mudar de atitude.

Algo muito estranho aconteceu e vem acontecendo em nossos dias. As pessoas perderam a vergonha e o receio de pedir desculpas. Antigamente, nossos avós sentiam-se constrangidos em colocar-se diante do outro e expor-se, humilhar-se, reconhecer os próprios erros. E, à primeira vista, essa mudança de atitude pode parecer boa. Seria motivo de alegria que as pessoas tivessem se tornado menos orgulhosas e mais abertas ao próximo, mais predispostas a pedir perdão e reconhecer as próprias faltas, falhas e desvios. 

Todavia não é bem assim. O problema é que agora as pessoas pronunciam as palavras "desculpa" e "perdão" com muita facilidade, mas, muitas vezes, sem pensar no que aquelas palavras implicam, no que significa realmente aquele gesto e aquela atitude. É muito fácil para qualquer pessoa extrovertida dizer: "Desculpe", ou, como se diz hoje: "Foi mal...". Mas a questão é que essas palavras vêm sendo ditas sem reflexão, sem um real sentido de arrependimento, sem a firme e sincera disposição interior para se mudar de atitude – e não voltar a repetir o erro – a partir dali, a partir daquela decisão, assumida naquele momento. O que vem ocorrendo –, desgraçadamente –, é a banalização do gesto sagrado de se pedir perdão.

Quando alguém pede desculpas, com sinceridade, é porque se arrependeu do que fez, porque decidiu que não fará de novo a mesma coisa e reconhece a necessidade de mudança. Um pedido de desculpas sincero é um exercício de humildade; é uma bela e valiosa demonstração de grandeza de alma. É um gesto importante, sério, definitivo. Exatamente por isso é que a verdadeira adesão a Cristo e à sua Igreja chama-se "conversão". Converter é mudar radicalmente o rumo, é inverter a direção, é realizar uma mudança de 180 graus no percurso que se estava empreendendo.

O momento em que alguém pede desculpas ao seu próximo é verdadeiramente um momento solene, ainda que não haja pompa ou aparente solenidade. É uma solenidade para as almas, tanto para a que se dobra quanto para a que recebe o pedido. Dizer "desculpe por isso" ou "me perdoe por ter feito aquilo" envolve um desejo de mudança e uma disposição honesta para a mudança.

Entretanto, temos visto pedidos fúteis de perdão, seguidos da repetição da mesma falta que motivou o pedido, ás vezes pouco tempo depois. Isso demonstra que o pedido de perdão não foi sincero, não foi verdadeiro e, portanto, não foi válido. 

O mesmíssimo se dá na Confissão sacramental. Podemos voltar a cair na mesma tentação, sim, mesmo após termos confessado o pecado, mas quando temos a firme decisão de mudar, quando o arrependimento por ter ofendido a Deus é honesto e sincero, então a tendência é que aquele pecado vá se tornando cada vez menos recorrente. Se eu tenho uma tendência para o orgulho, por exemplo, e procuro o confessionário para me livrar daquela culpa específica, se a minha confissão foi mesmo válida, o resultado é que a partir dali eu vou evitar cair novamente no pecado do orgulho ou da soberba (que é um dos pecados capitais). Posso voltar a tropeçar, porque certos pecados são verdadeiros vícios, que por vezes nos dominam e cegam. Mas, se eu for honesto e estiver numa busca autêntica por cumprir a Vontade de Deus em minha vida, então eu vou cair menos naquele pecado. Certamente não voltarei a cometer o mesmo pecado no mesmo dia em que o confessei, a não ser que a minha confissão não tenha sido sincera, porque eu não estava verdadeiramente arrependido; e se não estava, então a confissão sequer foi válida. Eu nem mesmo fui perdoado por Deus, e permaneço em pecado, no caso, mortal.

Temos aqui uma questão importantíssima, fundamental: o reflexo da Confissão bem feita é a mudança de atitude e de postura, isto é, a verdadeira conversão que se nota na vida do fiel. Muitos nos perguntam se a sua Confissão foi bem feita, sobre como confessar validamente e coisas desse tipo (o que já respondemos aqui), mas não se atentam a esta simples realidade: se a sua confissão foi bem feita e válida, isto pode ser comprovado por meio do resultado prático em sua vida. Se você continua a cair nos mesmos pecados já confessados, sem progressão alguma, sem nenhum aperfeiçoamento na vida cristã, sem nenhuma diferença prática e perceptível nos seus modos, então há sério motivo para se preocupar. 

Retornando à dimensão humana, o poder do perdão é algo realmente grande, tremendo, transformador. A própria ciência humana e o estudo da mente debruçou-se sobre este tema, por exemplo na elaboração da psicanálise1, e o comprovou de muitas maneiras. O enfoque pode recair sobre as relações interpessoais e institucionais, ou numa visão meramente psicológica e mesmo biológica, ou filosófica, sociológica e política, mas o poder curativo e benéfico do perdão – para quem pede e para quem concede – é sempre constatado acima de qualquer dúvida. A sacralidade do perdão, biblicamente revelada, representa uma contribuição muito especial para a compreensão da necessidade de superação das linhas cruzadas e da eliminação das rupturas que se estabeleceram nas relações humanas, por numerosos motivos. 

Observe o leitor quanto é curioso o mundo em que vivemos: consta de uma matéria da jornalista Júlia Carvalho (revista Veja), publicada recentemente, que, segundo o professor e filósofo norte-americano Charles Griswold (Universidade de Boston), exige-se “três passos básicos para se obter o perdão. Primeiro, deve-se assumir a responsabilidade pelo erro. Segundo, é preciso repudiar claramente esse erro, mostrando que não se pretende repeti-lo. Terceiro, deve-se exprimir o arrependimento pela dor causada ao próximo”... Chega a ser engraçado para um católico. Aquilo que é considerado, hoje, uma descoberta da pesquisa científica, a Doutrina da Igreja Católica já o proclama há milênios, ao apresentar as exigências para que o fiel, ao recorrer ao Sacramento da Penitência, obtenha o perdão dos seus pecados contra Deus e contra o próximo. Com efeito, para que esse Sacramento produza seus efeitos, exigem-se as mesmíssimas atitudes elencadas pelo professor. 

A Confissão válida, que tem como resultado a reconciliação, é a que leva o penitente à mudança de vida. Exige: a contrição (reconhecimento dos pecados); a confissão propriamente dita (a revelação e exposição, perante o confessor, desses mesmo pecados); a satisfação (reparação dos pecados cometidos, não voltando o confessor a repeti-los deliberadamente). Como penitência, o confessor impõe uma pena ao penitente, correspondente, “na medida do possível, à gravidade e à natureza dos pecados cometidos" (CIC§1460). Que é a penitência? Uma espécie de resultado e prova do sincero arrependimento, que serve também para se purificar/depurar a alma.

Os grandes e poderosos benefícios do perdão, sob vários aspectos, o confirmam as vozes de quem faz a experiência. Um desses aspectos é a paz da consciência. O relacionamento entre pessoas, grupos e nações fica ameaçado quando determinados sentimentos, palavras e atitudes ferem o seu direito. Quando tal acontece, criam-se estremecimentos nos relacionamentos que, em muitos casos, rompem os vínculos saudáveis e desejáveis, por vezes mesmo aqueles de consanguinidade e/ou os mais sólidos laços de amizade. O perdão é sempre muito benéfico para as pessoas que conseguem refazer a sua história, não apenas porque eliminam e pulverizam a razão do distanciamento que se criou na convivência e no relacionamento social, mas, antes, porque dá um passo de qualidade, ao exclui-las de seu coração e de sua mente. A psicologia e a espiritualidade identificam os benefícios do perdão na vida das pessoas, já que a melhor linguagem dessa experiência é o testemunho unânime dos que conseguiram perdoar-se, mutuamente.

Para muitos, o perdão é benéfico por ser uma conquista humana; para os cristãos, além dessa dimensão, está muito clara a exigência que Jesus Cristo colocou na oração do Pai Nosso: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.

Fiel católico, não tenha medo de pedir perdão ao seu próximo. Mas que seja um pedido sincero, aberto, livre, despojado de receios, abundante em generosidade e amor-caridade.

E também não tenha medo de olhar para dentro de si, logo depois de pedir o Auxílio do Espírito Santo do Deus que é Amor, e infinito em misericórdia. Olhe para o mais fundo de si, para os mais escuros e escondidos recônditos de sua mente e de sua alma. Livre-se de todo o entulho, toda porcaria, toda imundície acumulada. Não tenha medo e não guarde nada que possa, depois, atravancar a sua vida. Jogue tudo fora! Não receie humilhar-se diante do sacerdote, contando seus piores e mais podres pecados, expondo seus mais feios sentimentos, desejos, rancores... Porque ali, naquele momento e lugar, o padre é Cristo à sua frente, pronto a ouvi-lo. E Ele já sabe e conhece – melhor do que você mesmo – tudo o que você tem para expurgar. Livre-se de todo peso e sujeira, e agradeça pela disposição do sacerdote em ajudá-lo a salvar sua alma. Cumpra sua penitência e saia da igreja de cabeça erguida, feliz de corpo e alma, reconhecendo-se como parte da infinita Vida de Deus. E assim, perdoado e limpo, não vacile em perdoar prontamente também o seu próximo, que pecou contra você e agora se arrepende. Assim você será um bom amigo de Deus!

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1. SHEEN. Fulton. A Paz da Alma, São Paulo: Molokai, 2017, p. 147ss.

Ref.:

Benefícios do perdão, por Dom Genival Saraiva de França para Universo Católico, disp. em:
http://www.universocatolico.com.br/index.php?/beneficios-do-perdao.html

Acesso 12/7/017

Vaticano reforça a necessidade de se observar os devidos cuidados para evitar abusos contra a sagrada Eucaristia


A CONGREGAÇÃO PARA O CULTO Divino e Disciplina dos Sacramentos emitiu uma circular aos bispos para recordar sobre o cuidado que se precisa a "tudo aquilo que é necessário para a celebração da Ceia do Senhor", em especial, o pão e o vinho. Confira logo abaixo a íntegra do documento assinado na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, aos 15 de junho de 2017, e divulgado há dois dias, no último sábado (8/7/017).



Carta circular aos Bispos sobre o pão e o vinho para a Eucaristia

1. A Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, por determinação do Santo Padre Francisco, dirige-se aos Bispos diocesanos (ou aqueles que pelo direito lhe são equiparados) recordar-lhes que lhes compete providenciar dignamente tudo aquilo que é necessário para a celebração da Ceia do Senhor (cf. Lc 22,8.13). Ao Bispo, primeiro dispensador dos mistérios de Deus, moderador, promotor e garante da vida litúrgica na Igreja que lhe está confiada (cf. CIC can. 835 §1) compete-lhe vigiar a qualidade do pão e do vinho destinado à Eucaristia e, por isso, também, aqueles que o fabricam. A fim de ser uma ajuda, lembramos as normas existentes e sugerem-se algumas indicações práticas.

2. Enquanto até agora, de um modo geral, algumas comunidades religiosas dedicavam-se a preparar com cuidado o pão e o vinho para a celebração da Eucaristia, hoje estes vendem-se, também, em supermercados, lojas ou mesmo pela internet. Para que não fiquem dúvidas acerca da validade desta matéria eucarística, este Dicastério sugere aos Ordinários que deem indicações a este respeito; por exemplo, garantindo a matéria eucarística mediante a concessão de certificados.

O Ordinário deve recordar aos sacerdotes, em particular aos párocos e aos reitores das igrejas, a sua responsabilidade em verificar quem é que fabrica o pão e o vinho para a celebração e a conformidade da matéria.

Compete ao Ordinário informar e advertir para o respeito absoluto das normas os produtores de vinho e do pão para a Eucaristia.

3. As normas acerca da matéria eucarística indicadas no can. 924 do CIC e nos números 319 a 323 da Institutio generalis Missalis Romani, foram já explicadas na Instrução Redemptionis Sacramentum desta Congregação (25 de Março de 2004):

a) “O pão que se utiliza no santo Sacrifício da Eucaristia deve ser ázimo, unicamente feito de trigo, confeccionado recentemente, para que não haja nenhum perigo de que se estrague por ultrapassar o prazo de validade. Por conseguinte, não pode constituir matéria válida, para a realização do Sacrifício e do Sacramento eucarístico, o pão elaborado com outras substâncias, embora sejam cereais, nem mesmo levando a mistura de uma substância diversa do trigo, em tal quantidade que, de acordo com a classificação comum, não se pode chamar pão de trigo. É um abuso grave introduzir, na fabricação do pão para a Eucaristia, outras substâncias como frutas, açúcar ou mel. Pressupõe-se que as hóstias são confeccionadas por pessoas que, não só se distinguem pela sua honestidade, mas que, além disso, sejam peritas na sua confecção e disponham dos instrumentos adequados” (n. 48).

b) “O vinho que se utiliza na celebração do santo Sacrifício eucarístico deve ser natural, do fruto da videira, puro e dentro da validade, sem mistura de substâncias estranhas… Tenha-se diligente cuidado para que o vinho destinado à Eucaristia se conserve em perfeito estado de validade e não se avinagre. Está totalmente proibido utilizar um vinho de quem se tem dúvida quanto ao seu caráter genuíno ou à sua procedência, pois a Igreja exige certeza sobre as condições necessárias para a validade dos sacramentos. Não se deve admitir sob nenhum pretexto outras bebidas de qualquer género, pois não constituem matéria válida” (n. 50).

4. A Congregação para a Doutrina da Fé, na sua Carta-circular aos Presidentes das Conferências Episcopais acerca do uso do pão com pouca quantidade de glúten e do mosto como matéria eucarística (24 de Julho de 2003, Prot. n. 89/78-17498), indicou as normas para as pessoas que, por diversos e graves motivos, não podem consumir pão normalmente confeccionado ou vinho normalmente fermentado:

a) “As hóstias completamente sem glúten são matéria inválida para a eucaristia. São matéria válida as hóstias parcialmente desprovidas de glúten, de modo que nelas esteja presente uma quantidade de glúten suficiente para obter a panificação, sem acréscimo de substâncias estranhas e sem recorrer a procedimentos tais que desnaturem o pão” (A. 1-2).

b) “Mosto, isto é, o sumo de uva, quer fresco quer conservado, de modo a interromper a fermentação mediante métodos que não lhe alterem a natureza (p. ex., o congelamento), é matéria válida para a eucaristia” (A. 3).

c) “Os Ordinários têm competência para conceder a licença de usar pão com baixo teor de glúten ou mosto como matéria da Eucaristia em favor de um fiel ou de um sacerdote. A licença pode ser outorgada habitualmente, até que dure a situação que motivou a concessão” C. 1).

5. Por outro lado, a mesma Congregação decidiu que a matéria eucarística confeccionada com organismos geneticamente modificados pode ser considerada válida (cf. Carta ao Perfeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, 9 de Dezembro de 2013, Prot. n. 89/78 – 44897).

6. Aqueles que confeccionam o pão e produzem o vinho para a celebração, devem ter a consciência de que o seu trabalho destina-se ao Sacrifício Eucarístico, e por isso, é-lhes requerido honestidade, responsabilidade e competência.

7. Para que sejam observadas as normas gerais, os Ordinários podem utilmente meter-se de acordo ao nível da Conferência Episcopal, dando indicações concretas. Considerando a complexidade de situações e circunstâncias, como é o facto da negligência pelo sagrado, adverte-se para a necessidade prática de que, por incumbência da Autoridade competente, haja quem efectivamente garanta a autenticidade da matéria eucarística da parte dos produtores como da sua conveniente distribuição e venda.

Sugere-se, por exemplo, que a Conferência Episcopal encarregue uma ou duas Congregações religiosas, ou um outro Ente com capacidade para verificar a produção, conservação e venda do pão e do vinho para a Eucaristia num determinado país ou para outros países para os quais se exporta. Recomenda-se, ainda, que o pão e o vinho destinados à Eucaristia tenham um tratamento conveniente nos lugares de venda.

Da sede da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, 15 de Junho de 2017.

Robert Card. Sarah
Prefeito

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Com o apostolado 'Sim, sou católico', por Davi Corrêa
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A regra de vida simples do Cardeal Newman


Do "The Catholic Gentleman"
– Tradução de Felipe Marques


O BEM-AVENTURADO JOHN Henry Newman foi um Cardeal da Igreja Católica e um dos mais famosos ingleses conversos à fé. Era um distinto homem de letras, um apologista erudito e um talentoso prelado, todavia era mais conhecido de todos devido à sua santidade de vida, e um resultado disso foi a sua relativamente recente beatificação (19 de setembro de 2010). 

Newman era um intelectual bem familiarizado com os Padres e Doutores da Igreja, mas, além disso, também sabia que a santidade não era uma questão de grande aprendizado e estudos acadêmicos. A santidade está ao alcance de todos – até mesmo de um camponês iletrado. 

O caminho simples – Como pode alguém ser santo? Em sua obra "Meditações e Devoções" (relançada pela editora Molokai, 2016) o santo Cardeal delineia um caminho simples para a santidade. Aqui está: 

É o dito dos homens santos que, se desejamos ser perfeitos, nós não temos nada mais que fazer além de cumprir bem os deveres ordinários do dia. Uma pequena via para a perfeição – pequena não porque seja fácil, mas porque pertinente e inteligível. Não há atalhos para a perfeição, mas há caminhos certos que nos levam a ela. Eu penso que essa é uma instrução que pode ser de grande uso prático para pessoas como nós. É fácil ter ideias vagas sobre o que é a perfeição, que nos servem para falar a respeito, quando não temos a intenção de realmente atingir a perfeição... 
Nós devemos ter em mente o que se quer dizer por perfeição. Não significa nenhum serviço extraordinário, qualquer coisa fora do caminho, ou especialmente heroica – nem todos têm a oportunidade de realizar atos heroicos, de sofrimentos – mas estamos falando sobre o que ordinariamente quer dizer a palavra perfeição. Por perfeito nós nos referimos àquilo que não tem falha, que é completo, que é consistente, que é sólido. Referimo-nos àquilo que é o oposto de imperfeito. Como nós bem sabemos o que significa imperfeição em serviço religioso, nós sabemos por contraste o significado de perfeição. Então, é perfeito aquele que faz o trabalho do dia perfeitamente, e nós não precisamos ir além disso para buscar a perfeição. Você não precisa ir além da rodada do dia. Eu insisto nisso porque eu penso que isso vai simplificar as nossas visões e alinhar nossos esforços em um objetivo definido. 

Se você me perguntar o que você deve fazer para ser perfeito, eu digo primeiro – Não fique deitado na cama depois da hora de se levantar; dê seus primeiros pensamentos para Deus; faça uma boa visita ao Santíssimo Sacramento; reze o Angelus devotamente; coma e beba para a glória de Deus; reze bem o Rosário; permaneça recolhido; mantenha os maus pensamentos afastados; faça bem sua meditação noturna; examine a si mesmo diariamente; vá para a cama em uma boa hora, e você já será perfeito.

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Fonte:

'Cardinal Newman's simple rule of life', do blog 'The Catholic Gentleman'.
Disp. em:
www.catholicgentleman.net/2017/03/cardinal-newmans-simple-rule-of-life/
Acesso 5/7/017
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Santidade diária

Do "The Catholic Gentleman" – Tradução de Felipe Marques



OS 45 MINUTOS de espera. O dedo do pé machucado. O congestionamento. O relatório solicitado por volta das três da tarde. O parente fofoqueiro. O pagamento da hipoteca. A troca da fralda. O reparo inesperado no carro. A carteira perdida. A pessoa rude na mercearia. O resfriado. 

Essas são coisas da vida ordinária. Em cada um desses momentos, nós nos deparamos com uma escolha: a Vontade de Deus ou minha vontade, santificar-se ou pecar. Nós geralmente pensamos que a santidade é o produto das circunstâncias certas. Se nós apenas tivéssemos mais tempo, nós rezaríamos. Se apenas não existissem pessoas irritantes, nós amaríamos o próximo. Somente se nada de mal jamais acontecesse, nós talvez fôssemos mais gratos e pacientes. 

Mas a santidade não é uma questão de circunstâncias perfeitas. Elas não existem! Santidade é o que fazemos com as circunstâncias imperfeitas. A vida diária nos dá um milhar de oportunidades de provar que amamos a Deus. Tristemente, nós desperdiçamos a maioria delas, vivendo a vida no "piloto-automático", reagindo por instinto e paixão, e nunca realmente escolhendo fazer das nossas vidas algo mais. 

Uma cruz para carregar é quando a Vontade de Deus e a nossa vontade se cruzam e estão em desacordo. Santidade é quando a Vontade de Deus e a nossa vontade correm paralelamente. Cada dia, a cada momento, nós encaramos a escolha: abraçar a Vontade de Deus revelada nas circunstâncias diárias, ou resistir e combater o trabalho santificador que Deus opera em nossas almas. A escolha que fazemos determina o nosso destino. 

Qual é o campo de provas para a santidade? Qual é a forja ardente que faz santos? Não é uma utopia indolor, em que tudo acontece do nosso jeito. Não é nada mais do que o conjunto das irritantes, dolorosas e frustrantes circunstâncias diárias, a vida monótona. O que você fará com elas? 

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Fonte:
'Everyday Sanctity', 'The Catholic Gentleman'. Disp. em: www.catholicgentleman.net/2015/08/everyday-sanctity
Acesso 5/7/017

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Naufrágios na história da Igreja: de São Paulo ao Catolicismo que vivemos hoje

A barca de Pedro, do Missal antigo (edição não identificada):  clique sobre a imagem para vê-la ampliada

O LECIONÁRIO PARA A MISSA pós-Vaticano II se caracteriza por uma série de interessantes detalhes. Um deles é a leitura contínua dos Atos dos Apóstolos durante as Missas feriais do Tempo Pascal. Enquanto celebra a Ressurreição ao longo de cinquenta dias, a Igreja também reflete sobre a primeira evangelização: a comunidade cristã primitiva, com o poder do Espírito Santo, espalha pelo mundo mediterrâneo a Boa Nova (do grego ευαγγέλιο: evangelion), na histórica notícia de que Jesus de Nazaré, tendo ressuscitado dentre os mortos, constituiu-se Senhor e Salvador para o perdão dos pecados.

    Essa leitura em série dos Atos dos Apóstolos termina com S. Paulo estabelecido em Roma, provavelmente no atual bairro do Trastevere, falando com a comunidade judaica romana sobre suas antigas esperanças na Aliança com Deus, que chegara à plenitude em Cristo ressuscitado.

    Há, no entanto, uma omissão dessa história cristã primitiva que é lamentável: o lecionário omite o capítulo 27 dos Atos, que conta a dramática história do naufrágio de Paulo e da sua breve estada em Malta, onde o Apóstolo é milagrosamente salvo de uma víbora venenosa e de onde ele parte, em outro navio, para Roma.

    Eis uma questão para refletirmos: inúmeros livros sobre a história da Igreja foram escritos ao longo de dois milênios, mas o único livro direta e oficialmente reconhecido como inspirado por Deus sobre a história da Igreja –, os Atos dos Apóstolos –, termina com o relato de um naufrágio. Um aparente desastre que se transforma, por obra da Divina Providência, em oportunidade para estender a missão da Igreja.

    As cenas continuam no capítulo 28 dos Atos. Paulo não está desfrutando das melhores circunstâncias em Roma: ele vive sob uma espécie de prisão domiciliar. Mesmo assim, transforma os seus aposentos em um centro de evangelização, conclamando a comunidade judaica romana a repensar sobre Jesus e a reconsiderar as críticas que eles tinham ouvido sobre a nova “seita” cristã, além de explicar como Deus, por seu Espírito Santo, tinha estendido a salvação vivificante também aos gentios. A inconveniência e a indignidade da prisão domiciliar o levam a uma intensa atividade evangélica: “E ele viveu ali durante dois anos inteiros, às próprias custas, e congratulou-se com todos quantos vieram até ele, pregando o Reino de Deus e ensinando sobre o Senhor Jesus Cristo abertamente e sem obstáculos” (At 28,30).

    Naufrágio e missão, ao que parece, se entrelaçam no que seria o "DNA" histórico da Igreja. Não se trata de sugerir que a Igreja deva deliberadamente procurar o naufrágio. Claro que não; mas é fato que grande parte dos danos infligidos ao catolicismo nas últimas décadas são ferimentos que os próprios católicos abriram contra si mesmos, e que as autoridades da Igreja têm a obrigação de sanar: os escândalos de abusos sexuais, as histórias de terror sobre a vida católica de meados do século XX na Irlanda, as formas de dissidência intelectual e adesão a ideologias esquerdistas que esvaziaram o catolicismo do patrimônio da Verdade legado pelo Cristo, o contratestemunho público dos católicos que não conseguem defender com firmeza a dignidade da pessoa humana em todas as fases da vida, a corrupção e o descaso para com a sagrada Liturgia, etc. O assalto cultural mais amplo cometido contra a Igreja, porém, é outra questão.

    Alguns podem considerar um “naufrágio” a atual agonia do catolicismo no nível cultural mundial, este mesmo nível a partir do qual a Igreja transmitiu e sustentou a fé em tantos países do Ocidente por tantos séculos, até o tempo dos nossos avós. Mas o que é que deveríamos esperar, se a cultura pública ambiental se torna tóxica, contrária a tudo o que é católico e "cristofóbica" (para usar o agudo termo recentemente enfatizado pelo jurista judeu ortodoxo Joseph Weiler)? Talvez o fim do catolicismo cultural seja uma espécie de naufrágio; afinal, o catolicismo que foi oferecido à próxima geração, sem grande esforço, é o que poderíamos dizer um tipo de catolicismo transmitido apenas "por osmose", além de o ser totalmente deformado, solapado, despedaçado, destituído talvez mesmo da sua própria essência.

    E por que não tirarmos uma lição dos últimos capítulos dos Atos dos Apóstolos e ver naquela dura realidade um convite providencial a nos tornarmos, mais uma vez, uma Igreja em missão permanente? Uma Igreja em que cada católico saiba que foi batizado para uma vocação missionária? Uma Igreja em que os católicos saibam que a qualidade do seu discipulado é medida pelo poder do seu testemunho de Cristo e da sua capacidade de convidar outras pessoas a experimentarem a amizade com o Senhor Ressuscitado?

    Mais difícil é converter pessoas a uma igreja que se encontra quase irreconhecível em tantas partes. Quantas vezes tentamos evangelizar alguém, falar para uma pessoa da verdadeira Igreja, da maravilha que é a Missa, receber os Sacramentos, integrar o Corpo do Senhor, mas... Quando aquela pessoa afinal se interessa e diz que quer conhecer, que deseja saber mais... Para onde enviar aquela pessoa? Se na paróquia mais próxima o que se celebra é quase uma paródia do que deveria ser a Missa? Se sabemos que aquele padre não está minimamente interessado em converter ninguém? Se sabemos que, se essa pessoa tomar a decisão de se confessar, e depois de um correto exame de consciência se prostrar diante de um sacerdote, hoje, corre o sério risco de ouvir dele que metade daquilo que está sendo confessado simplesmente não é mais pecado?

    O desafio é imenso. Sim. Mas naufrágio e missão parecem ser a dupla hélice que impulsiona a história da Igreja desde sempre. O desafio resume-se, então, em discernir as possibilidades para a missão que Deus sempre codifica naquilo que nos parece, à primeira vista, um naufrágio total.

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Adaptado para O FIEL CATÓLICO do texto 'O naufrágio de São Paulo e o naufrágio do nosso catolicismo', publicado no portal nosso parceiro Aleteia, disp. em:
https://pt.aleteia.org/2017/06/29/o-naufragio-de-sao-paulo-e-o-naufragio-do-nosso-catolicismo/
Acesso 3/7/017
www.ofielcatolico.com.br
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