CATEQUESE SOBRE OS PECADOS CAPITAIS: o pecado da gula


TALVEZ A PRIMEIRA coisa importante a se dizer sobre este pecado seja que, hoje em dia, ele simplesmente não é mais levado a sério. A tendência geral é levar o assunto na brincadeira: as pessoas acham “engraçadinho” ser guloso e comer demais. Segundo depoimento que nos foi dado pessoalmente pelo Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, quase ninguém mais confessa o pecado da gula. Acham que isso nem é mais pecado. 

    Há também aquela velha história de se dizer que fulano “come bem”, quando na verdade a pessoa come é muito, come demais, além do necessário para a manutenção da saúde. “Comer bem”, de verdade, é comer direito, isto é, alimentar-se com equilíbrio, de modo saudável, com moderação e inteligência. 

    O pecado capital da gula, porém, é muito perigoso e muito importante. Em última análise, trata-se de uma tentativa dos seres humanos de buscar a felicidade na comida e na bebida, e daí sobrevém o consumo excessivo. A gula também se revela no consumo de álcool e drogas ilícitas, e como todo pecado capital pode ser a porta de entrada para outros pecados. É interessante notar que o Pecado Original se deu, metaforicamente ou não, através do ato de comer: na ingestão de um fruto proibido. Adão e Eva poderiam comer qualquer fruto, de qualquer árvore do imenso Jardim do Éden, onde viviam em felicidade e santidade. Mas eles fizeram questão de ir além, não resistiram à tentação e comeram do único fruto que lhes era proibido por Deus. 

    Nossos primeiros pais achavam que, comendo daquele fruto, teriam uma recompensa maior do que toda a felicidade que eles já viviam no Paraíso, próximos a Deus. Resultado: o fruto que parecia doce e que lhes traria uma grande recompensa (‘ser como Deus’, segundo a promessa enganadora da Serpente), revelou-se muitíssimo amargo. Adão e Eva perderam o Paraíso, a eterna juventude, a plena saúde, a vida eterna.

    A história da queda do homem, no livro do Gênesis, serve como uma boa analogia para compreender a essência do pecado da gula. Ser guloso é uma maneira de procurar a realização e a plenitude humanas no físico, no corpo, nos prazeres imediatos. 


    
O prazer de apreciar uma boa refeição ou uma boa bebida no foi dado para que nos alimentemos bem e preservemos a nossa saúde. Mas esse prazer não é um fim em si mesmo. Os gulosos tem fome e sede dos prazeres que o corpo tem a oferecer. Eles querem consumir a vida, querem comer e beber esta vida, espremer tudo que o mundo tem a oferecer; querem devorar a vida, e tentam fazê-lo intermitentemente, com sofreguidão. Mas comer demais, além de prejudicar a saúde, termina por corromper a alma, que se condiciona e se torna tão apegada aos prazeres físicos que não sobra energia para mais nada. Nem para as práticas espirituais, para pensar em Deus, para se cuidar espiritualmente.

    Ser guloso é, pois, entregar-se à ilusão do querer se realizar na carne, e assim a gula se torna uma porta de entrada para outro pecado capital, o da luxúria, um vício igualmente carnal. Pela boca perdemos o autocontrole e a noção do que é justo, harmonioso, equilibrado, benéfico para a saúde do corpo e da alma. 

    No exagero do consumo das bebidas alcoólicas, por exemplo, muitos avançam para a perda da “noção do perigo” e se entregam às práticas sexuais imorais, perdendo a capacidade de discernir o que é proveitoso do que é prejudicial. Por isso, pode nos ser bastante favorável a prática da justa e equilibrada penitência, como um jejum moderado. Jejuar é como uma forma de mostrar ao seu corpo quem é que está no comando; é uma demonstração de autoridade do espírito sobre o corpo físico.

    Uma dica bastante interessante, tão simples quanto útil na luta contra o pecado da gula é manter sempre em mente que o cérebro humano demora cerca de 20 minutos para registrar que o estômago já está cheio e que você já comeu o suficiente para se sustentar[1]. Então, se você se levantar da mesa sentindo ainda “um pouquinho de fome”, pouco depois vai se sentir completamente saciado (faça essa experiência e confirme). É um hábito muito bom para a saúde e para se manter a boa forma, e melhor ainda para vencer o pecado da gula.

    Diversos estudos recentes demonstram que comer pouco, e principalmente menores quantidades a cada uma das refeições, é uma das maneiras mais eficazes para se alcançar uma vida mais longa e saudável. Um estudo de cientistas da Universidade de Kyoto, Japão, publicado na revista Nature, confirma essa tese. Segundo esse estudo, “a restrição alimentícia é a intervenção mais eficaz (...) para estender a expectativa de vida”. Esses cientistas conseguiram comprovar, ainda, que as cobaias do experimento que regularmente deixavam de comer durante longos intervalos prolongaram suas vidas em torno de 50%(!). Além disso, cobaias animais expostas a jejum a cada dois dias se mostraram mais resistentes aos processos do envelhecimento do que as outras, que puderam comer o quanto quisessem[2].

    Outro estudo recente revela que a restrição de calorias pode levar a uma vida mais longa e saudável. Os pesquisadores, ao fim e ao cabo, apenas confirmaram diversos outros estudos que já vêm ocorrendo há mais de 70 anos: um modo infalível de aumentar o tempo de vida dos animais é cortar/reduzir a sua ingestão alimentar diária em uma média de 30/40%. O procedimento protege as células contra o envelhecimento e doenças relacionadas ao avanço da idade, conforme publicado na revista científica Cell. Em entrevista à revista “Dieta Já!”, o Dr. Luís Fernando de Barros Correia, Clínico Geral e Chefe do Setor de Emergência do Hospital Samaritano do Rio de Janeiro, especializado em emagrecimento, declarou: “Se você comer apenas 80% da capacidade do seu estômago, não vai precisar de médico”[3].

    São informações bastante interessantes, sem dúvida. Mas, para nós, ainda mais importante é saber que a moderação na comida e na bebida preserva, principalmente, a alma do pecado da gula. Afinal, esta vida, ainda que seja longa, um dia passa.



______
1. Revista Bem Estar, 'Cérebro demora 20 minutos para registrar que estômago está cheio', dip. em: http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2011/07/cerebro-demora-20-minutos-para-registrar-que-estomago-esta-cheio.html
Acesso 22/2/2018

2. Portal Terra, 'Estudo: comer pouco pode prolongar a vida dos mamíferos', dip. em:
http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI3391907-EI238,00.html
Acesso 22/2/2018

3. Idem à nota 1.
www.ofielcatolico.com.br

9 comentários:

  1. Analogia PERFEITA sobre o pecado da Gula e do Maçã do Éden. Texto sublime. Realmente, o pecado da gula é quase esquecido hoje em dia e, digo isso por experiência própria, quanto mais demorar para criar uma virtude oposta a tal pecado, mais difícil será superá-lo. Fiquem com Deus sob a proteção de Maria!

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    1. A virtude contrária à gula é a temperança...

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  2. Gostei do post. Que o bom Deus nos defenda do pecado da gula

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  3. A paz de Cristo irmãos, tenho muita dificuldade em saber o quanto posso comer, quase sempre acho que pequei pela gula, como posso avaliar a quantidade de comida que posso comer ?

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    1. Caríssimo Victor, para não pecar pela gula, basicamente é preciso saber que nós comemos para viver, e não vivemos para comer.

      Ainda que o alimentar-se possa ser um ato prazeroso – e se quis Deus que assim fosse, então isso é algo bom – a medida do comer é a saciedade.

      O alimentar-se vai se tornar gula se você continuar comendo mesmo já não tendo fome, e sim apenas por vício, por compulsão, pelo prazer sensual (sensualidade não se refere apenas ao sexo, como pensam alguns, mas a todo prazer sensorial-carnal).

      Um método interessante de que ouvi falar e que, pelo que sei, funciona muito bem: se você desconfia que está pecando pela gula, à hora da refeição prepare um prato um pouco menor do que aquele que faria normalmente. E coma devagar, aproveitando bem e saboreando cada garfada. Se, ao terminar, você achar que ainda precisa de um pouco mais, espere alguns minutos antes de repetir. O cérebro humano demora um pouco para registrar que o estômago está cheio e o corpo já não precisa de mais alimento (segundo estudos, 20 minutos em média).

      Se, mesmo assim, você ainda quiser comer mais, então coma. Cada um precisa de determinada quantidade de comida, segundo uma série de condições particulares, desde o estilo de vida e de trabalho, predisposições genéticas, etc.

      Dê graças a Deus pelo alimento e não faça da comida o seu deus, e tudo irá bem.

      Nosso Senhor o abençoe e salve, e Maria Santíssima vele por sua vida

      Apostolado Fiel Católico

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  4. Boa noite, a Paz de Cristo esteja conosco!
    Pergunto-lhe, beber álcool socialmente, mesmo sem sede, de maneira moderada mas já saciado de qualquer tipo de fome ou sede seria pecado? Creio que não... Como medir o pecado da gula, então?

    Agradeço desde já a atenção.

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    1. Não, não é pecado "beber socialmente", como se diz, e a Igreja não o condena. Ora Jesus Cristo mesmo, e também os seus apóstolos, bebiam vinho. Aliás, o primeiro milagre de Cristo foi tornar água em vinho – a pedido de Nossa Senhora – em uma festa. Claro que ninguém toma vinho numa festa para matar a sede, e sim para relaxar, sociabilizar, divertir-se.

      Mais ainda, o próprio Sacramento da Salvação, pelo qual comungamos Corpo e Sangue de Nosso Senhor, tem como matéria o vinho.

      Já ouvi até de alguns ignorantes que o vinho daquela época não era alcoólico, mas isso é completamente falso: se não fosse alcoólico, as pessoas não se embriagariam com vinho, e nem o vinho poderia levar ao vício, como está relatado em diversas passagens da Bíblia, isso não é óbvio?? (deixo um link ao final para um estudo nosso que esclarece bem essa questão e eu lhe recomendo fortemente).

      O pecado, então, começa com a imoderação e a embriaguez. As Sagradas Escrituras são bastante claras a esse respeito:

      "O banquete é feito para divertir, e o vinho torna a vida alegre..."
      (Eclesiastes 10,19)

      Está claro que há algum bem no consumo moderado e consciente. Porém:

      O vinho é zombador e a bebida fermentada provoca brigas; não é sábio deixar-se dominar por eles.
      (Provérbios 20,1)

      O vinho que Jesus e os apóstolos bebiam era alcoólico? É pecado consumir bebida alcoólica?

      Fraternidade Laical São Próspero

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  5. Olá, Salve Maria! Tenho uma dúvida. Nos domingos e almoços em família é comum termos sobremesas e doces para comermos depois da refeição, e geralmente não estamos com fome quando os comemos. Comer sobremesas e doces é pecar por gula? Só não é quando os comemos para matar a fome?

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    1. No que se refere à comida, Petz, o pecado não está relacionado ao prazer de comer, mas sim à desordem e ao valor exagerado que se confere ao ato de comer. De fato, é uma dádiva divina que tenhamos a capacidade de desfrutar dos sabores agradáveis nos alimentos, do mesmo modo como é um prazer perfeitamente sadio degustar uma taça de um bom vinho. O pecado ocorre quando se abusa desse prazer, que é dom divino mas deve ser encarado como uma consequência do comer, colocando-o no centro da coisa. Em outras palavras, a gula muda a finalidade do alimento – que é um meio –, tornando-o um fim em si mesmo.

      De fato, nestes nossos tempos de fartura, pode ser difícil estabelecer quando é que já ficamos saciados e mesmo assim continuamos comendo, sem necessidade alguma, meramente por gula, isto é, para obter mais desse prazer que a comida oferece. Alguns sinais, porém, são muito claros: o jeito mais fácil de não cair no pecado da gula é lembrar-se sempre de um princípio elementar: não é lícito ao cristão comer até sentir-se empanturrado. Uma dica excelente para evitar isso, principalmente quando a comida está muito saborosa, é comer devagar, apreciando intensa e lentamente cada garfada, cada pequeno bocado, e parar quando sentir que já é suficiente, mesmo sabendo que ainda poderia comer mais um pouco.

      Eu mesmo comecei a fazer isso em razão da necessidade de perder peso, há alguns anos, e aprendi que, se paramos de comer quando achamos que ainda podemos comer um pouco mais (deixar 20% do estômago livre, que inclusive é uma técnica de regime japonesa muito eficiente) e esperarmos mais 10 minutos, veremos que já estamos saciados e que realmente não precisávamos daquele tanto a mais que comeríamos se não estivéssemos atentos.

      Fazendo assim, inclusive, sempre sobra espaço para aquela sobremesa tão gostosa (que nunca deve ser repetida) sem correr o risco de se cair no pecado da gula. Em outras palavras, se já sei que haverá essa sobremesa depois do almoço, cuido para comer um pouco menos no prato principal, reservando esse espaço para o doce. Isso não é nenhum pecado.

      Fraternidade Laical São Próspero

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