O CONCEITO DE INSPIRAÇÃO divina das Sagradas Escrituras implica na inerrância bíblica – uma expressão muito querida pelos protestantes – ou, em outras palavras, em sua infalibilidade. Sim, nós, católicos, cremos que a Bíblia é infalível por ter sido produzida sob inspiração divina. Todavia, como em tudo, devemos compreender bem o significado e a extensão dessa infalibilidade. Faz-se muita confusão nesta área, especialmente da parte daqueles que elevam o Livro Sagrado à categoria de "única regra de fé e prática".
Neste mundo e nesta realidade em que agora vivemos, todas as coisas possuem seus limites próprios: mesmo as ferramentas de que dispomos para buscar a aproximação de Deus têm suas funções bem definidas e também suas limitações. Não é diferente nem mesmo para a Bíblia.
Precisamos conviver com aqueles que enxergam na Bíblia uma espécie de manual completo para a vida em todas as suas dimensões, inclusive para as ciências naturais, para a Medicina, a História, a Arqueologia, a Astronomia, etc, etc., e que a partir daí acabam por adotar uma visão de vida e de mundo extremamente limitante, que conhecemos bem ('se está na Bíblia, existe, vale, pode; se não está na Bíblia, não existe, não vale, não pode).
Por outro lado, não poucas vezes, nos defrontamos também com pessoas que querem “provar” a todo custo que a Bíblia está cheia de erros, que é incoerente e falha, que não há harmonia entre seus vários livros, que cai diversas vezes em contradição e tem muitas passagens mitológicas. Citamos abaixo apenas alguns exemplos de ótimas perguntas sem resposta satisfatória:
* Ao abandonar seus pais, com quem Caim se casou, já que não haviam outras pessoas no mundo e, logo, não haviam mulheres filhas de Adão e Eva? (Gn 4,17);
** O Segundo Livro de Samuel, no seu cap. 24, diz que em determinado período haviam 800 mil e 500 mil soldados em Israel e Judá, respectivamente; no Primeiro livro de Crônicas, no seu cap. 21 está escrito que eram 800 mil e 500 mil, respectivamente. Qual dos dois está correto? Mais: se um está correto, o outro necessariamente está errado; isso significa que a Bíblia contém uma falha de precisão histórica?
*** Em seu capítulo 27 (vs. 9), S. Mateus atribui ao profeta Jeremias uma profecia que, no AT, é de Zacarias;
**** Judas se suicidou por enforcamento segundo S. Mateus (27,5), mas no Livro dos Atos dos Apóstolos está escrito que ele saltou em um precipício (1,18). Qual dos dois está correto? Se um está correto, o outro necessariamente está errado; a Bíblia, então, contém falhas?
Existem muitos outros exemplos semelhantes a esses, e temos verdadeiros compêndios ateus sobre imprecisões históricas e falhas de concordância entre livros da Bíblia.
Tais argumentos fazem aparecer, em oposição, pessoas que se consideram especialmente “iluminadas” e que, crendo cegamente numa literal infalibilidade da Bíblia, esforçam-se para encontrar respostas para todas essas perguntas inúteis, e acabam defendendo teses por vezes ridículas, como a de que Judas se enforcou numa árvore próxima de um abismo, tendo caído neste quando a corda se rompeu... Bem, basta um pouco de imaginação para encontrar resposta para tudo. Ou quase tudo.
Da mesma forma, Galileu Galilei em sua época teve problemas e foi perseguido por fundamentalistas por defender que a Terra girava em torno do Sol e não o contrário, como todos até então acreditavam. Ocorre que a afirmação parecia contradizer a passagem do Livro de Josué que afirma que o Sol parou no céu por ordem do líder hebreu (10,12-13).
Vemos, assim, que tais discussões são simplesmente inúteis e, antes de tudo, despropositadas. Tudo por causa de um conceito equivocado da inerrância ou infalibilidade da Bíblia. E qual é, então, o verdadeiro sentido desse conceito?
É o de que a Bíblia é um livro de fé e não um livro de ciências ou de História. As Sagradas Escrituras são, sim, infalíveis para as doutrinas da verdadeira Religião, mas não para as ciências humanas, simplesmente porque não é essa a sua função nem é essa a sua finalidade.
A linguagem da Bíblia Sagrada é espiritual, e as respostas que nos dá para as questões do espírito são assombrosamente precisas em tudo o que tange à nossa vida espiritual. Na santa Bíblia temos o cerne da Revelação divina por escrito; por isso, juntamente com a Sagrada Tradição apostólica e a condução do Magistério da Igreja, forma o tripé da nossa fé. Neste sentido, é, sim, por excelência o manual de nossa vida espiritual. Mas não é na Bíblia que devemos procurar as respostas para as questões científicas – ainda que mesmo nesse campo ela possa nos dar certas pistas.
Deus Criador e Todo-Poderoso, quando inspirou os homens que escreveram a Bíblia, quis se fazer entender pela humanidade e, para isso, comunicou as verdades da fé usando, claro, a linguagem humana. Em certos trechos, vemos claramente a influência das características idiomáticas e linguísticas simples da época, além da forte influência da cultura em que certos textos foram produzidos. Claro, os conhecimentos científicos dos tempos bíblicos eram ainda bastante limitados. Não haveria como ser diferente: se Nosso Senhor Jesus Cristo falasse, por exemplo, de super computadores, viagens espaciais, TV por fibra ótica ou tratasse de física quântica, astronomia e genética em suas parábolas, Ele seria entendido por aquele povo? Haveria como os Apóstolos pregarem usando referências a realidades desconhecidas do seu tempo? O Cristianismo existiria hoje, se não tivesse sido transmitido por meio de imagens e analogias simples e fáceis de entender?
Para nós, que cremos em Deus, não interessa uma descrição minuciosa e científica da Criação, como saber se no princípio foi realmente criado somente um único casal de cada espécie ou se a linguagem veterotestamentária sobre tais questões está baseada mais em simbologias, analogias e metáforas do que numa descrição factual dos primeiros acontecimentos. O que nos interessa mais e verdadeiramente é saber que Deus criou o Universo e tudo o que contém; interessa-nos saber que Deus nos ama, apesar de a humanidade ter pecado contra Ele (pouco importando se foi porque comemos do fruto de uma árvore, literalmente falando, ou se essa foi a analogia encontrada pelo autor sagrado, divinamente inspirado, para dizer que desobedecemos a Deus e nos colocamos contra a sua Vontade). Devemos saber, isto sim, que, por amor, Deus nos mandou seu Filho único, verdadeiro e mesmo Deus feito homem, que nos libertou do pecado e da morte e nos alcançou a salvação.
Concluímos afirmando que a Bíblia é, portanto, infalível nos assuntos de fé, como sempre foi e sempre será, mas não deve ser tomada como manual científico, da mesma forma como as ciências humanas também não devem se intrometer nos assuntos de fé, para os quais permanece incompetente.
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** Adaptado de 'A Bíblia é infalível?', do apostolado Veritatis Splendor disp em:
https://www.veritatis.com.br/a-biblia-e-infalivel/
Acesso 17/5/2018
www.ofielcatolico.com.br
Eu acredito que tudo o que Deus fez des da criação até os dias de hoje foram feitas as escondidas, mas muitas as coisas foram reveladas pelo seu filho e senhor nosso Jesus Cristo quando passou pela terra, e eu acredito que muitas coisas haverá de ser reveladas mas só aos seus eleitos na vida futura.(MT 13,34-35) Por isso que há esse ar de contradições na sagrada escrituras, agora sobre fé com certeza a Blibia é infalível
ResponderExcluirConheço pessoas que acreditam que o mundo foi literalmente criado em sete dias. Como quem acha que Deus pensava: "Muito bem, as plantas estão criadas. Agora, vou dormir e amanhã acordarei para fazer os bichos".
ResponderExcluirErrata: No Livro Sagrado das Cronicas (1 Cr 21,5) Fala em um milhão e cem mil homens, aptos para guerra em Israel e quatrocentos e setenta mil em Judá. Diferente dos números recenseados no Livro Sagrado de Samuel (2 Sm 24,9), mas, no mesmo Livro Sagrado das Cronicas no seu capitulo 27, nos versículos 23 e 24, acredito explicar por que os números não batem.
ResponderExcluirLouvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Gostei da explicação
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