Pelo Venerável Servo de Deus Fulton Sheen, Arcebispo
O SACERDÓCIO DE CRISTO foi diferente do de todos os sacerdotes pagãos e do sacerdócio levítico da família de Aarão. No Velho Testamento e nas religiões pagãs, o sacerdote e a vítima eram distintos e separados. Em Nosso Senhor, estavam inseparavelmente unidos.
Os sacerdotes judaicos ofereciam touros, bodes e cordeiros, vítimas que estavam mais distantes deles do que as roupas que vestiam. É fácil derramar o sangue de outra pessoa, como é fácil gastar o dinheiro de outrem. O animal perdia a vida, mas o sacerdote que o oferecia não perdia nada. Muitas vezes, não tinha sequer de matar a vítima. Salvo no caso das oferendas nacionais, quando eram mortas pelo sacerdote, aquele que oferecia a vítima era quem a matava (Lv 1,5). Tal disposição prefigurava o papel que o mesmo Israel mesmo mais tarde desempenharia mais tarde, como executor da Vítima Divina. Mas também se aplica a nós; num sentido mais profundo, cada pecador deve considerar-se como aquele que leva o Salvador à morte.
Os povos pagãos, sem o saber explicitamente, intuíram a verdade de que “sem derramamento de sangue, não pode haver remissão dos pecados” (Heb 9,22). Desde o início, por meio dos reis e dos sacerdotes, eles ofereceram animais e, por vezes, até seres humanos, para desviar a cólera dos deuses. Como no sacerdócio levítico, porém, a vítima era sempre separada do sacerdote. O sacrifício era vicário, o animal representava e ocupava o lugar dos seres humanos culpados, que assim procuravam expiar a própria culpa com derramamento de sangue.
Mas por que, pode-se perguntar, os pagãos, sem o auxílio da revelação, chegaram à conclusão exprimida por São Paulo, sob inspiração divina, de que “sem derramamento de sangue não havia remissão de pecados”? A resposta é que não é difícil reconhecer, para quem reflita sobre o pecado e a culpa, primeiro, que o pecado está no sangue; e segundo, que a vida está no sangue, de modo que o derramamento do sangue exprime adequadamente a verdade de que a vida humana não é digna de estar ante a face de Deus.
O pecado está no sangue. Pode ser lido no rosto do libertino, do alcoólatra, do criminoso e do assassino. O derramamento de sangue, portanto, representava o esvaziamento do pecado. A Agonia do Jardim e o suor de sangue estavam relacionados aos nossos pecados, que o Senhor tomou para Sisi, pois
Cristo jamais conheceu o pecado, e Deus O o fez pecado por nós.
(2 Cor 5,21)
Que nenhuma criatura seja digna de apresentar-se diante de Deus é algo que foi revelado ao homem muito precocemente. Adão e Eva descobriram-no, quando tentaram encobrir sua nudez com folhas de figueira, depois de pecarem.
Então, os olhos de ambos se abriram e se aperceberam da própria nudez; então, costuraram folhas de figueira e fizeram cintas.
(Gn 3,7)
As folhas de figueira, porém, não puderam cobrir sua nudez, tanto física como quanto espiritual, pois logo se secaram. O que era preciso, então? O sacrifício de um animal, o derramamento de sangue. Antes de poderem cobrir-se com a pele de animais, era preciso haver uma vítima. E quem fez as peles que cobriram suas vergonhas? Deus!
E então o Senhor forneceu a Adão e à sua mulher roupas feitas de pele, para vesti-los.
(Gn 3,21)
Esta é a primeira alusão, nas Escrituras, de que a nudez espiritual do homem fosse deveria ser coberta pelo derramamento do sangue de uma vítima. Assim que os nossos Primeiros Pais perderam a graça interior da alma, era necessária uma glória externa para pagar por ela. É bem sempre verdade que quanto mais rica for a alma, interiormente, menos necessidade ela tem de luxo exterior. O adorno excessivo e o amor desordenado dos confortos são prova de nossa nudez interior.
A Bíblia contém muitos casos que sugerem que fosse seria necessário, para a nossa salvação, um Sacrifício vicário. São típicas as narrativas da cura do leproso e da expulsão do bode expiatório no Levítico. Em ambos os casos, há uma vítima sacrificial, embora (em todos os sacrifícios anteriores à Encarnação) a vítima fosse independente do sacerdote.
O ritual relacionado com a cura do leproso prefigura claramente a nossa purificação da lepra do pecado.
São eles dois pássaros vivos. [...] Um dos pássaros dever ter seu sangue derramado sobre água corrente num pote de argila; o que permanecer vivo deve ser mergulhado (juntamente com madeira de cedro, com a escarlata e o hissopo) no sangue do pássaro morto, e com isso o sacerdote deve aspergir sete vezes o homem infectado, para efetuar a devida purificação.
(Lv 14,4-7)
O pássaro vivo era solto nos campos, para simbolizar a libertação da lepra; mas essa liberdade e soltura tinham de ser compradas com o poder purificador do sangue e da água do pássaro morto. O sacerdote oferecia um sacrifício, mas a oblação era distinta dele mesmo.
Aqui temos uma alusão à redenção vicária por meio do sangue. Nosso Senhor, ao contrário, curava a lepra do pecado sem nenhum holocausto, senão Sua sua própria vontade obediente, por meio da qual conquistamos a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
A cerimônia do bode expiatório, outro exemplo de sacerdócio e condição de vítima, é descrita no Capítulo 16 do Levítico. O sacerdote tinha de lavar-se completamente – e não apenas os pés – antes da cerimônia, predizendo que o grande Sumo Sacerdote, Cristo, seria “imaculado” (Heb 7,26); o sacerdote também tinha de vestir trajes de linho branco e ouro. Assim cComo eram usados dois pássaros na primeira cerimônia, agora eram escolhidos dois bodes, um para ser morto, outro para ser solto. O ritual que precedia a soltura parece quase uma antecipação do Hanc igitur da Missa, pois o sacerdote estende as mãos sobre o bode.
Deve pôr ambas as mãos sobre a cabeça do bode, confessando todos os pecados e transgressões e crimes cometidos por Israel, e passando para a cabeça a culpa por eles. E haverá um homem pronto para levá-lo ao deserto; assim, o bode levará consigo todos os pecados deles, para uma terra erma, longe, em meio ao deserto.
(Lv 16, 21,22)
Assim como os pecados dos israelitas eram levados pelo bode expiatório, assim também os nossos pecados não são lavados por nenhum esforço nosso, mas apenas por nossa incorporação em Cristo.
O bode expiatório era mandado para uma terra isolada ou selvagem, para nos ensinar com quanta eficácia os nossos pecados foram lançados ao esquecimento por Cristo.
Eu lhes perdoarei as iniquidades; não mais me lembrarei de seus pecados.
(Heb 8,12)
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Fonte:
SHEEN. Fulton J. O sacerdote não se pertence, São Paulo: Molokai, 2018, cap. I: 'Mais que um sacerdote'.
www.ofielcatolico.com.br
Belíssimo texto! O autor só poderia ser um sacerdote que exalava santidade.
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