Por Igor Andrade – Frat. Laical São Próspero
EM CERTAS OCASIÕES, tenho a oportunidade de ter boas conversas com alguns sacerdotes – desses que, embora sejam uma verdadeira tragédia na liturgia, são ótimos quando querem nos levar à reflexão. Durante uma dessas conversas, percebi o quão necessária é a mensagem do templo de Delfos (‘conhece-te a ti mesmo’).
Essa mensagem inscrita no alto do templo é de extrema importância para os homens – e quem estuda filosofia de verdade sabe que sua importância nunca é demais exagerada. É sobre esta mensagem que, certa vez, ouvi um sábio homem (razoavelmente conhecido entre os pró-vida católicos do Brasil) dizer algo do tipo: “O ‘conhece-te a ti mesmo’ não é uma ordem ou recomendação para termos consciência das nossas ações (de quais e quantas são elas), mas sim para termos consciência de quem somos”.
Ora, é simples e evidente perceber que um homem não é o que ele faz, mas é quem faz. Por exemplo[1], José trabalha como pedreiro; se perguntarem a ele “quem é você?” ele responderá “sou o José”, mas se perguntarem “o que faz da vida?”, ele responderá “sou pedreiro”. “Ser pedreiro” indica as ações, enquanto “José” indica o sujeito que age.
Voltando à minha conversa com o referido padre, o diálogo começou comigo em certo estado de perturbação; chamei-o de canto porque precisava conversar. O padre prontamente me atendeu e eu então iniciei minha fala subindo no alto da minha Torre de Babel e expondo uma série de conceitos agostinianos relativos à cisão da vontade (e inclusive admitindo o famoso ‘Dá-me, Senhor, a castidade, mas não hoje’).
Depois de alguns minutos dando uma aula de conceitos, citando trechos das Confissões e mostrando minha “inabalável memória filosófica”, expus o que me perturbava. O Padre Manoel Bernardes ensina que, do mesmo modo que temos um anjo da guarda que nos ajuda na nossa salvação, temos também um "demônio da guarda", que nos ajuda na nossa condenação; e lá estava ele, meu demônio, debaixo de uma pilha de conceitos, com o dedo em riste apontando meus pecados. Então o padre me disse: "Não vou entrar em questões filosóficas porque vejo que você as conhece bem, e ambos sabemos que elas não ajudam aqui, com este problema. Você precisa deixar um pouco de lado esses conceitos e se perguntar quem é o Igor".
De fato, por óbvio que seja, cada ser humano é único e particular, e, por isso, não pode ser uma união de conceitos universais. E, por isso, os conceitos e as noções são necessários para compreender os dilemas humanos, mas não são suficientes para resolvê-los.
Daí lembrei-me do funeral de Otto von Habsburg, em que, em dado momento, ocorre a belíssima cena onde o mensageiro bate na porta do convento franciscano e o frade mais velho pergunta:
– Quem é?
– Otto de Áustria, antigo príncipe herdeiro do império Austro-húngaro – seguido de um rol de 43 dos títulos nobiliárquicos do falecido.
1. Antes que perguntem “se é simples e evidente, por que precisa dar um exemplo?”, explico: ser simples e ser evidente não é sinônimo de ser de fácil assimilação, conforme Santo Tomás explica no começo do De Ente et Essentia.
– Não o conhecemos - responde o frade.
Novamente o mensageiro bate à porta.
– Quem é?
– Otto von Habsburg - e mais uma longa série de títulos civis.
– Não o conhecemos - responde o frade.
Novamente o mensageiro bate.
– Quem é?
– Um pobre pecador.
– Pode entrar.
E então consegui, finalmente, fazer a pergunta certa: “quem é o Igor”:
“quem”, e não “quantos conceitos memorizou”, ou “o quão bem escreve e fala”,
ou “o que é”. A pergunta “quem é?” busca a essência da pessoa, e não da coisa
– esta é buscada pela pergunta “o que é?”.
De que adiantam os títulos e o léxico complicado e refinado se o que realmente importa para nossa salvação são o testemunho das boas obras, a intercessão dos santos e, sobretudo, o reconhecimento da própria miséria diante de si e de Deus (cujo Sacrifício nos redime)?
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** O vídeo do funeral a que me referi pode ser assistido em:
youtube.com/watch?v=9-BBgc_uBZQ
1. Antes que perguntem “se é simples e evidente, por que precisa dar um exemplo?”, explico: ser simples e ser evidente não é sinônimo de ser de fácil assimilação, conforme Santo Tomás explica no começo do De Ente et Essentia.
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Vivi passando por isso, meu amigo. Cheio de dúvidas e questões filosóficas sobre Deus, a religião e a minha vida, e nos momentos em que estou mais angustiado, vem Deus em sua simplicidade e me faz ver que nada sou e que todas essas dúvidas ou sabedoria, nada fazem de mim um ser melhor.
ResponderExcluirComo diz o bom ditado: Menos é mais. É muito fácil cair na armadilha da soberba intelectual quando muito se sabe; entretanto, de que serve tanto conhecimento sem sabedoria?
ResponderExcluirE a sabedoria, meus amigos, é docemente simples.