Breves notas sobre o fascismo — o real, não o que seu professor inventou para atacar adversários ideológicos

Por Igor Andrade – Frater. Laical São Próspero

NAS (PRETENSAS) DISCUSSÕES sobre política que abundam nas redes sociais nos nossos dias – em boa parte das vezes empreendidas por homens e mulheres igualmente incapazes de enxergar um palmo à frente do nariz –, muito se usa um termo obscuro à grande maioria: o tal do "fascismo".

    Não explicarei a fundo o desenrolar e pormenores dessa ideologia por dois motivos: primeiro, como nenhuma ideologia presta, prefiro estudar as coisas que realmente fazem sentido; segundo, por não gostar do assunto, não dediquei o tempo e o esforço que seriam necessários para que pudesse esgotar  o tema, em todos os seus numerosos detalhes; assim, limito-me a apenas algumas breves notas sobre o que não pode ser ignorado.


O mito

Certo fazendeiro tinha um filho muito orgulhoso de si mesmo. Para ensiná-lo a ser generoso entre seus pares, esse homem mandou o filho recolher e carregar uma grande pilha de gravetos soltos, todos de uma vez. O jovem lutou, mas não havia como segurar todos: os gravetos quebravam e se espalhavam.

    O homem, então, juntou vários dos gravetos espalhados num feixe, amarrou-os juntos e apertou-os bem. Deu a mesma ordem ao filho, que então pôde carregá-los com facilidade. O pai então explicou a ele:

    Quando os homens são soberbos e não se ajudam mutuamente, qualquer inimigo, com facilidade, os  dispersará e quebrará. Porém, quando se unem num feixe, tornam-se fortes e podem fazer frente aos piores inimigos.

    Desta fábula tomei conhecimento ao estudar o idioma italiano, e, pasmem, é uma fábula usada para disseminar o fascismo na Itália...


Origem do termo

Muitos [possivelmente a esmagadora maioria] dos que usam o termo “fascismo” não fazem a mínima ideia sobre o que estão falando. Isso se prova pelo desconhecimento da simples origem do termo. O leitor já se perguntou o porquê de fascismo ser escrito com “sc”?

    Quem conhece um pouco de italiano sabe que “sc” representa o mesmo som que “ch” em português. Sabe também que “fascismo” (pronuncia-se 'faxismo') é muito semelhante a um outro termo italiano — “fascio” —, que em português pode ser traduzido como “facho” ou “feixe”, e é por isso que, na bandeira da Itália fascista, vemos uma águia com um feixe nas patas.

    Percebe-se que o fascismo tem uma origem mitológica e que pode ser bem compreendido através da fábula supracitada. Essa ideologia carrega em si (no próprio significado da palavra) a perigosa ideia de que os homens não são pessoas, mas indivíduos e que, por consequência, não velem muita coisa individualmente; que os indivíduos são todos fracos e não subsistem em si. Por conta dessa suposta “fraqueza ontológica”, todos os indivíduos deveriam se unir em torno de uma causa, num grande “indivíduo nacional” – cujo nome é Estado. Os que não quiserem ou não concordarem com isso, tornam-se apenas empecilhos, que devem ser impiedosamente eliminados.

    Para a ideologia fascista, o Estado nada mais é que o indivíduo no qual todos os homens são encerrados, diluídos, anulados. No dizer da moda, cancelados em prol de um ideal maior, que supostamente seria o melhor para todos.

    Uma ideia populista que a História já provou muitas vezes que não funciona, que sempre vai resultar em desgraça, e é muito semelhante a um mito maniqueísta (se não me falha a memória) que diz que, no fim, os homens iluminados são como pedaços de manteiga que serão derretidos num grande tacho de leite em fervura, deixando de ser indivíduos e sendo incorporados a um indivíduo maior (ou algo do tipo). Esse é só um dos motivos pelos quais o fascismo é completamente antagônico ao cristianismo.


Il "Duce"

Retomando aquela fábula, logo depois de fazer o feixe de gravetos, o pai explica ao filho que isso facilita o trabalho de levar o material para onde eles devem ir. Verdade. E quando falamos de homens ao invés de gravetos, eles se tornam mais facilmente "conduzidos" — aí é que entra a figura do "condutor", em italiano o "duce" (pronuncia-se 'dutche').

    Como é que Benito Mussolini era conhecido, mesmo?..

    O condutor, claro, nesse caso, não passa de um tirano manipulador. Mas como os indivíduos foram todos incorporados pelo Estado, não há mais a vontade pessoal do homem (ou ela continua existindo, mas passa a ser, assim que se manifeste, imediata e sumariamente suprimida pela todo-poderosa máquina estatal), nem propriedade que se considere, por direito, privada, nem liberdade individual. Essas ideias foram eternizadas na famosa frase: “Tudo pelo Estado, nada fora do Estado” — porque o fascismo, por necessidade, é estatizante. Claro, sempre há mentes pensantes que se levantam e tentam reagir, chamar os cidadãos à razão, organizar movimentos de resistência; estes são os primeiros que o fascismo trata de amordaçar, por meio da censura.

    O Duce, porém — que interessantemente! — não tem a sua personalidade encerrada no Estado, mas está do lado de fora do sistema, “conduzindo” o gado, quer dizer, a massa, que já não pode pensar nem ter ideias próprias: ele é uma espécie de "iluminado" que acha que sabe melhor do que o próprio povo aquilo que "o povo" precisa. Assemelha-se muito a um certo sindicalista sem um dedo que virou presidente do Brasil e, em 2005, ignorou a vontade popular, majoritariamente contrária ao desarmamento. É como se dissesse: “O povo não sabe o que quer” [e ele, claro, como o 'ser superior' que é, vai fazer o que é melhor para o povo...].

    Assim é que procede o Estado brasileiro há muito tempo (vê-se pela quantidade de absurda burocracia e de leis injustas que regulamentam a vida de todos).


O patriotismo

Fascismo não pode ser confundido com amor à pátria, à língua ou à cultura. Cícero ensina que o amor à pátria equivale ao amor devido aos pais — e chamar Cícero de fascista é, no mínimo, um anacronismo desonesto.

    O amor à pátria é natural do homem e deve ser fomentado, mas isso não é papel do Governo ou do Estado e sim é parte integrante da formação intelectual e cultural do homem. Claro, esse amor deve ser honesto e regido pelo bom-senso. Impedir as pessoas de incorporar em sua cultura certas características de outras culturas é cercear impropriamente as liberdades — e é isto que o fascismo faz.


Coordenadas políticas

Sendo estatizante, o fascismo é de esquerda? Sendo nacionalista, é de direita?

    Não e não. Primeiro porque a dicotomia esquerda-direita não reflete a realidade. Embora a semelhança com os regimes socialistas-comunistas seja inegável, e a esquerda tenha se apoderado do termo para acusar os seus adversários daquilo que eles mesmos fazem, fascismo é fascismo, é uma ideologia — e sendo ideologia deve ser descartado como inútil. 

    Digo-o porque ideologias não têm vínculo integral com a realidade. No site Contra os Acadêmicos há inúmeros textos explicando isso, que todos podem ler.


Resumindo

Antes de usar um termo desconhecido para tachar uma pessoa cujas ideias lhe desagradem por qualquer motivo, tenha o mínimo de humildade e procure saber as origens desse termo e o que realmente significa. Você vai perceber que o termo, muito provavelmente, serve bem mais para o seu professor, que tanto se utiliza dele, como se fosse uma arma de destruição de reputações em massa, e para você mesmo, que vai na onda dela, do que para as pessoas que você não gosta.

    Apenas tenha coragem para se libertar das amarras dicotômicas e ideológicas e pense como um ser humano livre, digno e decente.


3 comentários:

  1. Um texto totalmente equilibrado, imparcial. Muito bom pra entender o p roblema. Amei.

    LAS

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  2. Sim o texto é equilibrado estamos precisando disso, de ver a realidade sem as máscaras ideológicas e sair dessa dicotomia absurda que temos no Brasil hoje. Só Uma observação, o fascismo, por ser totalitário e exigir sempre a diminuição dos cidadãos em prol do Estado (como o próprio texto explica bem) na prática termina por se relacionar e conversar muito mais e com maior frequencia (como mostra a história) com a esquerda socialista do que com a direita liberal. Quase sempre a pecha de "fascista" se enquadra melhor para a esquerda do que para a direita - que são termos pobres e hoje já está tudo meio misturado, mas muitas vezes a gente ainda precisa usar deles p ra explicar as coisas.

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  3. Parabéns pelo texto! Gostei muito da relação que fora feita com a fábula - até então por mim desconhecida - dos gravetos. Gostei pela simplicidade da informação e principalmente, pela humildade em não se aprofundar em um tema não tão bem dominado por si mesmo (autor).

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