Sobre o cachorro do Carrefour e a desumanização nacional


Por Elício Nascimento
Colaborador da Frat. Laical S. Próspero


DE TEMPOS EM TEMPOS, que em nossa era digital duram cada vez menos [o caso em questão ocorreu há poucos dias e já cai no esquecimento], novas polêmicas surgem para nos fazer refletir sobre a sociedade e, observando-as mais a fundo, sobre a natureza humana. Das mais recentes dessas polêmicas é a que colocou, no centro do debate, a rede de supermercados Carrefour. 

A grande mídia e a internet têm divulgado de modo sensível e quase panfletário a covardia realizada por um segurança de uma unidade do grupo Carrefour, localizada em Osasco, grande São Paulo. Ele é acusado de ter espancado um cachorro até a morte e de, antes disso, ter tentado envenená-lo. O animal, segundo a denúncia postada em vídeo nas redes sociais, aparece com as patas traseiras feridas e marcas de sangue no chão da loja.

O cachorro chegou a ser socorrido pelo Centro de Controle de Zoonoses, mas não resistiu às agressões, vindo a óbito no local. Segundo a matéria veiculada no site da Revista Exame[1] o animal estava a alguns dias na unidade de Osasco do Carrefour. Chegou, inclusive, a ser alimentado por funcionários. As denúncias alegam que o segurança agrediu o animal a pauladas após ter recebido ordens superiores para "limpar" o estabelecimento por conta da visita de executivos naquele dia.

Ativistas de defesa dos animais protestaram na unidade no dia do ocorrido e, em pouco tempo, esse caso assumiu uma grande repercussão nacional que gerou enorme comoção.

Até aí, nada demais. Eu também defendo o respeito e a proteção aos animais. Contudo, manifesto aqui a minha discordância quanto à desproporção e à inversão de valores que me saltaram à (pouca) inteligência, a partir desse ocorrido.



No dia último 17 de novembro, a Sra. Antônia Conceição da Silva, de 106 anos (foto), foi morta a pauladas em Feira Nova do Maranhão, por um homem que invadiu a residência da idosa e, segundo a conclusão da investigação policial, realizou o crime porque foi reconhecido pela vítima. No fim, nada foi roubado.

Afinal, onde eu quero chegar? Talvez seja essa a pergunta do leitor. Bem, eu quero chegar à tamanha comoção pelo cachorro morto. Quero chegar aonde não chegou a comoção pela morte de uma indefesa cidadã honesta em avançada idade. Quero chegar, também, aos quase 1.700 abortos legais praticados no Brasil[2] por ano e aos anuais 850.000 abortos clandestinos[3]. Quero chegar ao número de homicídios praticados no Brasil que supera, em trinta vezes, os números de toda a Europa[4]. Eu quero chegar à humanização animal e à animalização humana.

Como assim? Sem querer generalizar, boa parte dos ativistas da causa animal também defende a descriminalização do aborto como um meio de proteção à vida das “mães”. Mas antes de pensar nas “mães” não se deveria pensar na parte mais indefesa da história, ou seja, o feto? Qual é o sentido do veganismo que abomina comer carne, por ser contra a morte dos animais, e aplaude ao direito feminista de exterminar vidas humanas intrauterinas? Qual é o sentido do humanismo que não se importa com a matança dos animais? E qual é a lógica do amor aos animais que “passa por cima” da quantidade de assassinatos que alcançam a todos, em nome da nova “modinha” cotista que só conta a morte dos indivíduos que integram o seu círculo de interesses?

Há duas formas de se enxergar a vida. Uma com e outra sem transcendência. Essas propostas visam explicar o mecanismo do mundo e o valor que pode ser dado à existência. Não há uma terceira via nessa abordagem. Onde não há nada além da matéria, toda vida se iguala. Assim, essa visão dá aos homens (pelo acaso) o mesmo valor das árvores, dos cães ou das formigas.

Mas se há transcendência no homem, há hierarquia. Imagine uma situação em que não há outra forma de sobreviver senão comendo cães e gatos – como, por exemplo, ocorre na Venezuela. Você deixaria seus familiares morrerem à míngua para proteger vidas de cães e gatos? Eu não. Em situações ordinárias, não comemos carne humana, correto? Mas alguns já comeram para não morrer. Caso não conheça, examine o caso do avião que despencou nos Andes chilenos no ano 1972. O uruguaio Roberto Canessa, um dos sobreviventes, disse em entrevista sem qualquer pudor: “Comi os meus amigos para sobreviver”[5].

Mais vale um humano morto ou um vivo? Animais são maravilhosos e, com certeza, devem ser amados. Mas entre salvar a vida de um cachorro e a de um ser humano, qual seria a sua escolha caso não fosse possível salvar as duas? Em nome da visão sem transcendência, eu salvaria à vida humana a favor da preservação da minha espécie. Em nome da transcendência eu salvaria a vida humana, por ser ela a expressão máxima de um Criador.

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Referências:
[1] BARBOSA, Vanessa. Morte de cachorro em loja do Carrefour gera onda de protestos. Disponível em: < https://exame.abril.com.br/marketing/morte-de-cachorro-a-pauladas-em-loja-do-carrefour-gera-onda-de-protestos/>Acesso: 05/12/18.


[2] FERNANDES, Marcella. Aborto no Brasil. Como os números sobre abortos legais e clandestinos contribuem no debate da descriminalização. Disponível em: Acesso: 06/12/18. 

[3] AUN, Heloísa. 8 fatos chocantes sobre o aborto no Brasil que você precisa saber. Disponível em: Acesso: 06/12/18. 

[4] SALGADO, Daniel. Atlas da Violência 2018: Brasil tem taxa de homicídio 30 vezes maior do que Europa. Disponível em: Acesso: 28/11/18.


[5] BRASIL, News. “Comi meus amigos para sobreviver”, relembra vítima de acidente aéreo. Disponível em:

Acesso: 06/12/18. 


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3 comentários:

  1. Incrível e belo texto representativo da opinião de quem tem um mínimo de reflexão sobre a vida.

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  2. Obrigado, Rodolfo. Caso tenha interesse, adicione-me como amigo no Facebook. Eu costumo divulgar os meus artigos nessa plataforma. Abraço, irmão. Essa é a minha página pessoal:https://www.facebook.com/elicio.santos.35

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  3. A paz de Cristo. Comentário de Dezembro de 2018 mas muito, muito atual. Assino embaixo tudo o que o autor escreveu. Salve Maria! Paz e Bem.

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