Pelo Bem-Aventurado Arcebispo Fulton Sheen
A VIDA MORAL E espiritual do sacerdote relaciona-se de duas maneiras com o Corpo Místico de Cristo. 1) Sua santidade ajuda a santificar os fiéis. 2) A santidade da comunidade cristã, por sua vez, ajuda a santificá-lo[1].
Na Última Ceia, Nosso Senhor deu a seus sacerdotes uma razão convincente para que fossem santos, dando-se a Si mesmo como exemplo: "Eu me consagro a Mim mesmo por eles, para que também eles sejam consagrados por meio da verdade. Não é só por eles que Eu rezo; rezo por aqueles que encontrarão a fé em Mim, mediante as palavras deles" (Jo 17,19.20).
Santificou-se Ele não só para Si mesmo, mas também por eles. Eles, por sua vez, haviam de se santificar pela Igreja, Corpo de Cristo, e por todos os crentes futuros. A espiritualidade começa por cima, não por baixo. O espelho reflete a luz do sol, mas não a cria. A santidade é uma pirâmide: como suave bálsamo derramado sobre a cabeça, que escorre pelas faces; bálsamo que escorreu pelas barbas de Aarão e chegou até a orla de sua roupa (Sl 132,2).
Deus é Santo; essa santidade vem à Terra em Cristo. Ele confere sua santidade a seus sacerdotes, com a colaboração destes; eles, na medida em que a aceitam, contribuem para santificar o povo. O povo não dá ao sacerdote os poderes especiais de santificação que ele tem: Nosso Senhor é que lhe deu esses poderes, e lhes deu para permitir que o sacerdote santificasse o povo. Do alto da montanha, onde se comunga com Deus, desce a santidade. Assim, Moisés, depois de ter com Deus, desceu de novo até o povo e o livrou da impureza (Ex 19,14).
Pelo bem da Igreja, Nosso Senhor veio ao mundo e (como diz Ele) santificou-se a Si si mesmo. Mas o que significa exatamente essa expressão? Como alguém pode consagrar-se a si mesmo? Pôde Aarão consagrar-se a si mesmo? Posso consagrar-me? Ele, porém, Cristo, pôde consagrar-se a Si si mesmo, pois é o “Sumo Sacerdote, agora, eternamente, com o sacerdócio de Melquisedec” (Heb 6,20). Pode santificar-se, por ser ao mesmo tempo Sacerdote e Vítima: "Ordenai vossas vidas na caridade, tendo como modelo essa caridade que Cristo nos mostrou quando se entregou por nós, um sacrifício em odor de suavidade, como oferenda a Deus" (Ef 5,2).
No uso bíblico, dedicar ou santificar significava pôr de parte como oferta a Deus, como sacrifício. "Separarás para o Senhor teu Deus todos os primogênitos de tuas vacas e de tuas ovelhas" (Dt 15,19). "Não há resgate do primogênito do boi, nem da ovelha; eles são separados para o SENHOR" (Nm 18,17).
Todos os sacrifícios do Velho Testamento eram "santos"/santificados (especialmente separados; postos à parte) para o SENHOR como “primogênitos” (Lc 2,7). Na Sexta-Feira Santa, a própria santificação do Cristo, como afirmou Ele na noite anterior, era a causa meritória da santificação de seus sacerdotes e de seu povo. São Paulo compreendeu isso com clareza ao dizer: "Cristo mostrou amor à Igreja quando Se se entregou por ela, purificando-a".
O 'Pai Nosso' do Sumo Sacerdote
A partir do que vimos, fica claro que Nosso Senhor se fez “sacro” ou “sacerdotal” ou “santo”[2] para o nosso bem. Para reproduzir essa santidade em nós, sacerdotes, é necessária ajuda do Céu. Na noite da Última Ceia, Jesus falou ao Pai Celeste por nós, dizendo o seu próprio Pater Noster. Antes, Ele o dissera aos Apóstolos, quando lhe perguntaram como deviam rezar "Quando rezais, deveis dizer, 'Pai nosso...' (Lc 11,2).
Nosso Senhor nunca disse “Pai Nosso” – d’Ele e de nós juntos – mas sim “Meu Pai” e “Vosso Pai”, porque Ele é Filho Natural; nós somos filhos adotivos. Sua oração sacerdotal da noite da Quinta-Feira Santa, como a oração que dera aos Apóstolos anteriormente, continha sete pedidos. O primeiro “Pai Nosso” era para todos, mas este “Pai Nosso” é só para o sacerdote. Ele resume as virtudes que distinguem o sacerdote.
1. Perseverança: “Santo Pai, guarda-os em Teu teu nome” (Jo 17,11).
2. Alegria: “Que a minha Alegria seja deles e alcance neles a plenitude” (Jo 17,13).
3. Libertação do mal: “Que os guardes do que é mau” (Jo 17,15).
4. Santidade por meio do sacrifício: “Santifica-os na Verdade” (Jo 17,17).
5. Unidade: “Para que eles sejam, todos, um só; para que também eles sejam um só em Nós, como Tu, Pai, és em Mim, e Eu em Ti” (Jo 17,21).
6. Viver constantemente na companhia de Cristo: “Pai, meu desejo é que todos aqueles que me confiaste possam estar comigo onde Eu estou” (Jo 17,24).
7. O vislumbre da Glória do Céu: “Para verem a minha Glória” (Jo 17,24).
Quantas vezes soa a nota de alegria, e glória e felicidade! E tudo é condicionado por estar “com Ele”; era este o seu propósito ao escolhê-los como seus sacerdotes. Mas, antes de oferecer essa prece, Ele nos disse que jamais estaríamos imunes à provação. A vitória, porém, é certa. Já vencemos! "No mundo, encontrareis tribulação; mas tende coragem, Eu venci o mundo!" (Jo 16,33).
O que implica a santidade
Nosso Senhor santificou-se por nós, e isso – como foi indicado – implicava sacrifício. Ele se imolou, exatamente como era imolado tudo o que se dedicava ao Senhor no Velho Testamento.
Tal pastor, tal ovelha; tal sacerdote, tal povo. A liderança do Sacerdote-Vítima gera uma Igreja santa. O que os sacerdotes são na paróquia, na diocese e na nação, assim também serão os fiéis. Assim como a multidão recebeu o pão em Cafarnaum, por intermédio dos discípulos, assim também os fiéis recebem a santificação de Cristo mediante a nossa santificação [dos padres]. Ao ver atingida essa meta, a última expressão da alma sacerdotal de Nosso Senhor foi: “Está consumado” (Jo 19,30). As dezenas de milhares de cordeiros que derramaram seu sangue como tipos já não eram necessários. O Cordeiro de Deus imolara-se a Si mesmo. Todo sacerdote deve operar um ato semelhante de autossacrifício, e então passar seus frutos a todo o povo: Fazei isso em memória de mim (conf. Lc 22,19).
A coisa que Cristo especificamente ordenou que cada sacerdote repetisse e renovasse era o símbolo sacramental de sua Morte. A vivência dessa morte é a santificação.
Mas por que deve a Cruz ser tomada todos os dias? Porque há um valor de resgate para cada alma. Algumas custam caro. Exigem grande sacrifício. Não que Cristo recuse a sua Misericórdia, mas Ele quis dispensá-la por nossas mãos. E a menos que as mãos do sacerdote estejam feridas, a misericórdia de Cristo não passa tão facilmente a elas. A mundanidade retém as bênçãos, o poder, a cura, a influência.
A Igreja não causa impressão no mundo enquanto os de fora a virem veem apenas como uma “seita” ou uma “organização” ou “uma das grandes religiões”. Nosso Senhor causou seu impacto pela Cruz (Jo 12,32). Cristo ferido redimiu; e só uma Igreja ferida pode efetivamente aplicar tal redenção. Quando a Igreja progride, onde as conversões são numerosas, lá Cristo é de novo pobre, de novo cansado das jornadas missionárias, mais uma vez vítima em seus santos sacerdotes.
Cada sacerdote mundano trava o crescimento da Igreja; cada santo sacerdote o promove. Ah, se todos os sacerdotes soubessem como sua santidade torna santa a Igreja, e como a Igreja começa a declinar quando o nível de santidade entre os sacerdotes cai abaixo do nível de santidade do povo!
Cristãos santos garantem santos sacerdotes
Cristãos santos garantem santos sacerdotes
A santidade desce à Igreja vinda de Deus Santíssimo, por meio de Cristo, seus bispos e seus sacerdotes, para a comunidade inteira, que é o Corpo Místico. Há, porém, ao mesmo tempo, um movimento ascendente de santidade que vai da comunidade cristã a Deus Santíssimo. Isso vale, sobretudo, para as vocações ao sacerdócio e à vida religiosa.
Não há sacerdote que não inste os fiéis a rezar por vocações. Mas muitas vezes as frases são formais. Diz aquilo porque tinha que dizer, porque é o que se esperava dele. Na mente de alguns padres, essas palavras são apenas parte dos avisos, lado a lado com o bingo paroquial ou a festa do final de semana para arrecadar fundos.
Essas outras atividades tem o seu valor, é claro. Elas também fomentam a vida cristã e, portanto, estimulam vocações. Mas será que podemos colocá-las na mesma categoria que a oração? Dentre as centenas de maneiras possíveis de fomentar vocações, a oração foi a única que Nosso Senhor especificou: "Abundante é a messe", disse-lhes Ele, "mas são poucos os operários; deveis pedir ao Senhor a que pertence a messe que envie operários para a ceifa" (Lc 10,2).
O que provocou tais palavras? Diz Lucas que Cristo as pronunciou quando escolhia setenta e dois discípulos (Lc 10,1). Mateus descreve com mais minúcia a situação. Foi depois de uma longa jornada, observou ele, e o Coração do Senhor estava cheio de compaixão pelas massas famintas de conhecimento do Céu, mas que não sabiam onde ir buscar aquilo de que careciam:
E olhando para aquelas multidões, compadeceu-se delas, vendo-as cansadas e quebrantadas, como ovelhas sem pastor. Disse, então, aos discípulos: 'Abundante é a messe', mas são poucos os operários; deveis pedir ao Senhor a que pertence a messe que envie operários para a ceifa.
(Mt 9, 36-38)
Não só os que já estão na Igreja, mas também os que estão fora dela o fazem ansiar por operários, para que o trigo abundante não apodreça nos campos. Sua compaixão pela multidão era dupla. Porque estavam famintos, Ele milagrosamente alimentou cinco mil. Porque suas almas sofriam, ovelhas sem pastor, Ele se compadeceu.
Há milhões de almas sem o Alimento da Eucaristia, sem a cura da Penitência, vivendo em casas construídas na areia, porque não conhecem a Rocha. Nelas o sacerdote deve ver o que Nosso Senhor via quando olhava as multidões: o perigo da perdição eterna! Eis aqui incontáveis acres maduros para a ceifa, mas como são poucos os operários para a messe!
Por outro lado, apresentar candidatos à Ordenação sem o devido discernimento é correr o risco de ser responsabilizado pelas subsequentes falhas daqueles que decepcionam o Sumo Sacerdote. O sacerdote deve, portanto, evitar os métodos do mundo ao promover vocações. É possível conquistar clientes nos negócios por meio de técnicas publicitárias, mas as vocações exigem uma abordagem diferente. Podemos nunca ser muitos, podemos nunca ser sábios aos olhos do mundo, mas tudo o que fizermos deve ser feito através da "loucura da Cruz".
"Considerai, irmãos, as circunstâncias de vossa vocação; não muitos de vós sois sábios à maneira do mundo, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. [...] nenhum ser humano tem razão de se gabar na Presença de Deus." (1 Cor 1,26.29)
Valor das orações para as vocações na família
Cada família é uma igreja dentro de uma igreja dentro da Igreja. “Saúda os irmãos de Laodiceia, e também a Ninfas, com a igreja que tem em sua casa” (Cl 4,15). O exemplo clássico das orações de uma mãe por uma vocação é Ana. Ana era estéril. “Por que lhe negara Deus a maternidade?” (1 Rs 1,5). Prometeu ela a Deus que, se Ele lhe enviasse um filho, ela o consagraria a Deus como sacerdote. Em oração, três vezes ela humildemente se chamou de serva do Senhor (1 Rs 1,11). O Magnificat remete à prece de Ana.
O ponto fulcral da história é que a vocação vem através da oração, muitas vezes de uma mãe, mesmo quando tudo parece inútil. Em uma pesquisa de um grupo de seminaristas, três de cada quatro indicaram que suas mães foram uma grande inspiração no desenvolvimento de suas vocações. Já São Paulo notara a influência da mãe e da avó no fomento da vocação de Timóteo. "Essa fé habitou em tua avó Loide e em tua mãe Eunice, antes de ti; estou convencido de que ela habita também em ti (2 Tm 1,5). Louva São Paulo a fé desse jovem sacerdote e encontra a causa instrumental num piedoso pano de fundo familiar. A terceira geração dessa família fiel é que trouxe o fruto de uma vocação.
Assim também as célebres mães de Agostinho, Crisóstomo e Basílio e, como a mãe de muitos sacerdotes hoje, sua fé sincera e autêntica produziu um legado para a Igreja. Disse certa vez Lord Shaftesbury: “Dai-me uma geração de mães cristãs, e eu mudarei a face da Terra em doze meses”.
Assim também as célebres mães de Agostinho, Crisóstomo e Basílio e, como a mãe de muitos sacerdotes hoje, sua fé sincera e autêntica produziu um legado para a Igreja. Disse certa vez Lord Shaftesbury: “Dai-me uma geração de mães cristãs, e eu mudarei a face da Terra em doze meses”.
A decadência dos lares é muitas vezes acusada pelo número escasso de vocações em nossos tempos. Embora isso seja verdade, não vos esqueçais dos lares cristãos! É muito fácil tornarmo-nos como Elias ao lamentar a corrupção de Israel.
"Vede como os filhos de Israel esqueceram a tua aliança, derrubaram teus altares e passaram teus profetas ao fio da espada! Deles, só eu permaneço, e agora também a minha vida está perdida" (3 Rs 19,14). Disse-lhe o Senhor, porém, que ele fora mais fiel do que suspeitava: "No entanto, Eu Me me reservarei sete mil homens em todo Israel; joelhos que jamais se dobraram a Baal" (1 Cr 19,18).
Há muita coisa boa, basta procurar. O que disse Pascal se aplica igualmente às vocações e às conversões: “Há só dois tipos de homens que podem ser chamados racionais – aqueles que servem a Deus de todo coração, porque o conhecem, e aqueles que o procuram de todo coração, porque não o o conhecem”. É fácil ser severo com os outros. Quando Tiago e João sugeriram a Cristo que punisse os samaritanos que não o recebessem, receberam esta réplica: "O Filho do Homem veio para salvar a vida dos homens, não para destruí-las" (Lc 9,55).
São poucos os sacerdotes cujo nível do serviço que prestam a seus rebanhos seja tal que mereça o tributo pago pelos gálatas a São Paulo, quando o descreveram “como o anjo de Deus, como Cristo Jesus” (Gl 4,14); mas a cada momento está presente, para todo sacerdote, a oportunidade de sentir a própria grandeza e a própria pequenez, o próprio poder e a própria nulidade.
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1. Jesus Cristo, sendo Deus, evidentemente é Santo em Si mesmo desde sempre. O texto se refere à missão própria assumida por Nosso Senhor, justamente a de tornar-se humano para ser nossa salvação – e também nosso modelo. O Cristo é plenamente Deus e, para a nossa salvação, fez-se plenamente homem. Como homem, também Ele submeteu-se humanamente a todas as nossas dores e fraquezas: foi tentado como todos nós e também precisou santificar a sua vida, assim como deve fazer todo ser humano que queira ganhar o Céu.
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SHEEN, John Fulton. O sacerdote não se pertence, São Paulo: Molokai, 2018, cap. 4.
1. Jesus Cristo, sendo Deus, evidentemente é Santo em Si mesmo desde sempre. O texto se refere à missão própria assumida por Nosso Senhor, justamente a de tornar-se humano para ser nossa salvação – e também nosso modelo. O Cristo é plenamente Deus e, para a nossa salvação, fez-se plenamente homem. Como homem, também Ele submeteu-se humanamente a todas as nossas dores e fraquezas: foi tentado como todos nós e também precisou santificar a sua vida, assim como deve fazer todo ser humano que queira ganhar o Céu.
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