São João Crisóstomo e a paixão mais aviltante

Pelo Revmo. Padre Françoá Costa

CONFORME FORA PEDIDO, vou publicar abaixo o terrível comentário que o santo Boca de Ouro, São João Crisóstomo (347-407), fez a Rm 1,26-27, em sua Quarta Homilia. Certamente, expor o pensamento desse grande Bispo e Padre da Igreja do século IV sobre esse assunto não visa em momento algum humilhar ninguém, mas chamar à conversão, pois a Igreja não odeia as pessoas que praticam torpezas, mas odeia a torpeza que é o pecado.
A Igreja abraça os seus filhos e as suas filhas com carinho e pede a todos aqueles que praticam tais pecados que se convertam, que se controlem, que rezem, que vivam castamente. Leiam o texto de São João Crisóstomo, que tem uma força retórica tremenda, mas, ao mesmo tempo, deixando a um lado a retórica dos antigos, prestemos atenção ao conteúdo que está por detrás dessa maneira tão pulcra e tão terrível de se expressar.

Porém antes, vamos ler o texto de São Paulo aos Romanos:

Por isso, Deus os entregou a paixões vergonhosas: as suas mulheres mudaram as relações naturais em relações contra a natureza. Do mesmo modo também os homens, deixando o uso natural da mulher, arderam em desejos uns para com os outros, cometendo homens com homens a torpeza, e recebendo em seus corpos a paga devida ao seu desvario.
(Rm 1,26-27)

Agora sim, estamos prontos para ler São João Crisóstomo:



Todas as paixões são aviltantes; principalmente, porém, a paixão entre os varões; na verdade, a alma sofre mais e cobre-se mais de vergonha pelos pecados do que o corpo com as doenças. (...) O verdadeiro prazer é segundo a natureza; mas quem abandona a Deus revoluciona tudo. Por isso não apenas a sua doutrina [de quem abandona a Deus] era satânica, mas também a vida era diabólica.

(...) [Paulo] não disse que eles amaram-se e desejaram-se mutuamente, mas: “Arderam em desejo uns para com os outros”. Vês que tudo provém de excessiva concupiscência, que não podia ser contida em seus limites?

Tudo o que excede as Leis promulgadas por Deus deseja o que é alheio, e não permanece nos limites estabelecidos. Muitos, frequentemente, abandonando o apetite dos alimentos, comem terra e pequenas pedras, e outros, por ardente sede, desejam muitas vezes a lama; assim também aqueles arderam naquele amor iníquo. Se disseres: "E de onde vem tamanho aumento da concupiscência?", é porque abandonaram a Deus. E o abandono de Deus, donde se origina? Da iniquidade dos que o abandonaram: praticando torpezas, homens com homens.

(...) De fato, parece que a questão é antiga e se tornou lei. Determinado legislador dentre os pagãos ordenara que nenhum escravo dos pagãos usasse “unção seca” ou pederastia, mas concede esta prerrogativa, ou antes esta torpeza, só aos homens livres. Entretanto, eles não consideravam torpeza tais atos, mas coisa honesta e alta demais para a condição dos escravos, permitindo-os aos livres. E isto, entre o povo sapientíssimo de Atenas, e por aquele grande entre eles, Sólon.

Encontram-se também muitos outros livros dos filósofos cheios desta doença. Todavia, não dizemos que era coisa estabelecida, mas eram miseráveis e dignos de copiosas lágrimas os que aceitavam esta lei. Eles sofrem o mesmo que as meretrizes; ou antes, são muito mais infelizes. Pois sua união, embora ilegítima, é segundo a natureza; esta, contudo é ilegítima e contra a natureza. (...) Se Paulo, ao falar da fornicação, dizia: “Todo outro pecado que o homem cometa é exterior ao seu corpo; aquele, porém, que se entrega à fornicação, peca contra o próprio corpo” (1 Cor 6,18), o que diremos desta loucura, de tal modo pior que a fornicação que é impossível explicar.

Não digo somente que te tornaste mulher, mas que deixaste de ser homem, sem transformar a natureza nem conservar a que tiveste; mas és traidor de ambas e digno de seres repelido e apedrejado por homens e mulheres, porque injuriaste a ambos os sexos.

(...) Nada mais inútil, porém, do que o homem que se tornou meretriz; e não só a alma, mas também o corpo do homem sofreu, cheio de ignomínia, digno de ser inteiramente despojado. Quantas geenas lhe serão suficientes? Se, ao ouvires falar de geena, ris, incrédulo, lembra-te daquele fogo que consumiu os sodomitas. (...) De fato, era estupenda aquela chuva [de fogo em Sodoma], porque aquelas uniões eram contra a natureza; e inundou a terra porque a concupiscência inundara aquelas almas.

(...) O que há de mais execrável e infame do que um homem que se torna meretriz! Ó furor! Ó espanto! Como grassou esta concupiscência, que invadiu a natureza humana como um inimigo na guerra; ou, antes, tanto mais molesta quanto a alma é melhor do que o corpo.

Ó vós, mais irracionais do que os irracionais, e mais impudentes do que os cães! Nunca houve entre eles tais cópulas, mas a natureza conhece os próprios limites; vós, contudo, tornastes ignóbil vosso gênero por tal injúria. De onde se originaram tais males? Da volúpia, de não conhecerdes a Deus. Quando se rejeita o temor de Deus, todos os bens desaparecem.

[João Crisóstomo, Ad Rm 1,26-27; in "Patrística" (27/1), São Paulo: Paulus, 2010, p. 77-83]


*  *  *

Mas alguém poderia dizer: "isso também existe dentro dos muros da Igreja Católica". Sim. Mas o fato de existir não significa que está correto. O pecado deve ser extirpado, pois a nossa meta é o Céu. Vejam, Maria Madalena foi [tradicionalmente considerada] uma mulher de má vida, uma meretriz, mas ela se converteu e hoje, 22 de julho, é celebrada festivamente como Santa Maria Madalena.

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