Os milagres de Cristo realmente aconteceram ou suas narrativas não passam de simbolismos, alegorias e/ou parábolas?


ALGUNS TEÓLOGOS têm repercutido em nossos tempos a esdrúxula ideia de que os milagres de Jesus não  aconteceram realmente. Pior, agora não é difícil encontrar padres e mesmo bispos que desgraçadamente fazem ecoar em suas homilias essas ideias. Ouvimos dizer, por exemplo, que a multiplicação dos pães e peixes foi na realidade uma manifestação da solidariedade do povo reunido, que aprendeu a compartilhar o que tinha, ou que Jesus não andou sobre as águas, apenas num trecho mais raso do rio e os Apóstolos ficaram impressionados... Para essa mentalidade meio ateísta, os milagres descritos no Novo Testamento não passariam de uma bonita simbologia... e nada mais.

    De onde surgiu essa linha de pensamento? Como foi que conseguiu conquistar adeptos entre os próprios sacerdotes, que deveriam ser os primeiros a crer em Jesus como Deus e, portanto capaz de realizar milagres? Será que as narrativas contidas nos Evangelhos ainda são válidas para os dias de hoje? Ou representam apenas um conjunto de fábulas que encantavam os antigos mas que precisam ser agora radicalmente reinterpretadas por nós, que vivemos na era do computador e das mais avançadas tecnologias?

    Para entender esse pensamento, de onde surgiu e como tomou conta de tantas mentes no interior da própria Igreja, é necessário fazer uma breve retrospectiva. Rudolf Bultmann, influente teólogo protestante nascido na Alemanha na primeira metade do século XX, foi bastante influente no período pós-segunda guerra mundial. O próprio Bultmann, por sua vez, foi fortemente influenciado pela filosofia existencialista do também alemão Martin Heidegger. O pressuposto da filosofia existencialista é o empirismo, segundo o qual só é real o que se pode comprovar por meio da experiência sensível, localizando-se no terreno da metafísica ou da simples mitologia tudo o que não se enquadre nesta regra.

    Nesse viés, Bultmann deduziu que os Evangelhos estariam permeados pela mentalidade mitológica da sua época, de um povo culturalmente atrasado que acreditava em milagres e em seres invisíveis. Assim, segundo ele, os primeiros cristãos teriam interpretado o “Jesus histórico” a partir da sua visão irreal de mundo – uma visão fantasiosa e romântica – o que confirmou muito claramente em sua célebre frase: “É impossível usar a luz elétrica e o rádio ou, quando doente, recorrer ao auxílio da medicina e das descobertas científicas e, ao mesmo tempo, acreditar no mundo de espíritos e milagres apresentados no Novo Testamento”.

    Assim, diz Bultmann que, assim como os primeiros cristãos interpretaram o “Jesus histórico” a partir da sua hermenêutica, essa mesma atitude deveria ser tomada hoje, ou seja, para ele, Jesus deve ser interpretado a partir de uma visão existencialista. Após a morte de Bultmann, a visão existencialista de Jesus que ele propôs deu lugar à hermêutica marxista, principalmente nos países da América Latina e pontualmente em alguns países da Europa. Também na linha marxista os milagres de Jesus não podem ser tomados como verdadeiros. Pior, esperando por milagres, estaria o povo de Deus deixando de lutar pela revolução que construiria o Reino do Céu aqui na Terra, perdendo tempo com o espiritual e o transcendente.

    Para nós, católicos, Jesus, o Cristo, não é uma ficção, uma invenção que se parece com massa de modelar, da qual cada um faz o que bem quiser, segundo a sua interpretação particular. Para nós, Jesus é Deus que se fez homem. Este é também, claramente, o centro do Evangelho. Deus Todo-Poderoso se fez homem de maneira extraordinária. Veio no ventre de uma Virgem, sem interferência humana, salvar-nos de nossa miséria, Milagre dos milagres.

    Não acreditar em milagres é a característica de alguém que certamente não é cristão. E nós respeitamos e sabemos conviver bem com as pessoas que não têm a mesma fé que nós temos, mas não admitimos a desonestidade de quem diz que é cristão, por um lado, e por outro renegar a existência dos milagres de Deus. Quem age assim não é apenas culpado de uma pequena heresia, mas sim de apostasia, o que é muito mais grave, conforme esclarece bem o O Código de Direito Canônico que rege a Tradição da Igreja, da seguinte maneira:

Chama-se heresia a negação pertinaz (proposital e persistente), após a recepção do Batismo, de qualquer verdade que se deva crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela; chama-se apostasia o repúdio total da fé cristã; chama-se cisma a recusa de sujeito ao Sumo Pontífice ou de comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos.
(CDC, cân. 751)

    Bultman, então, não pode ser considerado cristão, na medida em que não crê no milagre da Encarnação de Jesus; é, portanto, um apóstata da fé. Cremos que Deus veio em Jesus Cristo, de maneira extraordinária e misteriosa. Assim, não é possível dizer que Deus não intervém na história com milagres. Outro bom exemplo é o do padre espanhol Torres Queiruga, que afirma que Deus, ao criar o mundo, criou também as suas leis e, por isso, seria incoerência da parte de Deus ter criado estas leis para depois quebrá-las(!). Assim, conclui ele, não haveria milagres, pois Deus não poderia quebrar as leis que Ele mesmo criou. Ora, se é assim e Deus não pudesse fazer algo que estivesse fora das suas leis, não poderia também ter-se encarnado e ressuscitado e, assim, seria vã a nossa fé (1Cor 15,2).

    Não é de se estranhar, portanto, que em seu livro “Repensar a ressurreição”, o Padre Torres Queiruga afirme que não perderia a fé caso encontrasse o cadáver de Jesus. Para ele, a ressurreição é uma quimera, uma fantasia, um símbolo, mas não uma realidade ocorrida neste mundo.

    Verdadeiros fiéis católicos, entretanto, continuamos crendo que o Túmulo estava de fato vazio, como os discípulos creram. Deus não está sujeito às leis que criou. Ele está acima e fora de qualquer lei da natureza, porque é onipotente e soberano. Sobre os milagres de Jesus no Novo Testamento, deve-se considerar que essencialmente contém fundamento histórico. Pode ser que, para transmitir o fato junto com o significado, os evangelistas tenham usado de adaptações e recursos de linguagem em suas narrativas, para que não fossem apenas a descrição crua de uma série de acontecimentos, mas sinal que leva à fé. Então, é possível que ao narrarem os milagres do Novo Testamento, os evangelistas tenham usado de adaptações para tornar claro aos leitores que aquelas intervenções divinas –, que realmente aconteceram historicamente –, possuíam significados para além dos simples gestos e acontecimentos, por extraordinários que fossem.

    Os milagres de Jesus realmente ocorreram e são sinais que apontam para verdade de Deus, a qual transcende àqueles momentos históricos e atinge todas as gerações de todos os séculos, seja qual for a mentalidade da época. Trata-se de uma mensagem sempre válida que deve ser acolhida com fé.

2 comentários:

  1. Sobre esse assunto há um livro muito interessante de Mons. Louis Claude Fillion, célebre exegeta francês que traduziu e comentou a Vulgata e foi consultor da Pontifícia Comissão Bíblica. O livro se chama "Los milagros de Jesucristo, El enigma explicado desde la perspectiva racional y la mirada religiosa" e nele o autor se propõe a demonstrar a autenticidade dos milagres de Nosso Senhor contra os erros dos racionalistas. Para aqueles que leem em espanhol é uma obra altamente recomendável, a melhor que já li sobre o tema. Há alguns trechos disponíveis no Google Books: https://books.google.com.br/books?id=6ocN5EFklNwC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false

    Att.,
    Felipe Melo

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  2. A paz de Jesus Cristo.

    Obrigado por mais um texto importante, necessário nos dias de hoje onde a Fé, me parece, virou mercadoria negociável para quem se diz cristão.

    Como pode alguém, logo um padre, afirmar que" Outro bom exemplo é o do padre espanhol Torres Queiruga, que afirma que Deus, ao criar o mundo, criou também as suas leis e, por isso, seria incoerência da parte de Deus ter criado estas leis para depois quebrá-las(!)". Então, Deus não poderia mudar algo que ele achasse que deveria mudar, por exemplo?

    Partindo desse princípio, que os milagres são simbólicos, todo o ato do Criador no Antigo Testamento ( Dilúvio, destruição de Sodoma e Gomorra, etc.), também são "simbólicos"? Que absurdo! Um padre e um protestante partilhando as mesmas heresias, que bonito!

    Infelizmente, eu vivi isso em um curso de Teologia para leigos oficial da Diocese onde eu vivo. Um padre que disse isso e muito mais absurdos que prefiro não comentar aqui. Por isso eu desisti, não terminei o curso.

    Quem defende esse Cristo totalmente humano, sem ligação Divina com o Pai, além de negar a Santíssima Trindade, defende a ideia que Jesus Cristo foi um simples profeta, nada mais. "cristãos" assim deveriam fazer como o atual papa; dar as mãos aos muçulmanos que também alegam ter sido Jesus Cristo apenas um profeta. Oremos e devemos agir também.

    Salve Maria!

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