QUALQUER CATÓLICO verdadeiramente fiel sabe que, de alguma forma, a Quaresma desempenha um papel realmente importante para a sua vida, como um todo, de forma integral. Os dias parecem se prolongar, há aquele sentimento de proximidade com Deus, de fazer algo mais, alguma prova de amor para com aqu'Ele que nos ama mais do que nós mesmos. Tudo é diferente, tudo é mais intenso e ao mesmo tempo mais calmo. As quaresmeiras florescem e até os pássaros parece que começam a cantar de modo diferente.
Nesse tempo especial, cai muito vem fazer algo especial para Deus: uma peregrinação, uma jornada espiritual, algo desse tipo, menos ficar onde está e fazer o que sempre fez e faz, como se nada de diferente estivesse acontecendo; qualquer coisa, menos ficar parado. E é verdade que nem todos podem se dar ao luxo de ir trilhar o Caminho de Santiago de Compostela ou realizar a peregrinação a Chartres. Mas todos podem fazer, por exemplo, um passeio até uma bela igreja um pouco mais distante e diferente da de nossa paróquia.
Nosso defeito predominante certamente tentará nos desanimar de intentos desse tipo, como sempre. Garrigou-Lagrange descreveu esse defeito como o “nosso inimigo doméstico, que habita nosso interior (…): às vezes é como uma rachadura em uma parede que parece sólida, mas não é: como uma fenda, às vezes imperceptível, mas profunda, oculta na bela fachada de um edifício, e por conta disso qualquer sacudida mais vigorosa poderá abalar até as fundações”[1].
Conhecer o nosso defeito dominante é uma tremenda vantagem para todo fiel católico, não só no tempo santo da Quaresma como também em toda a jornada desta nossa vida, pois aponta para a virtude que é sua oposta: se o seu defeito predominante é a ira, por exemplo, você precisará visar a prática da gentileza e da docilidade. E mesmo um pequeno crescimento na gentileza ajudará todas as outras virtudes a crescer, e com isso os outros vícios diminuem também.
Não conte apenas com uma Quaresma para dilapidar de modo especial o(s) seu(s) defeito(s) dominante(s); isso pode demorar várias delas, ou a vida inteira. Mas uma boa Quaresma pode ser um meio poderoso de superar a falha predominante, especialmente se for seguida com uma Páscoa alegre.
Não conte apenas com uma Quaresma para dilapidar de modo especial o(s) seu(s) defeito(s) dominante(s); isso pode demorar várias delas, ou a vida inteira. Mas uma boa Quaresma pode ser um meio poderoso de superar a falha predominante, especialmente se for seguida com uma Páscoa alegre.
E como descobrir qual é o seu defeito predominante? Um modo eficaz é perguntar à sua esposa ou marido, se você for casado(a). Sim, ele ou ela provavelmente saberá muito bem qual é a sua maior falha, devido à convivência íntima. E, se você tiver a grande graça de ser casado com um(a) verdadeiro(a) fiel católico(a), ele(a) será também um(a) aliado(a) de grande valor nessa luta, e vai cooperar de modo especial com seu desejo e determinação de vencer esse defeito, provavelmente com entusiasmo, já que será um(a) dos maiores beneficiado(a)s.
Mas não se surpreenda se for difícil identificar esse defeito. Podemos compreender essa questão, de modo indireto, na Parábola da Semente de Mostarda. Há uma maneira agradável de ver essa Parábola, que trata de um pequeno ato que pode se tornar algo grandioso. O célebre ateu francês André Frossard, por mera curiosidade, entrou em uma igreja durante as Asperges, e a água benta o queimou; ele se converteu e prosseguiu nesse processo de conversão de modo admirável. A partir daquele dia, tornou-se um pregador do Evangelho através de seus escritos. Um gesto aparentemente tão simples, como entrar em uma igreja, mudou muitas vidas.
Mas há outra maneira de ver a Parábola, e essa não é agradável. Pois quando a mostarda cresce, é tão grande que os pássaros do ar vêm e habitam nos seus ramos. Já vimos esses pássaros antes. Eles são mencionados na Parábola do Semeador. Eles vêm e comem a semente que não caiu em bom solo. Estes são os demônios e os vícios.
Observe que em uma pequena árvore com apenas alguns galhos, é fácil ver o ninho de um pássaro. É algo bastante fácil encontrar ali apenas um ninho e removê-lo, em uma árvore ainda jovem. Já não é assim no caso de uma árvore imensa, muito alta, mais velha e com muitíssimos galhos. Há tantos ramos e tanta folhagem que é difícil ver. E mesmo depois de ver o ninho, é difícil removê-lo, pois pode estar alto e bem incrustado entre galhos e ramos duros. O mesmo acontece com pessoas adultas na fé; quanto mais se passa o tempo e mais e mais vão se enraizando costumes e hábitos, maior a árvore: mais difícil ver os vícios em nós mesmos, mais difícil removê-los.
Acostumamo-nos aos nossos defeitos; temos o hábito de olhar o mundo através deles, e geralmente eles se escondem bem diante dos nossos olhos, como se fossem invisíveis (para nós, mas não para os outros), ou até mesmo assumindo a aparência de virtude.
Assim, a fraqueza se esconde em uma capa de humildade, o orgulho se disfarça com a roupa da magnanimidade, a raiva descontrolada tenta se passar por justa indignação, etc, etc.
"Não é que eu seja fraco para tomar certas atitudes, é que eu sou muito 'humilde'... Não é que eu seja covarde para defender a Igreja, é que sou pacífico e 'respeito' todos os que pensam diferente... Não é que eu seja impaciente ou raivoso, é que sou muito exigente com todos, porque sou muito 'justo'... Não é que eu tenha o vício da gula, é que tenho prazer em comer das coisas boas que Deus nos dá... Não é que eu seja orgulhoso ou soberbo, é que eu tento de me colocar como exemplo para os outros, para que aprendam comigo..."
Assim, a fraqueza se esconde em uma capa de humildade, o orgulho se disfarça com a roupa da magnanimidade, a raiva descontrolada tenta se passar por justa indignação, etc, etc.
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A pergunta importante a se fazer é: omo encontramos esse defeito dominante, se não há uma pessoa santa por perto para ajudar?
Temos que entrar no "porão do autoconhecimento", como disse São Bernardo de Claraval (ou Clairvaux). Muitos não o fazem, geralmente porque não querem ver o está lá. Mas fazer isso é realmente necessário, porque tudo será desvelado no último dia, e – aqui vai uma dica excelente – se você pedir ao seu Anjo da Guarda que o ajude a ter coragem de fazê-lo, ele certamente o fará.
A fonte e o ápice de toda a vida da Igreja é o Sacrifício da Missa, disto sabemos bem. Pois há algo que poderíamos levar da Missa para nos ajudar a entrar no porão do autoconhecimento de nossas próprias almas: a luz das velas.
Sim! A luz é estritamente prescrita para a celebração da Santa Missa. Em pleno século 21, não há legislação eclesiástica sobre a luz elétrica (uma paróquia pode usar luz elétrica de qualquer tipo e como quiser), mas deve haver velas sobre o Altar e iluminando as Escrituras. Pois uma vela acesa em um Altar pretende representar a Luz de Cristo: a chama representa sua Divindade; a própria vela, sua humanidade; o pavio, sua alma. A principal razão para o uso das velas pode ser encontrada nas orações do Dia da Candelária (na Forma Extraordinária do Rito Romano), na qual a Igreja implora a Deus:
... conceder que, como as velas acesas com fogo visível dissipam as trevas da noite, assim também nossos corações, iluminados pelo fogo invisível, isto é, pela luz resplandecente do Espírito Santo, podem ser libertados de toda cegueira do pecado e com os olhos purificados do espírito, possamos perceber o que é agradável a Ele e propício à nossa salvação, a fim de que, depois dos combates sombrios e perigosos desta vida terrena, possamos chegar à posse de luz imortal.[2]
A chama da luz de uma vela de algum modo auxilia a elevação de nossas mentes e almas para a meditação nos Mistérios divinos (isso pode ser experimentado profundamente na Vigília da Páscoa, quando apenas a luz de velas é usada na primeira parte da liturgia); é pura, bela, radiante, cheia de brilho e serenidade.
Portanto, se você está propenso a se distrair ou está tendo problemas para entrar no porão do autoconhecimento, acenda uma vela para rezar. De preferência uma vela benta por um digno sacerdote. Um gesto tão simples pode fazer muita diferença.
Adaptado do sermão 'One good Lent can change your life', pelo Fr. James Jackson FSSP para o Catholic Herald
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1. LAGRANGE-GARRIGOU, Reginald, As Três Idades da Vida Interior. São Paulo: Cultor de Livros, 2018, pp. 383-384)
1. LAGRANGE-GARRIGOU, Reginald, As Três Idades da Vida Interior. São Paulo: Cultor de Livros, 2018, pp. 383-384)
2. P. James Jackson, FSSP, pároco de Nossa Senhora do Monte Carmelo, em Littleton, Colorado (EUA), autor de 'Nothing Supfluous (Redbrush)', para o Catholic Herald, em
https://catholicherald.co.uk/one-good-lent-can-change-your-life/
Acesso 29/2/2020.
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