Seria impossível que a especulação não surgisse, na medida em que a Itália sofre o pior surto da epidemia no continente europeu, com mais de 1.100 casos confirmados desde 20 de fevereiro, e com pelo menos 29 mortes até agora. Aconteceu todavia na manhã de ontem, domingo (1/3), a primeira aparição pública do Pontífice depois de quatro dias de sumiço, sorridente como sempre, acenando da varanda do Palácio Apostólico para o público presente na Praça de São Pedro, e com isso o Vaticano, apesar de não especificar qual doença ou sintomas específicos acometem Francisco, descartou a possibilidade de ele estar sofrendo pelo coronavirus. “Não há evidências que levem ao diagnóstico a nada além de uma 'leve indisposição'”, disse o porta-voz Matteo Bruni, em uma declaração ridiculamente vaga e que nada esclarece.
Enquanto isso, a Igreja segue rachada, dividida em grupos internos que não param de se subdividir. Já tratamos do problema por aqui, em artigos específicos (como este e este), mas o panorama geral vem agora sofrendo alterações importantes.
Antes, basicamente, tínhamos os modernistas de um lado e os chamados "tradicionalistas" de outro. Nos últimos tempos, o cenário vem se complicando. Temos agora um novo grupo, o dos católicos que se consideram tradicionais, mas que se colocam incondicionalmente fiéis ao Papa e à hierarquia da Igreja, não importando o que façam ou o que aconteça, e em feroz oposição àqueles que, diante de escândalos (como por exemplo o das "pachamamas" postas nos altares sagrados ou o do documento-declaração assinado pelo Papa em conjunto com um imame islâmico no qual declara que todas as religiões são determinadas por Deus), tecem críticas públicas – seja respeitosamente ou nem tanto.
Há até uma frase absolutamente infeliz que é de vez em quando usada para justificar a posição desses que apoiam radical e incondicionalmente a hierarquia da Igreja pela hierarquia: "Prefiro errar com o Papa do que acertar sozinho", ou, em sua variação: "Prefiro errar com o Papa do que acertar contra ele".
Sobre esse curioso pensamento pronunciou-se com propriedade o admirável Padre Marcelo Tenório de Almeida, da Diocese de Campo Grande, pároco de São Sebastião e de Nossa Senhora da Saúde e reitor do Santuário Arquidiocesano da Adoração Perpétua[1], nos seguintes termos:
Não, caro irmão, o Papa não espirra infalivelmente.
Tudo quanto ele fala não é infalível. Seus gostos não são infalíveis; sua opinião não é infalível. Há critérios para o carisma da infalibilidade! Mesmo em seu magistério, há graus de assentimento.
Querer 'errar com o Papa', em vez de acertar, é contra a Verdade [que é o próprio Cristo]. Se vivesse na época do papa Libério, você erraria com o Papa e se tornaria ariano? Ou, seguindo o exemplo de Alexandre VI, você se tornaria um promíscuo?
Não, eu não quero errar com o Papa. Quero é acertar sempre, com ele ou sem ele. Porque ele não detém a Verdade, mas é dela apenas um servidor.[2]
As Sagradas Escrituras, infalíveis e sempre sumamente providentes, já nos advertem, com grande rigor, sobre tal confusão, na fortíssima passagem do Evangelho que retrata a distinção entre Pedro, enquanto a Pedra sobre a qual se fundamentaria a Igreja, e o homem Simão filho de Jonas, falho e sujeito ao erro. Sim: é emblemático o modo como logo depois de receber Pedro das mãos de Deus encarnado o poder das Chaves do Céu, esse mesmo Apóstolo (falando então como Simão) comete um grave erro dizendo ao Salvador que devia fugir de Jerusalém e dos cruéis sofrimentos a que se submeteria. E o Cristo lhe responde da maneira mais direta e dura possível: "Afasta-te de Mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens!".
Mas os membros desse relativamente novo grupo não suportam nenhum tipo de crítica à hierarquia, nem mesmo aquelas que a própria Igreja garante que constitui um dever dos leigos, no seu Código de Direito Canônico (já falamos sobre isso por aqui, também):
§2. Os fiéis, conscientes da sua responsabilidade, têm o direito de manifestar aos pastores da igreja as próprias necessidades, principalmente espirituais, e os próprios anseios.
§3. De acordo com a ciência, a competência e o prestígio de que gozam, têm os leigos o direito e, às vezes, até o dever de manifestar aos pastores sagrados a própria opinião sobre o que afeta o bem da igreja e, ressalvando a integridade da fé e dos costumes e a reverência para com os pastores, e levando em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas, deem a conhecer essa sua opinião também aos outros fiéis.
(CDC Cân 212, §§ 2-3)
Sim. Temos o dever sagrado de nos manifestar quando se colocam ídolos pagãos em cima do Altar do Cordeiro de Deus, e temos o dever sagrado de nos escandalizar – e de manifestar o nosso escândalo – quando nossos bispos, nossos pastores, entregam suas ovelhas aos lobos, propagandeando ideologias políticas anticristãs em pleno ambão, em suas homilias, ou quando profanam a Missa, tornando-a em uma espécie de comício a favor de partidos políticos que promovem pautas diabólicas como o aborto e a ideologia de gênero.
Claro, também é verdade que a parte do CDC que fala sobre ressalvar a reverência para com os pastores e a utilidade comum dessa manifestação de suas necessidades, opiniões e anseios, vêm sendo no mínimo imprudentemente posta de lado por muitos. Isso é um mal que deve ser evitado e combatido. Porém, antes, é preciso compreender que diante de uma cenário tão grave quanto este em que vivemos, estamos aí diante de uma questão menor e secundária, ainda que importante.
O fato é que para o novo grupo de católicos que se consideram conservadores mas que assumem uma postura papólatra, essa falta de reverência para com os bispos é mais importante do que termos bispos promovendo procissões com a imagem da entidade pagá Iemanjá dentro da igreja (veja); uma maneira irônica de se referir ao Papa é mais grave do que o Papa dizer que todas as religiões são do desejo de Deus em um documento oficial [sem esclarecer se se referia à 'vontade permissiva' de Deus, como diria em particular a Dom Atanásio Schneider, que lhe implorou que se explicasse publicamente, para dissipar o perigoso potencial herético de tal declaração, algum tempo depois, segundo testemunho do próprio que publicamos aqui] , semeando uma confusão nunca vista na Igreja.
O leigo Bernardo Küster, por exemplo, é odiado por esse grupo novo: o "youtuber" é visto como um vilão, um inimigo da Igreja, poque "desrespeita" o Papa e a hierarquia. Eu, pessoalmente, nunca assisti a um vídeo desse rapaz cujas denúncias não fossem plenamente justas e, mais do que isso, necessárias.
Leigo católico criticando ou até denunciando padres e bispos, nos nossos tempos, desgraçadamente, tornou-se um mal necessário. É importante lembrar, também, que a opinião do leigo foi e tem sido valorizada –, e o seu poder foi incrivelmente aumentado na vida da Igreja –, justamente após o CVII, com grande entusiasmo pelos próprios clérigos progressistas – que ficam muito felizes em dar voz e "acolher" nas igrejas os leigos rebeldes, os que se declaram contra os bons costumes e a Tradição da Igreja, os relativistas, os fornicadores, os travestis, os que acham que não há problema em frequentar o terreiro de umbanda às sextas-feiras e a igreja católica aos domingos, etc. Mas estes mesmos reagem com grande rigor quando um leigo se pronuncia em defesa da Tradição, das práticas de piedade tradicionais, a favor do resgate da sagrada liturgia ou coisa do tipo.
É evidente que agora temos também um bando de alienados que perderam completamente a noção do ridículo gritando aos quatro ventos que Francisco é um antipapa e que o Papa verdadeiro é Bento XVI, que este último teria sido afastado contra a sua vontade e que se encontraria desde então forçadamente silenciado, encarcerado numa cela, talvez em alguma torre escondida perdida nos confins do Vaticano(!)... Certamente não precisamos nos dar ao trabalho de explicar porque tudo isso não passa de uma tolice gigantesca à qual, inacreditavelmente, não poucos vêm aderindo [mesmo assim vou dizer que diversos conhecidos diretos meus têm visitado Bento XVI, e ele reconhece plena e livremente a realeza de Francisco, e eu mesmo só não participei ainda de uma dessas visitas por questões puramente técnicas].
Voltando ao Küster, eu pessoalmente tenho também críticas à sua atuação, algumas severas, especialmente relacionadas ao modo irreverente como ele conduz os seus vídeos e palestras, além de considerar que muitas vezes exagera no alarde, divulgando certos fatos de modo afoito, sem considerar os estragos que determinadas denúncias podem provocar. Ainda assim, no geral, penso que o seu trabalho faz mais bem do que mal. E o que ali é mal, insisto, é mal necessário.
1. Conf. portal da Arquidiocese, em:
https://arquidiocesedecampogrande.org.br/padre/padre-marcelo-tenorio-de-almeida/
Acesso 2/3/2020
2. Artigo 'Prefiro errar com o Papa do que acertar sozinho', em:
https://templariodemaria.com.br/prefiro-errar-com-o-papa-que-acertar-sozinho/
Acesso 2/3/2020
A paz de Jesus Cristo.
ResponderExcluirImportantíssimo texto. Quer dizer: se colocam como "tradicionalistas", mas estão cegamente com o papa, mesmo que ele erre ( o que tem acontecido desde o início do seu papado, diga-se...).
Lembro-me de como fiquei chocado ao ver o vídeo onde o Papa diz que todas as religiões pregam o amor. Neste vídeo tem uma mulher budista, um padre católico, um judeu e pasmem, um muçulmano ( sabemos como os líderes muçulmanos no Oriente Médio ensinam os seguidores de Alah a tratar com muito "amor" os cristãos...).
Vídeo, para quem não viu ou que relembrar: https://www.youtube.com/watch?v=kHsfzPv7gMU
Título do vídeo: Papa confia as intenções de oração para janeiro de 2016.
Que a Santíssima Trindade nos proteja de todo o mal.
Maria Santíssima, rogai por nós junto ao seu Amado Filho, Jesus.
Abraços fraternos.
Buscar a Verdade e não temer a Cruz.
ResponderExcluir7 PROVAS QUE A RENÚNCIA DE BENTO XVI É INVÁLIDA
ResponderExcluirhttps://youtu.be/NqDOoJ7xvOY
Prefiro ser chamado de alienado que chamar um herege público e escandaloso de Papa!
ResponderExcluir