ARIANO SUASSUNA foi um gigante da literatura brasileira. Não só escrevia bem, como alimentava um grande amor pelo Brasil. Cometeu seus erros de opinião, decerto, que se reduzem a nada perto de seus acertos como pensador. Era também um católico muito devoto, com a devoção simples do sertanejo. Disse ele que, certa vez, deu uma enchente no rio próximo de onde morava, de modo que começaram as águas a invadir sua casa. “Então resolvi”, disse ele em uma de suas fantásticas Aulas-Espetáculo, “me apegar a um santo. Meu pai era muito devoto de Santo Ariano, que foi sua inspiração para me batizar. Mas meu onomástico não ia me valer naquela hora. Santo Ariano morreu afogado, e fiquei com medo de ter o mesmo fim. Então pedi a intercessão da Compadecida”.
Pode parecer ingenuidade dos ignorantes, dos analfabetos, do povo chucro dos sertões. E é. Ouvi certas vezes alguns santos sacerdotes dizerem que essa fé simples, honesta, sincera é justamente a que salva, porque não confia em si mesma, mas em Deus.
O Patrono de nosso apostolado, São Próspero de Aquitânia, diz o mesmo na obra Sobre o Chamado dos Gentios, onde diz que a Graça de Deus não está nos estudos, nos conhecimentos ou nas ciências, e sim na fé e na vontade humilde. Porque “a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria dos homens” (1Cor 1,25).
A obra mais conhecida de Ariano Suassuna é a peça, posteriormente deformada em filme, Auto da Compadecida, cujo intuito é expor, satirizar e rir dos erros do clero. O Palhaço, personagem que representa o autor, expõe a razão de ser da obra logo no início, dizendo:
Ao escrever esta peça, onde COMBATE O MUNDANISMO, praga de sua Igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que sua alma é um velho catre, cheio de insensatez e de solércia. Ele não tinha o direito de tocar neste tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque acredita que esse povo [...] tem direito a certas intimidades.
Ocorre que, em um certo país há uma certa conferência nacional de certos bispos incertos, a qual, por certos Interesses Ocultos (como diria o velho Lobato), acha ser mais proveitoso agir como “resistência” ao governo federal e “prezar” mais pela saúde do corpo do que traduzir decentemente o missal, ou a coleção da Patrologia Latina, ou ter cuidado com a saúde das almas – se é que acreditam em saúde das almas.
Ocorre também que em certas dioceses, certos bispos – que vigiam[1] mais o menu de vinhos franceses que a Vinha do Senhor, já carcomida pela praga que “acidentalmente” cresceu e se desenvolveu de uns 60 anos para cá – não só usaram como pretexto uma sino-pandemia (“em nome da saúde dos fiéis”, dizem), como solenemente têm aceitado os desmandos dos políticos sob o mesmíssimo pretexto.
Rugiram, decerto, alguns valorosos pastores. Mas estes são poucos. Um aqui, outro acolá. No geral, a maioria daqueles que deveriam vigiar as grandes cidades solenemente baixaram as orelhas.
Mas igrejas fechadas significa menor arrecadação do dízimo, menos ofertas... E o valor arrecadado é diretamente proporcional à qualidade dos vinhos importados... Tem-se aí um problema.
Tem sido, então, em muitos lugares deste certo país, corriqueiro o diálogo que se segue:
– Padre, estou precisando me confessar...
– Não, meu filho, o corona está aí e a gente pode morrer!
– Tá certo, padre... Eu ia inclusive aproveitar pra pagar o dízimo, porque o dinheiro da paróquia deve estar curto, e...
– Oh, que coração grande! Que generosidade admirável! Venha assim que possível! A igreja está de portas abertas!
– Para eu me confessar?
– Para receber o dízimo, meu filho.
Parece a cena do Auto da Compadecida, quando o Padre João decide enterrar o cachorro da Mulher do Padeiro (em latim), por este “haver deixado” três contos de réis para a paróquia – valor este que, hoje em dia, é algo como três mil reais.
Esta é a triste realidade em muitas regiões deste certo país: igrejas fechadas para a distribuição dos sacramentos, mas abertas para as generosas doações dos pobres. Ainda bem existe a “criatividade pastoral”, não é mesmo?
O curioso é que se usa como desculpa o lema “Não Causar Aglomerações”. Claro! O sacramento da Confissão, bem como o da Extrema Unção, envolve duas pessoas: o confessor e o penitente; o do Matrimônio envolve cinco: os noivos (que DEVEM ser solteiros, e DEVEM ser de sexos opostos, caso queiram seguir as “horríveis normas arcaicas” da Igreja), o sacerdote (ou diácono) e mais duas testemunhas; e o do Batismo envolve seis (quando muito): o catecúmeno, o sacerdote (ou diácono), um padrinho e um dos pais do catecúmeno. O Crisma pode ser ministrado logo após o batismo (mas isso é “coisa de medievais”), a Ordem é celebrada privadamente desde que a Igreja é a Igreja. A Eucaristia é o único sacramento que envolve aglomeração de pessoas ordinariamente, durante a celebração da Missa, mas para “evitar aglomerações” nada melhor que suprimir todos os sete.
Eu comecei citando Ariano Suassuna e fiz questão de citar o Auto da Compadecida porque certa vez um padre acusou o Mestre Ariano de ser anticlerical por criticar o clero em sua obra – e, hoje em dia, muitos apostolados leigos sofrem a mesma acusação por apontar o mundanismo do clero.
Mestre Suassuna respondeu do seguinte modo – e faço minha sua resposta: “Eu critiquei os padres e bispos maus. Eu sou católico de verdade. E em RESPEITO aos padres e bispos bons, eu critico aqueles que são maus”.
Termino lembrando as palavras do Padre Manoel Bernardes: “quanta ganância de almas para o seu reino das trevas terão os demônios com um só bispo negligente!”
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[1] Aqui eu fiz um jogo de palavras que não faz muito sentido em português. Bispo vem do latim Episcopus e é sinônimo de speculator (vigilante), ou superintendens (superintendente), ou ainda superimpector (vigia), conforme diz o Padre Manoel Bernardes na obra 'Os Últimos Fins do Homens'.
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