QUANTA GANÂNCIA DE ALMAS para o seu reino das trevas terão os demônios com um só bispo negligente? É certo que as omissões são tanto mais prejudiciais e ocasionadas quanto às obrigações são mais continuas e graves. E que obrigações mais contínuas e graves que as de um bispo? Há de pregar, este é o seu principal ofício, como lhe chama o Concílio de Trento mandando que o faça por si mesmo se não estiver legitimamente impedido, e há de dar correção aos maus pregadores, que não faltam, se ele quiser advertir a este ponto.
E advirta-se neste lugar que nenhum letrado chamará de o defeito de ciência impedimento legítimo, pois não é senão impotência; e assim como o fogo, se não queimar, será porque está impedido; mas não queimar água nunca pode ser por impedimento, mas por impotência para este tal efeito. Donde se segue que obra mal o que aceita a este ofício com incapacidade antecedente para exercer a principal obrigação dele. Há de prover bons pastores todas suas igrejas, não consentindo vagas por tempo considerável. E assim, os demais benefícios e prebendas que lhe tocam em sujeitos dignos de que resulte decoro e utilidade à Igreja de cujo pão comem. Há de visitar a sua diocese a cada ano – e se for muito grande, a cada dois anos, ao menos pelos seus visitadores, se estiver legitimamente impedido. Para que todos seus súditos participem dos influxos de sua presença, doutrina e cuidado, como o sol visita os signos para repartir igualmente sua luz e calor a toda a terra; e por isso disse o apóstolo: “Desejo vos ver para compartilhar convosco algo da graça espiritual”. E nesta visita entram ou podem entrar no Capítulo catedral ou mosteiros de religiosos que lhe estão sujeitos, as confrarias leigas, colégios, hospitais que não forem isentos, montes de piedade, e todos os lugares pios; e pode pedir conta a todos os seus administradores e da sua fábrica, eclesiásticos ou leigos. Celebrará Sínodo Diocesano a cada ano e acudir ao Sínodo Provincial quando for chamado por seu metropolitano, como dispõe o Concílio de Trento, em observação do que celebrou São Carlos onze sínodos diocesanos e seis provinciais de que resultaram grandes frutos a todos os seus súditos. Há de ter seminário de moços que se criem em doutrina e bons costumes para servirem à Igreja, e sustentá-los da renda da mesma Igreja na forma que o Concílio dispôs. Administrará o Sacramento da Confirmação e Ordens – de que é ministro próprio –, vigiando que não entrem, por esta porta, pessoas incapazes e de maus procedimentos na Igreja; examinando, por si ou por pessoas espirituais, se é a vocação de Deus que os traz; porquê de se introduzirem sem ser chamados, nasce haver tantos maus eclesiásticos. Há de ter cuidado paternal das pessoas Miseráveis e ser largo nas esmolas, reputando a necessidade alheia por própria; diz São Gregório: “Acuda àqueles que padecem necessidades, tenha a pobreza alheia por própria; porque se não tiver essas qualidades, terá em vão o nome de bispo”. Fazendo-as não só em particular – de modo que não saiba a mão esquerda o que fez a direita – mas em público, pois é pessoa pública que deve dar exemplo e ter cuidado do bom nome para edificação dos fiéis.
Há de dar audiência às partes e despacho às petições sobre as causas que lhe tocam, sem ser para isso necessário o rodeio de valias e favores, pois é matéria de justiça, e não de graça, em que o prelado não é seu, mas de todos os que o requerem. Há de defender a jurisdição e imunidade eclesiástica nas ocasiões que se oferecerem, sem esconder o rosto nem acovardar os passos contra a potência secular. Há de escrever pastorais, promulgar éditos, formar decretos, fulminar censuras segundo pedir o santo zelo dirigido pela prudência. Orará pelo povo, como Bom Pastor em defesa do seu rebanho contra a ira de Deus para aplacá-la; porque não se queixe sua misericórdia, dizendo: "Tenho procurado entre eles alguém que construísse o muro e se detivesse sobre a brecha diante de mim, em favor da terra, a fim de prevenir a sua destruição, mas não encontrei ninguém" (Ez 22, 30). Há de aprovar os milagres novos e as relíquias dos Santos, dedicar as igrejas e procurar que as imagens e pinturas sagradas e festas dos Santos se façam com decoro que se deve.
Há de governar a sua família criando-a e alimentando-a com estatutos discretos e santos exercícios, e não permitindo que nela haja ofensa a Deus ou escândalo dos externos; porque mal poderá governar estes quem não sabe governar aos da sua casa, como diz São Paulo (Cf. I Tim 3, 5). Estudará pelos livros para adquirir e conservar a ciência necessária para satisfazer a estas e outras muitas obrigações, conforme o Concílio de Trento; e Leandro, seguindo Santo Hilário e outros, diz que ”toda a virtude do Bispo é a ciência e a doutrina”. Residirá tendo conta que seu ofício o prendeu no seu distrito por ordem de Cristo; e como disse um filósofo: “No mesmo lugar, alguns são presos pelas atividades sacerdotais e outros pelo refúgio que lá encontram”. Os pastores de almas são como aqueles mestres de campo que os romanos chamavam “presenciais” - porque deviam sempre estar presentes com os soldados que lhes estavam entregues. E assim acautelar-se de fazer jornadas, retirar-se à pátria ou às quintas, andar pelos palácios dos reis sem justa causa, e só pelo tempo que o direito lhes dispensa, ou, para melhor dizer, interpreta o direito divino pelo qual, na sentença certa, são obrigados a esta residência.
Finalmente, as obrigações de um bispo (que aqui referimos por alto) são tantas e tão graves, que os padres do Sagrado Concílio de Trento disseram ser formidável o seu peso até para ombros de anjos. Este foi o peso que o bispo São Nicézio sentiu sobre o pescoço quando o sagraram e, apalpando com a mão três vezes para ver o que ele carregava tanto, e não achando coisa alguma, entendeu com luz superior que era carga do cargo que estava recebendo, conforme o Salmo "Vós, Senhor, nos pusestes no laço e nos colocaste nas costas muitas tribulações, fizeste carga dos homens sobre as cabeças” (Sl 65, 11-12); porque sagrar um bispo é o mesmo que pôr no laço do noivado com a sua Igreja e carregar às costas inumeráveis tribulações, e à cabeça todos os fiéis daquela diocese. E como a paciência e constância se atribui às costas, e o cuidado e vigilância se atribui à cabeça, por isso diz que lhe pôs as tribulações às costas e os homens à cabeça; porque o ofício de bispo é sofrer e vigiar: sofrer tribulações e vigiar o gado.
Desafios dos bispos
Isto posto, considere agora: como um bispo pode satisfazer a essas obrigações, de sorte que não lhe fique remorso de sua consciência, sem um contínuo desvelo, atividade, cuidado e diligência? Se não for assim, será bispo no nome, mas não o será no ofício e nem ainda no nome o será, porque o nome episcopus (bispo) vale o mesmo que speculator (vigilante), ou superintendens (superintendente), ou superimpector (vigia). Se não for assim o Profeta verá a vara de sua dignidade, mas não a vara vigilante. O Bispo poderá dizer com Isaías, que está sob a vigilância do Senhor, mas não poderá dizer o que se segue, que guarda a sentinela de dia e de noite; e ser vara mas não vigilante – estar sob a vigilância sem fazer sentinela de dia e de noite – eis aí o encargo de consciência; porque tem um ministério e não cumpre. E São Paulo, antes de admoestar ao bispo Timóteo que cumprisse o seu ministério, o admoestou que vigiasse e trabalhasse muito (Cf. II Tim 4, 5); que é o mesmo que dizer que sem muita vigia e muito trabalho não é possível cumprir o ministério. E como o bispo pode ter esta vigia sobre os seus, se não a tiver sobre si? Aqueles quatro misteriosos animais que São João viu no Apocalipse, tinham muitos olhos por fora e muitos olhos por dentro; e diz São Gregório que “significavam os prelados, e qualquer prelado, se não tiver olhos para dentro, mal poderá tê-los para fora; por que se não tiver sentido em si, como poderá haver sobre os outros? Quem abre os olhos interiores é o exercício da oração mental e da presença de Deus; e a experiência ensina que, se a oração e presença de Deus é pouca, também os olhos se abrem pouco”. Pois pergunto agora: quantos são os prelados que têm muita oração mental e que andam muito contínuos na presença de Deus? Bem pode ser que a façam no seu retiro; porém, se eles tivessem olhos para dentro, também os aviam de ter por fora; e o que nós alcançamos a ver de fora não são olhos, mas cegueira; não é circunspecção, mas descuido. E assim como não é possível provar, por fé das histórias eclesiásticas, que houve algum bispo santo sem oração mental, assim também não se mostra bispo algum com oração mental que não se lhe conheça logo na maior vigilância sobre as suas ovelhas, no acrescido e luzido delas; porque os olhos exteriores em tudo correspondem aos interiores.Individuemos mais esta doutrina da importância de os prelados vigiarem. Bispado do Porto tem 341 igrejas paroquiais, em que no presente se acham cento e quarenta e nove mil e oito pessoas maiores, ou de Sacramento, segundo a conta que se refere nas constituições modernas daquela igreja. O arcebispado de Milão tinha, no tempo de São Carlos, 753 igrejas paroquiais, e nelas trezentos e sessenta e seis mil oitocentos e sessenta e oito pessoas de comunhão. O Arcebispado de Braga tem mais de 1400 igrejas paroquiais, e nelas almas sem número por ser muito povoado aquele território. Pergunto agora: como pode um pastor de tantas ovelhas e de tantos pastores fazer bem ao seu ofício, sem estar armado de todas as virtudes, paciência, fortaleza, justiça, misericórdia, prudência, amor ao próximo, zelo da honra de Deus, religião, modéstia, magnanimidade, mansidão, e, para dizer em uma só palavra, há de ser irrepreensível, que é o mesmo que perfeito; diz Crisóstomo: “em uma palavra, que expresse todas as virtudes”. E donde lhes virão estas virtudes, este espírito e esta perfeição, se não do Senhor das Virtudes e de todo bom espírito? Logo, é necessário frequente recurso a este Senhor: é necessário que o Bispo aspire ser santo; e disse pouco que “aspire” a sê-lo. Porque os teólogos como Santo Tomás dizem, com efeito, que há de ser perfeito, que é ainda mais do que ser santo; e esta diferença põe entre o religioso e o bispo: “ao religioso basta que aspire ser santo e perfeito, o Bispo que já o seja, pois aquele é só discípulo na escola de Cristo, e este é mestre”. Pois quantos são estes santos e perfeitos?
Bem posso crer que pela misericórdia de Deus são muitos; mas não posso crer que, destes, são muitos aqueles de que Cristo falava quando revelou a certo sujeito aqui em Lisboa, no convento de Benfica, que nestes tempos permitia serem eleitos bispos amaldiçoados para castigo dos povos. O outro sacerdote que por conselho de um religioso – seu tio – não aceitara bispado, aparecendo-lhe depois de morto, lhe disse: “padre, dou-vos muitas graças porque me persuadistes a não aceitar aquele bispado; porque sabeis que hoje seria do número dos condenados, se fosse do número dos bispos”. Nem aquele outro que apareceu à venerável Madre Francisca do Santíssimo Sacramento, religiosa Carmelita Descalça em São José de Pamplona, dizendo: “sou Bispo de tal terra; há cinquenta e nove anos estou no Purgatório”; e, dando um grito, disse: “ah bispos! Mais me valeria não o ter sido, pois não cumpri com as obrigações que respeitam tal ofício”. Esta breve e profunda afirmação encerra em si outras: ah, bispos, se soubésseis quanto pesa uma só alma, como temeríeis tomar tantas aos ombros! Ah, bispos, que da mitra tomastes só a honra e largastes o trabalho! Ah, bispos, que erradamente vos persuadis poder satisfazer com diligência moderada tantas e tão árduas obrigações! Ah, bispos, que mal considerais que uma hora do vosso descanso lá na terra se paga aqui com séculos de chamas! Outras insinuações são encerradas nestas poucas sílabas – “ah, bispos!”. A consciência própria as decifrará melhor que a pena alheia. Porém, não se deixe de notar que duraram cinquenta e nove anos (fora os que ainda durariam) os tormentos deste prelado, a causa podia ser o durarem também ainda nos seus súditos as nocivas consequências da sua omissão ou mau exemplo, não era bom que estivesse no Céu gozando da face de Deus, aquele por cuja culpa era ofendido na terra ao mesmo tempo.
Exemplos
Ouço que, contra as sobreditas razões, se podem opor três objeções. Primeira, que se para as igrejas terem prelados se espera que estes sejam santos e perfeitos, ficariam a maioria delas em viuvez, sem quem as governe e administre, porque os perfeitos são raríssimos (Cf. Sl 11, 1); inconveniência que prepondera a todos os demais, porque além de os supor, os agrava. Logo, alguém será prelado ainda que seja imperfeito. A segunda é que um prelado não é Gerião de três corpos, nem Briareu de cem braços, ou Argos de inumeráveis olhos, para cobrar por si todas as obrigações referidas; tanto que, sendo algo impossível, já não é obrigatório. Assim, descansa nos seus ministros, oficiais e coadjutores, cujo descuido e negligência, se a tiverem, não carrega sobre o bispo, o qual nem a quer, nem a permite – e, por vezes, nem a sabe. Terceira, sendo tantas as obrigações de um bispo e os negócios espirituais e temporais a que devem dar expediente, como queremos que lhe sobre tempo para se dar à oração? Ou como pode antepor esta obra superrogatória às outras que são de obrigação precisa? E caso lhe reste algum breve intervalo de tempo, como seu espírito pode, tão ocupado de tumulto das coisas exteriores e das espécies que deixam nas potências, ter aquela quietude e serenidade que este santo exercício requere? E, assim, parece que estas e outras semelhantes doutrinas são mais especulações dos que compõem os livros com muito descanso, do que práticas para os que estão no ofício com o incrível trabalho.
Todas estas razões não têm a firmeza que à primeira vista parece. Quanto à primeira, poderia se responder que, mais ou menos, tanto vale o mal prelado quanto prelado nenhum. Por isso, no tempo em que governou o sumo sacerdote Eli, o texto sagrado disse que não havia quem governasse (Cf. Jz 21, 24). Porque, se com ele e sem ele sempre cada um fazia o que bem lhe parecia, qual a diferença entre tê-lo que não tê-lo? A explicação de Ruperto é: “É como se dissesse: quem nessa época julgava Israel, se era alguém segundo o nome e posição, segundo os seus feitos e méritos não era ninguém”. Na mesma conta Deus tinha ao sacerdote Sobna, prepósito do templo, a quem mandou dizer por Isaías: “que fazes tu aqui?” (Is 22, 16). Este homem, como diz Lyra, não era prelado verdadeiro, e foi o mesmo dizer-lhe com vitupério: não vejo o que faças neste posto, porque se nada fazes a quem te podemos comparar, senão a ninguém? E se é alguém, dize o que fazes e se representa alguma pessoa dize que pessoa. Queira Deus que não se possa mandar o mesmo recado a outros. Oh, prelado, se tu nem pregas, nem visitas, nem resides; que fazes aqui neste lugar? Se tu nem és como bispo, pois não visitas; nem como sacerdote, pois raramente celebras; nem como pai, pois não amas teus filhos; nem como doutor, pois não os doutrinas; nem como pastor, pois não os desvias dos maus caminhos nem os defendes dos lobos; nem como cristão, pois não guarda bem a Lei de Cristo; então que fazes aqui? O recado é claro e justo, porque é de Deus – mas falta um Isaías que o leve. Logo, temos que, no sentir do mesmo Deus, mau bispo é o mesmo que nenhum bispo; nem pode ter outra saída aqueles contraditórios de São Jerônimo – “nem todos os bispos são bispos” – porque se supõe que o são, como pode negar que são, senão o mal bispo valendo o mesmo que nenhum bispo: antes, tão mal pode ser, que seja muito pior que nenhum.
Deixando de lado esta resposta, porque não parece mais predicativa que teológica, responde-se diretamente à objeção: que à conta de qualquer prelado não correria que a sua igreja ficasse ou não ficasse viúva; corre, porém, à sua conta o não pretender ser esposo da igreja, se conhece não ter prendas para isto, nem aceitar (neste caso) o depositário, ainda que lhe ofereçam; depois que já está depositado, corre também à sua conta chorar o seu pecado, se o teve em meter-se no laço, e o tratar dali por diante com todas as forças de empregar-se todo em servir a Cristo fazendo o que fizeram os Santos, porque deste modo será um deles.
À segunda se responde que o prelado não tem três corpos, mas tem três espíritos – o seu próprio e mais dois anjos: um da pessoa, e um da dignidade –; com cujo auxílio, sendo um só homem, pode trabalhar por muitos. E este foi o remédio com que Deus consolou a sua serva Ana de Santo Agostinho, quando, sendo eleita priora do seu convento, se desanimara: mostrou-lhe os seus dois anjos; e, vendo-os tão valentes e diligentes, teve confiança. Do mesmo modo, se não tem muitos braços e olhos materialmente, deve tê-los moralmente, e isto em dois sentidos: quanto ao místico, e quanto ao político. Quanto ao místico, os braços e olhos do prelado são as virtudes: se não tiver muitas virtudes, confesso que se achará como decepado e cego; se assistir, como é obrigado, verá e trabalhará muito. Diz o Eclesiástico: "a alma de um santo homem diz mais verdades que sete sentinelas postas em observação numa colina" (Eclo 37, 18). Um só era Paulo, e mais afirma de si que trabalhou mais que todos os apóstolos (Cf. I Cor 15, 10). A graça de Deus não é rebelde à nossa fé e invocação: dá de si o quanto puxamos dela; e pode fazer-nos como onipotentes. Tanto nos empenhemos a Deus quanto ele nos desempenhará.
E quanto ao político, os braços e olhos do prelado são os párocos, ministros, vigários e demais coadjutores; mas assim como o movimento e diligência destes membros pende para um império e influxo da cabeça, assim a diligência destes ministros tende para a atividade do prelado. Se não obedecem, corte-os e substitua por outros; se não os tem, faça-os e os instrumentos com que se fazem são estes: dar bom exemplo, dar bom prêmio, pedi-los a Deus, aplicar-se à reforma de seus súditos, especialmente do clero, e fundar casas de operários apostólicos. São Carlos, quando entrou em Milão, não tinha muitos braços e olhos que o ajudassem a trabalhar e vigiar; mas com estas indústrias fez tantos que só de monitores (ou avisadores secretos) tinha trezentos, por meio dos quais era impossível não saber o estado de todas as suas igrejas para remediar o que necessitasse de remédio.
Advirta-se, porém, que o prelado não deve descansar tanto nos seus ministros que se descuide de trabalhar por si tudo o que pode; porque toda a causa tanto perde a eficácia da sua virtude quanto obra por meio de muitos mais instrumentos; e mais aproveita ao povo uma só palavra ou visita de seu prelado que muitas dos ministros inferiores. Eliseu mandou a Giezi com seu báculo ressuscitar o filho da sunamita; e não obrou causa alguma (Cf. II Re 4, 31); veio ele em pessoa e efetuou-se a maravilha. Se o Bispo só mandar outro com os poderes do seu báculo e ele ficar em casa, quantos mortos no pecado ficarão por ressuscitar! O venerável Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, visitando um povo da sua diocese, saíram a recebê-lo com danças e cantando esta letra: “Bendita seja a Virgem Maria, irmã da Santíssima Trindade”. Bem se vê a ignorância nos mistérios da Fé, que este disparate supõe. Pois não havia pároco naquela terra? Sim, havia; mas era necessário superintendente que visse como o pároco não fazia o seu ofício. São Carlos, quando entrou a governar a igreja de Milão, esta se achava em tão calamitoso estado que os eclesiásticos vestiam roupas seculares e traziam armas em público, a maioria deles tinha antigas amizades torpes e escandalosas, não residiam nos benefícios, e muitos curas não sabiam a fórmula da absolvição nem que coisa eram “casos reservados”; e em algumas partes, alguns curas achavam que não eram obrigados a se confessar, uma vez que eles ouviam confissão dos outros. E entre os leigos, era tanta a ignorância que não sabiam o Pai Nosso, a Ave Maria e nem se benzer. Pergunto: neste tempo Milão não tinha arcebispo? Sim, tinha; mas não residiam ou não visitavam, fiando-se aos vigários e ministros visitadores que punham para isto. Estes arcebispos saíram livres no juízo de Deus? Diga-o a razão, e Deus é a razão mesma. Ou eles sabiam destas calamidades, ou não: se sabiam, são culpados em não as remediar; se não sabiam, são culpados em não as saber. Assim como a sentinela, se vigia, é culpada em não avisar; e, se não vigia, é em não vigiar. A este respeito é bom o aviso que Santo Inácio (mártir) deu a São Policarpo de Esmirna: “Portanto, sê corporal e espiritual para que aquilo que lhe é aproximado dos olhos corrijas e para que, quanto àquilo que não se vê, peças que a ti seja manifestado, para que não te falte nada e abundes em toda graça”.
E esta verdade se confirma evidentemente; porque, se bastasse para desencargo dos bispos, constituírem ministros inferiores sem vigiar o que estes obram, e trabalhar por si mesmos o que eles podem: de que tinham que estremecer se os homens santos, quando eram eleitos para esta dignidade? Por que repugnavam com todo o esforço? Por que faziam extremos que parecem loucuras e ainda pecados? Sabemos que Santo Ambrósio, para escapar da dignidade, se fingiu pouco honesto, hospedando em sua casa mulheres de má fama. E que Santo Efrém Sírio se fingiu de louco até que elegeram outro em seu lugar. E que São Goaris, nomeado por El-Rei Sigiberto para a Mitra de Treverica, apertou com Deus na oração de tal modo que alcançou uma enfermidade incurável, e assim escapou. Santo Amônio eremita, não podendo dissuadir os que o compeliram, cortou-se a orelha direita e, vendo que nem por isso desistiam do seu intento, jurou-lhes que havia de cortar também a língua, e, com tal ameaça, o deixaram. Milênio Monge, sendo-lhe pedido que aceitasse um bispado em que fora eleito, respondeu com dissimulado sossego que esperassem um dia enquanto compunha as suas coisas. Acabado este breve prazo, renovou-se a instância e respondeu: “deixai-me falar primeiro um pouco com Deus”. Posto em oração, rogou fervorosamente ao Senhor que o levasse para si, e foi tão prontamente ouvido que antes de acabar a oração, expirou.
Torno, pois, a fazer a minha pergunta. Por que estes homens santos temiam tanto a dignidade pastoral, se basta, para satisfazer suas obrigações, uma diligência ordinária, uma boa intenção e um cuidado medíocre, descansando nos seus ministros? O certo é que por isso mesmo eram santos e tinham mais luz; e a luz que tinham lhes mostrava como não se satisfaz a muitas e grandes obrigações com diligências poucas e ordinárias. Como tinham luz, viam; como viam, o que tanto temiam? Os outros abram os olhos e verão; vejam e terão medo; digo medo para não se meter cegamente no perigo ou para tratar com todo o esforço por sair bem dele. Que perigo? Já está dito e torno a dizer: o que o bispo perderá sua alma se, por sua negligência, se perderem as suas ovelhas. Santo Efrém disse: “Serão pedidas contas de cada uma das ovelhas racionais, as quais receberam de Cristo, o Sumo Pastor, para apascentar. Se por negligência do próprio bispo ou príncipe, acontecer de uma ovelha se perder, serão pedidas contas do seu sangue”.
A terceira objeção, enquanto duvida ou nega poder restar ao bispo um tempo para oração por causa de negócios mais importantes, se responde primeiramente que, contra a experiência nenhum argumento da razão tem força. Caso que faltassem modernos exemplos, remeteríamos o leitor aos antigos, dizendo que lançasse os olhos àqueles Séculos Santos (Cf. Eclo. 17, 15), em que floresceram os Ambrósios, Agostinhos, Ciprianos, Basílios, Nazianzenos, etc., por que, enfim, não se busca no exemplar que seja novo, mas que seja primeiro – “Tomemos o exemplo dos bons e não dos mais recentes”, disse São Bernardo. Porém, leiam-se as vidas de São Carlos, Santo Tomás de Vilanova, Cardeal Belarmino (que também foi Arcebispo de Cápua), Palafox, Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, Tapia e Lanuza, todos os três (últimos) da ordem dos pregadores; São Francisco de Sales, Juvenal Ancina, Dom Luiz Crespi de Borja (estes três da nossa Congregação do Oratório), que todos são exemplares bons e novos, e todos souberam concordar o decoro de Raquel, orando, com o fecundo de Lia trabalhando; e nenhum deixou de guardar a vinha própria, ainda que guardasse as alheias (Cf. Cân 1, 5) e qualquer deles está respondendo à pergunta de como isso pode ser: “vede vós como eu fiz e fazei também assim” (Jz 7, 17).
Responde-se em segundo lugar que o santo exercício da oração está tão longe de fazer despesa do tempo que, antes, o adquire e conserva. Isto por duas causas. Primeira, porque faz o homem mais inteligente e diligente com o que acomoda mais negócios em menos tempo: assim como os papéis cabem mais em uma gaveta se os dobrarmos e amassarmos, do que amontoados sem ordem. Segunda porque a oração nos ensina a entupir aqueles três grandes sumidouros, por onde grande parte do tempo se nos escoa, que são maldade, impertinência e ócio, como dizia Sêneca: “Para os que agem mal, grande parte da vida se perde; para os que não fazem nada, a maior parte; para os que fazem outra coisa, a vida inteira” . Onde se há de advertir que pela partícula “aliud agentibus” se entende tudo o que precisamente não toca ao ofício de cada um; e ao ofício de bispo não tocam coisas familiares temporais da sua casa, mas o ensino das Santas Escrituras, a oração e o pregar, como diz o Concílio de Cartago: “Que o bispo não tome a seu encargo nenhuma ocupação com o patrimônio familiar, mas que, deixando essas tarefas, dedique-se à oração e à pregação da palavra de Deus”. Por onde se observar este sagrado cânone, poupará muito tempo. Terceira, porque Deus usa um especial modo de Providência com os que o buscam na oração, de modo que o tempo lhes cresce insensivelmente, fazendo úteis suas diligências, desviando-lhes os impedimentos contrários, deparando a concordância das ocasiões, iluminando as potências para o acerto dos negócios, e por muitos outros modos imperceptíveis. E, pelo contrário, é regra ordinária da sua Providência permitir que cada um perca aquilo que não estima; assim como, se empregamos mal a saúde ou a fazenda, nos castiga com doenças e infortúnios na mesma fazenda, também, se empregamos mal o tempo, nos castiga enviando-nos ocasiões em que mais o percamos, conforme a Escritura (Sb 11, 17). E de tudo isso procede que nos santos não há dia que não seja cheio (Cf. Sl 72, 10) e nos ímpios a vida é vazia (Cf. Sb 5, 13). Por onde Sêneca (que muitas vezes fala como cristão, e por isso Tertuliano lhe chamou nosso “Saepe noster”, “Com frequência nosso”) disse muito bem que a vida não é curta ao sair da mão de Deus, mas ao entrar na nossa – ele a deu larga e nós a fazemos breve.
Finalmente, quanto ao que se punha, que esta doutrina é mais especulativa que praticável, já está respondido com a praxe dos prelados santos, que as reduziram à obra, e outras de muito maior miudeza, sem a qual não há perfeição, e sem perfeição não há bom prelado. Além de que não sou eu o que dou essas doutrinas, que tão longe estou de as poder dar a pessoas tão veneráveis, que até de escrever aqui a palavra “eu” tenho algum embaraço e confusão; são os Santos Padres, dados por Deus para nossa luz, e outros bispos santos que assim o praticaram e aconselharam. De São Mauro, bispo de Cesena, São Pedro Damião escreve que furtava dos negócios eclesiásticos horas para recolher-se ao seu retiro, dizendo que ia tomar um banho espiritual. Muito mais no número e na importância são as ocupações de um sumo pontífice; todavia, São Bernardo avisou a Eugênio III (com a liberdade de Santo e Mestre) que não se despendesse tão prodigamente nas utilidades alheias que se descuidasse da oração para aproveitamento próprio: “Se queres ser inteiro dos outros como aquele que se fez tudo para todos, louvo essa humanidade, mas se for plena. Mas como seria plena se não incluísse a ti? Portanto, para que seja íntegra e plena, que a humanidade reúna também em seu seio também a ti, que todos acolhes”. E, assim, todas as razões de impossibilidade que pela parte contrária podem alegar-se, só o que convencem é que o prelado não se pode negar aos negócios; porém não provam que não possa poupar-se, como disse o mesmo São Bernardo: “- O que queres que eu faça? Que te poupes dessas ocupações. Talvez responderás que é impossível, que seria mais fácil renunciar à cátedra. Seria assim de fato se eu te exortasse a romper com essas obrigações e não somente a interrompê-las”.
Além de que estes intervalos que o prelado furta para si, tornam como bem os súditos com grandes juros; porque tudo o que lhe cresce no amor de Deus, cresce também no dos próximos; e quando retiram em segredo do poço da sabedoria, tanto vai correr em público nas fontes das praças (Cf. Pr 5, 16-17). Este sentir é comum dos Santos Padres. Santo Agostinho diz: “Antes que seja tarde, tratemos não só a nossa salvação, mas também da deles”. São Lourenço Justiniano diz: “Verdadeiramente, julgo que àqueles outros líderes será necessário afastar-se por um tempo dos fragores exteriores e insistir devotamente na oração; para que, na medida em que eles mesmos sejam donos de si sirvam, com domínio próprio, à utilidade dos próximos”. Pela mesma razão, São Paulino aconselha o mesmo ao bispo Apro. E São Gregório, ponderando Jó (3, 14), diz: “Está bem que aqueles que, através de indústrias humanas, acumulam para si solidões sejam chamados de cônsules. Porque assim edificam para si o deserto do espírito para que, por fim, aquilo em que prevalecem não desistam de cuidar nos outros”.
Logo, temos que, se esta doutrina é especulativa, os Santos Padres tiveram a culpa disso, ou se eles não são culpados, vejamos lá que não sejamos nós por não aderir a ela. Porque, quanto a desculpa de que a oração requer sossego e serenidade de espírito, a qual parece impossível com a vida tão imersa no ativo como é a dos prelados, facilmente se responde que Deus não quer de cada um mais que esse pouco que sua possibilidade alcança; e a sua graça supre o que nos falta; e em meia hora de visita, o Espírito Santo pode deixar mais riquezas na alma do que na de um monge solitário em vinte anos de oração; e que a limpeza da intenção com que as coisas exteriores se tratam é a que nos retira do espírito as suas imagens.
Todo o dito acima defende que a oração mental não é um conselho especulativo para os prelados. E se falarmos não contraídos à doutrina especial da oração, mas geralmente das outras mais que se têm apontado, o que acaba de convencer, quanta perfeição seja necessária nos bispos, quanto cuidado em despender bem o tempo, quanto retiro dos palácios dos reis, quanto sentido em cumprir com as obrigações ainda mínimas, é o caso seguinte que refere São Pedro Damião.
Passando o vão de um rio, um clérigo da Igreja de Colônia de repente viu diante de si, São Severino, Bispo da mesma igreja (o qual já havia morrido), e, pegando ele das rédeas do cavalo, o fez parar; e o clérigo, admirado de ver naquele lugar um homem tão esclarecido em fama de virtudes, o santo lhe disse: “mostra a tua mão e saberás o que padeço, não por palavra minha, mas por experiência tua”. Deu ele a mão e o bispo a pôs na água em que estava; e tanto foi o ardor que ele sentiu, que em um momento lhe derreteu e comeu toda a carne, sobrando só os ossos e nervos esburacados; e, admirado, perguntou como eram tão atrozes seus tormentos, sendo tão notórias as suas virtudes. E o santo respondeu: “nenhuma outra coisa se achou em mim digna de ser punida, senão que, por assistir no palácio do Imperador, me embaracei com negócios do seu conselho; por cuja causa rezava pela manhã juntas todas as horas canônicas para ficar mais disponível na santa assistência. E em pena desta negligência, pagando a obrigação do Ofício Divino, suporto este incêndio. Tu, já que tens experimentado alguma coisa dele, roga ao onipotente Deus que te restitua a carne da sua mão, e te será concedido; e pedirás aos nossos irmãos eclesiásticos, e a outros homens espirituais, que apliquem por mim suas orações e sacrifícios, com que suba a gozar de Deus em companhia dos demais bem-aventurados.
Este é o exemplo verdadeiramente espantoso. Porque, qual seria o teólogo que se, nestes tempos, lhe perguntasse um bispo se poderia sem escrúpulo antecipar a reza de todo dia para assistir aos conselhos do seu rei, não responderia de pronto que bem o podia e que, antes, nisso Deus seria mais servido? Assim o dão certo os autores Navarro, Caetano, Sanches, Soto, e outros que Leandro cita e segue. Transladar e as palavras de um só, o padre Tamborino: “Dentro do tempo em que se recitam as Horas - não nas horas que o clérigo toma para si -, é dado não pecar, certamente, a não ser de maneira venial; e com alguma causa (não é necessário que sejam muitas) nem sequer o venial sob razão privada”. E, contudo, a sentença divina, que não é falível nem injusta, determinou que não podia. Dirão que, neste caso, não havia causa suficiente, porque se a houvesse, é certo que não pecava nem venialmente. Está bem e eu o concedo assim. Porém, a minha pergunta era: quem havia de dizer que a só a causa de servir ao do Imperador não era bastante para escusar esta circunstância da antecipação das horas, quanto mais o ajudá-lo nos seus conselhos? E sendo Santo este Bispo, quem julgaria que ele se afastava em um ponto das doutrinas que devia observar? E, contudo, é certo que a antecipação nele era culpável porque as graves penas do purgatório, respeitando as circunstâncias deste caso, dizem o contrário do que as penas de graves autores falando em comum: nem é de admirar que Deus nosso Senhor, aqueles a quem singulariza nos seus dons, peça observância dos preceitos mais estreita do que indicam as doutrinas gerais, por onde os homens comumente se governam.
Mas, aplicando mais o caso ao nosso propósito, que seria se São Severino rezasse tarde quando só por rezar cedo padeceu tanto? E que seria se nem cedo nem tarde pegasse o Ofício Divino? E que seria se faltasse a outras obrigações mais graves e de mais consequências do que a reza, a qual diz respeito ao clérigo, e não só ao bispo? Logo, as doutrinas que para os bispos se escrevem acerca de suas obrigações e do despender por último o tempo e de fugir de negócios seculares e cortes, são, em rigor, verdadeiras práticas e não somente especulativas. Porque Deus não pede conta senão do que somos obrigados a fazer. É certo que este discurso não tem outra conclusão senão aquele pois o mesmo São Pedro Damião, dizendo: “Ah, ah, que sentença posso esperar eu e os semelhantes a mim a quem carregava tanto peso de Pecados!”
O que dizemos dos bispos e reis, milita proporcionalmente em todas as demais pessoas que têm governo e jurisdição, suposto que em grau inferior: que são os abades, párocos, reitores, vigários, governadores, juízes, etc., e em todos os prelados regulares de um e outro sexo. Cada um destes é vigia do seu rebanho e, assim, com cada um fala aquela ameaça de Deus: “se a sentinela ver que o inimigo chega e não tocar a trombeta; e por esta causa o povo não se resguardar e, com efeito, alguém dele padecer, é verdade que perece por seus pecados; mas eu pedirei conta de sua desgraça à Sentinela e esta me pagará” (Ez 35, 6). Aprendamos bem que cada palavra tem profundo espírito. Que coisa é o “inimigo chegar”, senão os demônios fazerem invasão nos fiéis com suas tentações, procurando corromper os costumes, depravar as leis e introduzir abusos? E que coisa é “tocar a trombeta”, senão os que têm cargo de reger almas pregando, admoestando, repreendendo e ensinando, avisarem logo do perigo? “Pois se estes”, diz o Senhor, “deixarem de acudir a estas obrigações e, por isso, se perder alguma alma, ela se perde por seus pecados pessoais, mas eu cobrarei isso aos que tinham de vigiar, porque, se vigiassem, não se perderia”. Agora, como, com esta vigilância que o Senhor pede, se com este tocar da trombeta que encomenda, gasta tanto tempo em caças, pescarias, jogos, conversas, negócios particulares, tratos e contratos para o aumento da fazenda, demandas, jornadas, familiaridade com parentes e dependência deles; e, por outra parte, tão pouco para o estudo, oração, no confessionário, altar e púlpito, para conhecer as ovelhas e informar-se das necessidades de cada uma, eu verdadeiramente não posso entender, só sei que, por culpa de semelhantes pastores descuidados, muitas almas se condenam; e a retidão da Divina Justiça pede que também condene-as, pois nisso tiveram culpa; como disse Santo Efrém: “O sangue daqueles que, por negligência dos arcebispos, dos pastores e dos presbíteros se perderam, será colocado na conta do seu guiamento”. É que os inimigos do gênero humano gostam muito que as sentinelas durmam, porque então fazem eles o seu ataque.
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BERNARDES, Manoel. Os últimos fins do homem, São Paulo: Molokai, 2018, pp.304-324.
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