O DIA 31 de OUTUBRO é um dia de dor para os católicos – não por causa do “dia das bruxas” ou coisa do tipo, mas porque é o dia em que se comemora um filho pródigo que, ao invés de se arrepender do seu erro, orgulhou-se do fato estar comendo lavagem de porcos ao invés de participar do banquete na casa de seu pai.
Hoje se comemora a trágica revolução levada a cabo por Martinho Lutero, monge agostiniano muito amado pelos revolucionários e cujo trabalho consistiu em depredar a própria casa. Neste texto eu trouxe à luz alguns escritos do Heresiarca que deixariam o próprio Crowley de cabelo em pé e hoje trago à luz a análise feita pelo Venerável arcebispo Fulton J. Sheen sobre seu pensamento.
Muito antes do século XVI, o sobrenatural já havia sido objeto de ataques e dissensões. Santo Agostinho teve a necessidade de defende-lo contra os pelagianos. Em 1311, o Concílio de Viena defendeu o sobrenatural contra os begardos e os beguinos, que asseguravam que toda natureza intelectual tinha naturalmente sua bem-aventurança em si mesma, e que, pelo mesmo, não necessitava da glória para subir à visão beatífica. Mais tarde, sob o pontificado de João XXII, certas proposições de João Eckhart foram condenadas, porque tendiam a suprimir o natural em favor do sobrenatural em sentido panteísta.
Mas nenhum destes erros chegaram a constituir uma tradição, como começaram a formá-la os que surgiram em tempos da Reforma. A teologia de Lutero é realmente a primeira semente de uma tradição referente ao sobrenatural, que em último termo incluía a completa eliminação de toda ordem de graça e de justificação.
Lutero, naturalmente, não elaborou sua teologia do sobrenatural fora de certos limites, porque realmente não existe homem algum completamente desligado do tempo em que vive. Mas havia certos antecedentes, em sua vida assim como em sua doutrina, e o mesmo em sua história, que prepararam o caminho para uma mais completa evolução.
As duas ideias principais que formavam o fundo das doutrinas de Lutero referentes às relações da graça com a natureza eram:
1- A doutrina da corrupção essencial da natureza humana.
2- O nominalismo dos escolásticos em sua decadência.
[...]
O pecado e a graça, segundo Lutero, coexistem no mesmo ente, pois a natureza humana é essencialmente pecadora e a graça é unicamente uma cobertura desta maldade e de nenhuma maneira afeta intrinsecamente a natureza humana. A conclusão que se segue é que a virtude e o vício podem coexistir, e Lutero assim o admite .
Os ensinamentos de Lutero referentes à natureza humana podem ser resumidos nas seguintes proposições:
1- A justiça original no Paraíso terreno era o estado natural do homem. O que o pensamento tradicional chamou de “dons” foram “tão naturais para o homem como o é receber a luz em seus olhos”.
2- Logo quando o homem perdeu esses dons por sua queda, perdeu o que era natural para ele e para sempre passou a ser “desnaturalizado”, para dizê-lo assim, no sentido de que sua natureza começou a ser intrínseca e essencialmente viciada e corrompida.
3- A concupiscência, que é a inclinação ao pecado e é “invencível”, é o mesmo que o pecado original.
4- A concupiscência continua durante toda a vida, o mesmo que o pecado original. A graça, o batismo, a penitência, de nenhuma maneira afetam nossa corrupção intrínseca. Logo, todos os atos que procedem de nossa natureza são pecaminosos, porque nossa natureza é pecaminosa. “Nós todos somos uma massa perdida”.
[...]
Estas são as duas forças que prepararam o caminho à distorção luterana da noção de graça, ou seja: sua doutrina referente à impossibilidade de vencer a concupiscência e da corrupção intrínseca da natureza humana – ainda que possivelmente o deduzisse de sua própria experiência. Influenciou nele também a doutrina nominalista, que assegurava que o sobrenatural era aceitável – não porque realmente fosse de mais valor que o natural, mas somente porque Deus o havia querido aceitar mais. Disto Lutero tirou sua doutrina da imputabilidade dos méritos de Jesus Cristo.
Duas consequências se tiram destas influências, as quais perduram até hoje, mas de formas diferentes:
1- A Religião deixou de ser o compêndio dos serviços do homem a Deus e passa a ser o resumo dos serviços de Deus ao homem. Em outras palavras: a religião começa a ser antropocêntrica em lugar de teocêntrica.
2- A noção tradicional da superposição da natureza e da graça é abandonada pela noção de sua justaposição.
[...]
A ordem sobrenatural é simplesmente uma imputação e não uma renovação. E nesta justaposição da natureza e do sobrenatural encontram-se as sementes de todas as justaposições desde então até agora: justaposições que chegam a coisas tais como a oposição entre a ciência e a religião, a fé e a ciência, a autoridade e a experiência, o misticismo e a lógica. A história está cheia destas manifestações do erro, que começaram com a separação da Cabeça e do Corpo – do que, como Chesterton escreveu, sucedeu que “os Reformadores tentaram degradá-lo tirando-lhe a mitra, mas com isso lhe arrancaram-lhe a cabeça” e desde aquele dia em diante o mundo é um corpo errante através dos séculos, sem cabeça, finalmente contente em ser um corpo formado pela irmandade entre os homens – esquecidos de que nunca poderemos chamar-nos realmente de irmãos enquanto não aprendermos chamar Deus de Pai.
[...]
Sempre causará estranheza aos que se dedicam ao estudo não só das doutrinas, mas também dos homens, como foi possível que alguns pensadores tenham nomeado Lutero como um “grande apóstolo do progresso”, sendo que seu princípio inicial – a intrínseca corrupção da natureza humana – torna impossível todo progresso. E é igualmente surpreendente que ele proclamasse a frase “verdadeira e perdurável união com Cristo”, sendo que Cristo resultava de certa maneira extrínseco e como um estranho a nós, como o é uma roupa, um casaco. Sua teoria dá pouquíssimo crédito ao homem porque o faz irremediavelmente corrompido, e por isso, também dá pouquíssima importância a Jesus Cristo, porque reduz sua redenção a ser puramente nominal e putativa. Finalmente, é realmente difícil entender que Lutero tenha podido ser exaltado como o grande apóstolo da razão, sendo que ele a depreciava grandemente. Isto é o que diz de Lutero o professor McGiffert, que não fica atrás na glorificação da teologia moderna: “Falava com grande desprezo da razão humana e denunciou assim os escolásticos como aos humanistas, porque se apoiavam nela; mas quanto a isto era mais rigoroso que seus congêneres, o desprezo da razão natural em relação às coisas divinas foi a característica do movimento de reforma tomado em seu conjunto”.
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Venerável Fulton Sheen. Religion without God, capítulo IV, trad. de Igor Andrade (Fr. Laical S. Próspero, 2020.
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