Religião, pautas morais e política


Pelo Revmo. Pe. José Eduardo

HÁ ALGUNS ANOS, circula na imprensa a ideia de que há grupos especialmente interessados em "pautas morais", enquanto outros estão mais preocupados com "pautas sociais" ou algo que o valha. Nada disso tem real precisão terminológica. Pelo contrário, trata-se de uma linguagem artificialmente construída com o objetivo de desorientar as pessoas. Digo e explico.


    Quem quer que seja minimamente formado na filosofia política sabe que, por exemplo, Aristóteles, em sua "Política", começa justamente a sua reflexão sobre a formação da Polis (cidade, em grego) pela análise do que é a família, visto ser esta a sua célula madre (conceito que comparece até em nossa Constituição Federal). Partindo dali e percorrendo toda a filosofia política, veremos, sempre, a relevância do tema. 


    O próprio Montesquieu afirmou, em seu "Espírito das Leis", que "as leis da educação são as primeiras que recebemos. E, como elas  nos preparam para sermos cidadãos, cada família particular deve ser governada de acordo com o plano da grande família que abrange todas" (IV,1).


    Do mesmo modo, Rousseau reconhece que "a mais antiga de todas as sociedades e a única natural é a da família… É a família, portanto, o primeiro modelo das sociedades políticas" (Contrato Social, I, 2). Thomas Hobbes, igualmente, entendia que "tal como então faziam as pequenas famílias, assim também fazem hoje as cidades e os reinos, que não são mais do que famílias maiores" (Leviatã, II,17). Hegel dizia que a missão da família "consiste em pôr o Singular (isto é, o indivíduo) fora da família, em subjugar a sua naturalidade e singularidade, e em educá-la para a virtude, para a vida no – e para o – universal" (Fenomenologia do Espírito, VI, 451). O próprio Marx, em sentido contrário, percebe que a família é "a forma celular da sociedade civilizada" (Engels, A origem da família, da propriedade e do Estado, II,4).


    Portanto, não existem as tais "pautas morais". O que existem são "pautas políticas", mesmo. E, numa democracia, a sociedade em questão precisa decidir quais males tolerar e quais bens tutelar, tendo em vista não apenas as suas necessidades pragmáticas, mas especialmente as ameaças a esses bens, oriundas da política externa.


    Qualquer um que queira relegar temas como "aborto" e "ideologia de gênero" ao âmbito privado, está apenas ocultando a relevância pública dos mesmos para a organização da sociedade que queremos; ademais, quem quer que afirme que falar sobre isso é apelar para o medo, afim de colocar uma espécie de cabresto sobre as consciências, está apenas agindo como anestésico diante de um perigo grave e real.


    Não é suficiente que um político afirme que é contra o aborto, quando já disse e agiu em sentido contrário tantas outras vezes; tampouco podemos nos contentar com alegações de consciência como as de quem diz que "jamais faria tal coisa" se isso não estiver respaldado num compromisso histórico em rechaçá-las de maneira firme e inequívoca.


    A grande pergunta aqui não é sobre o que pensa fulano ou sicrano, mas sobre efetivamente o que FEZ e está disposto a FAZER. Política, para além de discurso, e sobretudo, é uma ciência de ações. E é aqui que a religião, como elemento constitutivo de uma sociedade, não se pode calar: se a democracia é um espaço em que uma sociedade se comporta em conjunto de acordo com todas as suas crenças e convicções, tais pautas políticas são do interesse de todos e não podem ser relegadas a uma espécie de sub-ítem inventado pela mídia apenas para ser mais facilmente ridicularizado por ela.


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