Alguns dizem que a desgraça aconteceu porque não rezamos o suficiente, e que, agora, só se pode aceitar a dor e oferecer o sacrifício a Deus. De minha parte, digo que não tenho como estimar se as orações foram suficientes ou não. Mas sei que as orações às vezes são atendidas, outras não, por muitas razões. E sei que rezamos muito: houve cruzadas de Rosários, correntes de oração e novenas suplicantes por toda parte.
Especialmente quero lembrar, neste momento, que até mesmo Nosso Senhor, o Filho de Deus em pessoa – a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade –, prostrou-se em terra e, de joelhos, suplicou insistentemente ao Pai, quando chegou a hora do triunfo dos maus e o poder das trevas. Ele, Deus mesmo, implorou com grande angústia, até suar sangue... "Se for possível, afasta de mim esse cálice...". E não foi atendido.
Assim foi, porque para aquilo mesmo é que Ele viera ao mundo, e os desígnios de Deus são insondáveis. E se assim foi com Jesus, o que se dará conosco? Acaso o servo é maior que seu Senhor?
Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu Corpo que é a Igreja.
(Cl 1,24)
A Igreja é o Corpo Místico de Cristo. Cada um de nós, batizados, fomos como que enxertados no seu Corpo Místico. Somos seus membros visíveis e continuamos a sua encarnação na História. A Igreja é um Mistério divino, não apenas uma instituição humana, e se esse Corpo deverá sofrer também a sua Paixão, então as orações para evitá-lo não serão atendidas. Este é um jeito de ver as coisas.
Outro jeito de ver as coisas é lembrar do exemplo dos nobres Cristeros. Diante de um governo ateísta e injusto, cruel perseguidor dos cristãos, foi preciso que estes se levantassem e resistissem. E foi preciso que lutassem. Sem dúvida, era isso o que eles deviam fazer. E o fizeram, e triunfaram. Deus nos envia essas provações, muitas vezes, para por à prova a nossa fidelidade e a nossa adesão ao Evangelho. Mas, para fazer como os Cristeros, algumas coisas são necessárias, sendo a primeira de todas a clareza da Fé e de objetivos, algo que, depois de décadas de apostasia na Igreja, já não temos mais.
O que vemos agora são pessoas de boa vontade e temperamento colérico querendo fazer como fez São Pedro, que desembainhou a espada para ferir o soldado que vinha prender o Cristo, mas foi repreendido. Querem sair às ruas e resolver tudo na marra, de imediato, com luta e ações intempestivas, mas sem uma união organizada, sem estratégia e sem coordenação, sem nenhuma estrutura operacional, sem um comando central, o que torna o sucesso impossível.
Outros são conformados, no pior sentido da palavra, e se acomodam, dizendo que não adianta, que enquanto povo não podemos fazer nada, que no fim das contas só resta aceitar que somos como peões em um grande tabuleiro, numa espécie de jogo viciado e cujo resultado já está decidido, porque foi comprado pelo adversário.
Outros tantos ainda continuam alienados, tentando fugir da simples realidade dos fatos, que (compreensivelmente) lhes parece insuportável; fecham os olhos para as evidências e, com muita criatividade, inventam novos boatos a cada instante. Se o Presidente é filmado sorrindo, logo dizem: "Ele está feliz! Vai sacar aquela carta da manga, vai apresentar as provas de fraude e tudo será resolvido!". Se Moraes sai calado de uma reunião: "Olha lá, está com medo, vai ser preso, a vitória é nossa!". Há uma grande quantidade de áudios e vídeos circulando entre grupos pelo Brasil afora, nos quais se afirma que tudo está planejado, que há provas incontestáveis dos crimes cometidos que vão resolver tudo, que a qualquer momento o Presidente vai tomar uma atitude, vai decretar uma intervenção federal, que o exército vai assumir o controle da situação, que o STF será dissolvido, que Lula será novamente preso, etc., etc...
Todos esses conteúdos são continuamente desmentidos, mas novas estórias continuam a surgir a cada instante. Destas muitas lorotas, uma bem persistente mencionava que tínhamos que esperar 72 horas para que o Presidente anunciasse a grande virada, já que ele tinha pedido que o povo saísse às ruas demonstrando apoio, para então poder agir...
E tudo isso aconteceu, e o povo saiu às ruas (mais uma vez), bravos caminhoneiros fecharam as estradas, pais e mães de famílias tomaram as vias púbicas com bandeiras e faixas diante dos quartéis... Vivemos dias históricos, de movimentação popular nunca vista por todo o país, em todas as capitais e até nos pequenos municípios, inclusive no Norte e no Nordeste, com os vermelhos encolhidos, provavelmente assustados (curiosamente, como antes, não vimos a tal maioria esmagadora de eleitores de Lula)...
...Mas, mesmo assim, mais uma vez nada aconteceu e nada mudou. Trabalhadores honestos prostrados de joelhos nas estradas foram varridos, debaixo de jatos de água de alta pressão e bombas de gás lacrimogêneo. E novamente Bolsonaro veio dizer que vai jogar dentro das tais "quatro linhas", que só ele parece enxergar e que só ele respeita. Sim, a maneira como se deram essas eleições foram escandalosamente desonestas; sim, fomos desacatados em nossos direitos mais básicos de cidadãos; sim, a Constituição foi rasgada inúmeras vezes. Mas o fato é que a transição para o novo governo já foi anunciada e já está sendo planejada.
A verdade nua e crua é que o tal do "Mito" fala grosso, e tantas vezes falou aquilo que queríamos ouvir, porém, em quatro anos de governo, suas ações nunca acompanharam as suas falas. De minha parte, não serei um crítico demasiadamente ácido desse pobre homem atormentado. Para alguém fazer o que Bolsonaro tentou fazer, é necessário que tenha vocação para o martírio, algo que ele nunca teve, e precisamos conceder que o martírio não é algo que se possa exigir do outro, mas sim uma coisa que só nós mesmos é que podemos assumir. Todos temos nossas famílias e nossos filhos, então, deixarei o julgamento público para Nosso Senhor.
Agora, enquanto muitos continuam se apegando a fábulas, nessa patética tentativa de fuga da realidade – sendo que a verdade deveria ser a regra para as nossas ações, como há tempos já disse um grande filósofo brasileiro[1] –, o que realmente precisamos é de serenidade, união e organização para elaborar estratégias, com persistência e muita paciência, assim como eles sempre fizeram.
Nesse momento grita alto uma famosa e certeira sentença de Olavo de Carvalho (que pode ter sido um católico pífio, mas em termos de política acertou muito), a seguinte:
Tantos, hoje, dizem querer o Brasil de volta, e em vista disso gritam: "Bolsonaro!" Não quero ser estraga-prazeres, mas os comunistas não começaram a nos tomar o Brasil pela Presidência da República. Tomaram primeiro as universidades, depois a Igreja Católica e várias das protestantes, depois os sindicatos, especialmente de funcionários públicos, depois a grande mídia, depois o sistema nacional de ensino, depois o sistema judiciário, depois os partidos políticos todos, e por fim, depois de quarenta anos de esforços, a cereja do bolo: a Presidência da República. Vocês acham realmente que tomando a cereja de volta o bolo inteiro virá junto?
(Olavo de Carvalho no Twitter em 29/11/2016)
Terrivelmente verdadeiro. Sim, a primeira coisa que se faz necessária é serenar os ânimos. Estamos vivendo como que um estado de luto, com os seus 5 estágios clássicos, começando pela negação, depois a ira, avançando para a barganha (quando o enlutado tenta negociar consigo mesmo ou com Deus na tentativa desesperada de aliviar a dor), e então a depressão, até que venha, por fim, a aceitação. É a duríssima realidade. Precisamos criar coragem para encarar a situação, tão feia como é. Nosso único caminho não passa por quimeras e fantasias que só fazem perder tempo.
[Aqui abro parênteses para confessar que por um instante eu mesmo cheguei a acreditar que seria possível que ocorresse uma intervenção, porque me pareceu que realmente havia indícios nesse sentido. Recebi muitos vídeos mostrando militares que sinalizavam apoiar o levante popular, dando a entender que se negariam a obedecer ordens superiores injustas. E, talvez, isso tenha sido cogitado em algum lugar, em algum momento... eis aí algo que provavelmente nunca saberemos. Agora, porém, está mais do que claro que nada acontecerá, além da concretização do triunfo dos maus.]
Isso é diferente de se conformar, de aceitar, de se render e se prostrar, aceitando que o mal triunfe. Fique claro que não é isso o que proponho; o que digo, falando claramente, é que precisamos, primeiramente, de três coisas: 1) precisamos nos acalmar; 2) precisamos nos unir e 3) precisamos nos organizar para começar a agir, sendo que tudo começa por uma boa e efetiva formação.
Antes de tudo, esfriemos as nossas cabeças. Depois, precisamos com muita urgência nos unir; vimos que a derrota se deu, em grande medida, porque uma grande quantidade dos que votaram contra o PT há quatro anos, agora se colocaram como isentos, neutros, omissos. E isso aconteceu por conta de muita arrogância de lideranças que querem mais do que tudo ter razão. Essa desunião precisa ser superada, e isso se faz com a detecção do inimigo comum. Depois disso, é planejar, e isso leva tempo. Só então, partir para a ação, o que deve ser feito de modo organizado e persistente, com muita paciência. Foi assim que eles nos superaram, mesmo sendo minoria. Voltaremos a falar a respeito. Deus vos guarde a todos. Viva Cristo Rei!
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"A verdade como regra das ações" é o título do luminoso "Ensaio de filosofia moral como introdução ao estudo do direito", escrito pelo filósofo cearense Raymundo de Farias Brito (1862–1917).
A paz de Jesus Cristo.
ResponderExcluirOlá, caro irmão Henrique Sebastião, creio que o texto acima seja seu.
Perfeita análise, apenas lhe informo que vc. colocou Jesus como a Terceira Pessoa, e não a Segunda. Normal, esse tipo de equívoco, quando estamos tensos pelo momento em que vivemos agora.
Sobre as falhas do atual presidente: ele foi batizado na Santa Igreja, depois aceitou ser "batizado" em piscina protestante, isso já faz com que a visão dele sobre enfrentamos dos problemas que surgem a quem ocupa cargos de muita responsabilidade, seja dificultada, falha, omissa, etc. Se ele nem sabe que apenas um batismo é válido, quanto mais, o resto!
Explico: quando a nossa fé se torna flexível, ou seja: possamos estar em uma Igreja Católica ou Protestante, tanto faz orar em uma ou outra, isso, sem que saibamos, altera o nosso poder de análise em situações complexas.
Penso que o fato do presidente, cujo mandato se encerra em 31 de Dezembro, ser bipolar, dúbio em muitos aspectos, quanto a manter posições firmes, corretas, em defesa do que é certo, em ter um vigor para lutar contra o que está errado; está associado as posições dúbias que ele ele tem sobre Religião. Claro, é um dos fatores, mas é, para mim, o principal.
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Ora ele vai às Igrejas Protestantes e fala com vários pastores, participa de vários cultos, ora ele vai à Santa Missa, Consagra o Brasil à Nossa Senhora, etc. É óbvio que isso não está correto.
Ele perdeu a eleição, principalmente, por culpa dele mesmo, pois entre outras falhas; nada fez de concreto, com vigor em lutar, contra a decisão de soltura do ex-presidente e ex-sindicalista, condenado por crime de corrupção.
Talvez ele tenha pensado que seria o adversário ideal, pois nunca seria eleito em razão da condenação e soltura, sem um perdão oficial ( que nunca poderia vir da Suprema Corte, mas sim da Presidência da República, até onde eu sei ), logo o povo o rejeitaria? Isso nunca saberemos.
Bolsonaro cometeu erros, com certeza. Apenas ele? Não, mas ele não soube antecipar ações que poderia neutralizar a vitória do seu oponente, isso é fato.
Bem, sigamos em frente, pois Jesus Cristo disse: " Meu Reino não é desse mundo...", portanto, ficar esperando um "salvador" humano, comum como nós, e não digo que seja o seu caso, caro Henrique, nem dos demais irmãos aqui; nunca irá acontecer, pois políticos são homens com falhas, erros. Apenas no Pai podemos confiar.
"Ah, mas alguém tem que governar aqui...", claro, então, que saibamos escolher melhor daqui pra frente.
Salve Maria!
Abs.
Muito obrigado pelo aviso quanto ao meu lapso absurdo. Sim, ando fazendo tudo como que "pela metade" nestes últimos dias. Mas ainda de pé e lutando, até que Deus o queira.
ExcluirPrecisamos de bons líderes católicos, que ainda não temos, se quisermos sonhar com o dia em que não seremos mais obrigados a escolher entre o ruim e o pior. Para que esses bons líderes venham, temos um longo caminho a percorrer.
Fraternidade Laical São Próspero