A QUARESMA É O PERÍODO de quarenta dias de penitência que faz a Igreja em memória dos 40 dias e noites que Nosso Senhor passou jejuando no deserto antes de iniciar o seu Ministério, os quais precedem a Festa da Ressurreição do mesmo Cristo.
Segundo grandes Doutores da Igreja, como São Roberto Belarmino e Cornélio a Lápide, foram os Apóstolos que diretamente instituíram a Quaresma, como preparação para que possamos celebrar dignamente a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Festa maior do Cristianismo.
Por que são mais de quarenta dias?
São, de fato, 46 dias entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa, embora estejamos celebrando 40 dias de penitência. Isso é assim porque no catolicismo os domingos não são dias de penitência, e desse modo são excluídos da contagem. Cada domingo é, para nós, como uma Páscoa, o Dia do Senhor em que, pela Tradição apostólica, celebra-se o Mistério Pascal, devendo ser evitados nesse dia todo ato ou gesto que exprima tristeza. Diga-se de passagem que, realmente, que é um dever de todo cristão ser feliz, e até os nossos sacrifícios, bem como nossas tribulações e padecimentos, devem ser oferecidos a Deus e suportados com alegria[1]. Assim, descontados os domingos entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa da Ressurreição, temos 40 dias.
O que significa a penitência prescrita para a Quaresma?
A Quaresma é um tempo especialmente favorável à prática da penitência para os cristãos. Como já dito, fazer penitência não é sinônimo de procurar a tristeza: tratam-se de exercícios espirituais, peregrinações, privações voluntárias, que visam domar a mente e o corpo sempre inclinados ao pecado, como o jejum, a esmola consciente, as obras de caridade, as atividades missionárias, etc. É um tempo de fortalecimento espiritual e de renovação da Fé, no qual devemos fazer despertar nosso amor e nosso interesse pela vida interior e a intimidade com Deus, junto com essa correção das ações e uma espécie de treinamento espiritual que visa o controle das paixões.
Hoje há uma noção completamente distorcida até da palavra penitência. Muitos a repudiam, achando que se trata de exagero ou fanatismo que não tem a ver com a pregação de Cristo. Mas os próprios Evangelhos mostram que o Senhor Jesus iniciou já a sua pregação exortando à penitência: “Fazei penitência, porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt 4,17). Rejeitar a penitência é rejeitar a pregação de Cristo desde o princípio.
No fim e em resumo, penitenciar-se é buscar a verdadeira liberdade, isto é, libertar-se da escravidão dos sentidos. Cristo disse que “quem comete pecado é servo do pecado”, porque aquele que peca, por livre vontade se faz escravo, obedecendo à própria concupiscência. Foi sobre essa desordem que nos preveniu o Apóstolo, ao dizer: “Não reine o pecado em vosso corpo mortal” (Rm 16,12). Observemos atentamente a expressão que ele usa aqui: “Não reine”. Ele sabia que, enquanto nosso corpo é mortal, não podemos afastar dele a concupiscência, de modo que não habite em nosso corpo. Todavia, ao menos devemos ter todo o cuidado para que ela não “reine” em nosso corpo.
Quem peca, não só serve à sua concupiscência, mas fica em estado de escravidão para com aquilo que o vence: “Cada um é servo daquele pelo qual foi vencido” (2Pd 2,19). Faça o homem o que quiser, não poderá mais tirar de si essa miserável escravidão, uma vez que nela se colocou voluntariamente. Só a Graça de Deus poderá libertá-lo. “Eu sou o Senhor vosso Deus, que quebrou as cadeias de vossos pescoços, para fazer-vos caminhar de cabeça erguida” (Lv 26,13). É coisa realmente muito clara que todo aquele que se encontra em estado de pecado, está, de fato, em estado de verdadeira escravidão. A penitência é justamente um gesto de boa vontade de nossa parte, no sentido de mostrar a Deus que realmente queremos nos libertar, queremos, com o auxílio da Graça eficaz, vencer nossos defeitos e vícios por amor a Ele.
É importante, por fim, entender que a verdadeira penitência, ou a sua essência, é interior, situando-se muito além das práticas exteriores, como deixar de comer algo de que se gosta muito. As práticas exteriores de nada valem sem a verdadeira penitência, que se dá na alma, no interior da pessoa. "Rasgai vossos corações e não vossos vestidos; convertei-vos ao Senhor vosso Deus, porque Ele é benigno e compassivo" (Jl 2,13). O desejo sincero, portanto, firmado no amor a Deus – Sumo Bem e o Doador de todos os bens para nós –, sobre todas as coisas, é que move a alma devota à fazer verdadeira penitência.
A virtude da penitência exige, por consequência, dois propósitos honestos: 1) o de reparar todo mal cometido e 2) o de não tornar a pecar no futuro. Projeta-se na tripla determinação de deixar para trás passado, sem voltar a olhar para trás, trabalhar, no presente, pelo aperfeiçoamento, com a reparação de todo dano causado; e, para o futuro, o propósito da emenda e de uma vida nova.
Como é o jejum prescrito para a Quaresma?
A justa medida pregada por Santo Agostinho é uma via excelente para toda a vida e deve mediar todos os nossos atos de piedade. Assim como dietas radicais não funcionam para quem precisa emagrecer, porque ninguém consegue perseverar nelas por muito tempo, assim também o exagero não funciona no caso da penitência. Não adianta querer se entregar às mais severas mortificações sem o devido preparo. A tendência de todo aquele que exagera é desistir, o que é frustrante para alma e, em última análise termina por levar ao perigo da perda da fé.
O Senhor Deus mesmo quis que os sacrifícios que lhe eram oferecidos com as vítimas no Antigo Testamento fossem substituídos pela misericórdia e o louvor sincero: “...Voltai-vos ao Senhor, e dizei-lhe: ‘Nós vos oferecemos, em vez de bezerros, as homenagens de nossos lábios’” (Os 14,3); "Misericórdia quero, e não sacrifícios" (Mt 9,13). Procuremos, então. antes de tudo amar a Deus, dar testemunho d'Ele com nossos lábios e nossas vidas e adquirir o hábito de praticar as virtudes. Nosso jejum deve ser consciente e deve ser um reflexo dessa disposição interior.
Quando sou obrigado a fazer jejum e abstinência?
Falando concretamente, muitos que não entenderam ainda o verdadeiro significado do tempo santo da Quaresma preocupam-se exclusivamente em saber a que estão obrigados, porque querem fazer apenas o mínimo. Saibam que a abstinência e o jejum são prescritos pela Igreja como obrigação somente na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor.
O que significa 'jejum e abstinência', conforme prescritos para a Quaresma?
• O jejum prescrito pela Igreja consiste em tomar somente uma refeição completa no dia determinado, e abster-se (não comer) ou ingerir o mínimo em substituição às outras duas refeições principais.
• A lei da abstinência consiste em não comer carne animal, seja bovina, suína, de animais de caça ou aves no dia determinado.
Esses preceitos obrigam todos os que tenham completado catorze anos e duram para toda a vida. Estão desobrigados os que completaram sessenta anos e os enfermos (CDC, cân. 1252), e desprezá-los consiste em pecado grave. Fora isso, em toda sexta-feira do ano (que não caia em algum dia de Solenidade que o desobrigue) deve o católico abster-se do consumo de carne, a não ser que substitua essa abstinência por outro sacrifício ou obra de caridade.
Aí está o que é de obrigação para todo católico. Já para os que procuram avançar na conversão, crescer em santidade e alcançar realmente o Céu, é interessante fazer um pouco mais, oferecendo a Deus essa disposição, como prova de amor e gratidão. Pode-se praticar o jejum, por exemplo, em um certo dia da semana, talvez pulando uma das refeições ou fazendo-a minimamente. Pela manhã, aqueles que estão acostumados a comer muito podem tomar apenas um copo de leite ou comer uma fruta, e não consumir mais nada até o almoço, sempre em um determinado dia da semana, durante esse tempo santo. E que lembrem-se sempre de oferecer esse pequeno sacrifício a Cristo Crucificado, por suas dores e angústias, sofridas pela nossa salvação.
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[1] "Verdadeiro sacrifício é todo o acto realizado para se unir a Deus em santa comunhão e poder ser feliz". (Santo Agostinho, De civitate Dei. 10, 6: CSEL 40/1. 454-455 [PL 41, 283]).
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