RECEBI RECENTEMENTE, DE UM inscrito em nossa Formação católica integral e permanente pela FLSP, cujo nome não estou autorizado a divulgar, uma pergunta de extrema pertinência, a respeito do novo Catecismo da Igreja Católica, em especial, de um trecho complicadíssimo, a saber:
841. Relações da Igreja com os muçulmanos. «O desígnio de salvação envolve igualmente os que reconhecem o Criador, entre os quais, em primeiro lugar, os muçulmanos que declarando guardar a fé de Abraão, conosco adoram o Deus único e misericordioso que há de julgar os homens no último dia».
Queria este consulente, especialmente, saber se o Catecismo é sempre infalível e, sendo assim, como poderia o trecho em questão contrariar documentos e definições anteriores, já que, claramente, os muçulmanos não professam a mesma fé que os católicos, nem adoram o mesmo Deus. Ora nós cremos na Santíssima Trindade, e cremos em Deus Filho, que é Jesus Cristo, como substancialmente igual ao Pai e ao Espírito Santo. Mas eles creem em Jesus como um mero profeta, aliás um profeta secundário. "Alá", então, não é nem pode ser o mesmo Deus dos cristãos, isso é heresia, não importa quem o esteja dizendo.
Reproduzo aqui, a partir deste ponto, a minha resposta, considerando que possa vir a ser útil, pela Graça de Deus, aos nossos leitores d'O Fiel Católico. Segue.
A questão é bem mais complexa do que parece. Para começar, o Catecismo atual (de João Paulo II) é totalmente diferente dos outros catecismos que a Igreja tivera até então. Os anteriores eram como manuais abreviados da Fé; todos serviam como uma espécie de introdução completa à Doutrina da Igreja, elaborada mais especialmente para a instrução dos catecúmenos (os que receberiam a instrução preliminar em Doutrina e Moral para serem admitidos entre os fiéis), mas também para os leigos católicos em geral.
A diferença dos antigos para o atual é que os catecismos antigos eram simplificados e redigidos com uma linguagem muito precisa e bem objetiva, com todas as principais questões de Doutrina e Moral explicadas, com total clareza, não deixando margem para dúvidas. Já o Catecismo atual – que não foi escrito para a instrução dos leigos, mas nasceu como texto-base para servir de subsídio aos bispos, que deveriam então se servir dele para elaborar seus próprios manuais –, contém a linguagem confusa e quase sempre dúbia dos documentos pós-Vaticano II[1], além de ser muitíssimo mais extenso, abordando questões alheias ao Dogma. Assim, há aí determinadas normas ligadas a certas disciplinas, exortações, orientações meramente pastorais, etc. Estas não são dogmáticas e, sim, podem ser mudadas.
Isso posto, é fundamental compreender que o Magistério da Igreja – nenhum teólogo, nenhum bispo e nem mesmo qualquer Papa –, não pode estabelecer uma "nova Doutrina", uma "nova verdade" de Fé ou um novo dogma que contrarie aquilo que já havia sido definido anteriormente pelo Magistério como infalível.
Ora todo o ensinamento magisterial, desde que a Igreja existe, desde as Sagradas Escrituras, os Padres da Igreja e todos os documentos que decretam verdades infalíveis (e imutáveis) definem categoricamente que não há salvação fora da Igreja (Extra Ecclesiam nulla salus). São muitíssimas declarações dogmáticas definidas ex-cathedra nesse sentido, mas eu poderia citar, antes de tudo, São Paulo Apóstolo inspirado pelo Espírito Santo:
Há um só Corpo (Igreja) e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só Fé, um só Batismo; um só Deus e Pai de todos, o Qual é sobre todos, e por todos e em todos vós. (Ef 4ss)
Os muçulmanos incluem-se entre os batizados? Não. Então a própria Bíblia, que é o Documento infalível por excelência, já resolve de vez a questão. Mas podemos citar também que a mesmíssima coisa foi definida dogmaticamente (ex-cathedra/infalivelmente), mais de uma vez. Vejamos:
Há apenas uma Igreja universal dos fiéis, fora da qual absolutamente ninguém é salvo.
(SS. Papa Inocêncio III, IV Concílio de Latrão, 1215)
Declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao Romano Pontífice (logo, à Igreja Católica).
(SS. Papa Bonifácio VIII, Concilio de Roma, 1302)
Os muçulmanos integram a Igreja Católica? Estão sujeitos ao Romano Pontífice? Não.
Também o Concílio de Florença (pelo Papa Eugénio IV em 1442), definiu que:
A Santíssima Igreja Romana crê firmemente, professa e prega que nenhum dos que existem fora da Igreja Católica, não só pagãos como também judeus, heréticos e cismáticos, poderá ter parte na vida eterna; mas que irão para o fogo eterno ‘que foi preparado para o demónio e os seus anjos,’ (Mt 25,41) a não ser que a ela se unam antes de morrer(...)
Obviamente, os muçulmanos são incluídos aí. Então, veja que nada nem ninguém – nenhum catecismo, nenhum padre, nenhum bispo e nenhum Papa –, pode desmentir, contrariar, renegar ou desdizer aquilo que já está definido como Verdade de Fé desde os Apóstolos. Infelizmente, vivemos tempos de legalismo na Igreja e, para cada coisa que se afirme, sempre vai aparecer alguém que vai pesquisar dados para afirmar o contrário. Isso aconteceu e esse estado de coisas se instalou a partir do momento em que as regras deixaram de ser claras na Igreja. Hoje temos padre e bispo defendendo até união homossexual, criminoso condenado, direito ao aborto, etc, etc.
Sem querer entrar em polêmicas muito maiores, se você compara os documentos do Vaticano II com todos os dos concílios que existiram antes dele, nota de imediato uma diferença gritante no estilo da própria redação e na exposição das proposições. Antes, era tudo muito claro e bem definido. Isto é certo, aquilo é errado. "A" era "A" e "B" era "B". O sim era Sim e o não era Não, como ordenou Nosso Senhor, porque "o que passa disso provém do Maligno" (cf. Mt 5,37). Ponto.
A partir do Conc. Vaticano II, encontramos muitas nuances, meandros, pontos mal iluminados, meias palavras e meios tons que (muitas vezes postos aí propositalmente) deixam margem para interpretações diversas... Isto é altamente nocivo para as almas. Para arrematar a questão e exemplificar o que estou dizendo, veja que o próprio ponto apresentado não é nada claro. O que está dito ali é difuso, obscuro, dúbio; dá margem para diversas interpretações:
"O desígnio de salvação envolve igualmente os que reconhecem o Criador, entre os quais, em primeiro lugar, os muçulmanos que declarando guardar a fé de Abraão conosco adoram o Deus único e misericordioso que há de julgar os homens no último dia..."
O que significa exatamente "o desígnio de salvação envolve..."? Quer dizer que eles serão salvos sem aderir ao Evangelho? Pela mediação de Maomé, talvez? Isso claramente é heresia e blasfêmia, e Nosso Senhor Jesus Cristo disse exatamente o contrário: "Quem crer e for batizado será salvo. QUEM NÃO CRER SERÁ CONDENADO". Como se não fosse suficiente, o Apóstolo completa: "...se alguém, ainda que nós ou mesmo um anjo dos céus, vos anuncie um evangelho diferente do que já vos anunciamos, seja anátema" (Gl 1,8ss.).
Anátema é sinônimo de excomunhão (ex-communio), quer dizer, tal pessoa não pertence à Igreja, porque não tem a Fé da Igreja. Muito simples.
Mas será que com tais palavras não é isso exatamente que o Catecismo está dizendo, mas apenas sugerindo alguma outra coisa, como que não devemos ser muito duros com as pessoas de outras religiões e buscar uma convivência mais amigável com elas, nestes novos tempos em que a fraternidade humana é considerada muito importante? Poderia ser isso? Honestamente, não parece ser apenas isso. Qualquer um que tenha "olhos para ver e ouvidos para ouvir" percebe que há uma grossa heresia afirmada nesse trecho. Mesmo assim, alguns tentam interpretar de algum jeito forçosamente "católico". Enfim, há diversas partes no novo Catecismo, como acontece também com os documentos do Vaticano II e praticamente tudo o que os papas publicaram depois dele, que até podem ser interpretadas de variadas maneiras, com algum malabarismo mental até numa perspectiva de "continuidade". Por isso toda a confusão, por isso tanta dificuldade e toda a apostasia que vemos, enquanto a moral escoa pelo ralo. Por isso temos tantos grupos que disputam entre si dentro da própria Igreja, com ideias e conceitos radicalmente diferentes, muitas vezes até opostos.
Essa é a nossa triste realidade. Vivemos tempos dificílimos. Precisamos pedir a Deus por coragem, perseverança, temperança, que Ele nos ilumine e fortaleça na Fé. Precisamos pedir a Ele que restaure a sua Igreja, para a sua maior glória e para o bem das almas. Espero ter ajudado.
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[1] A própria citação trazida para a consulta, aliás, é do Concílio do Vaticano II, ensinada na Constituição dogm. Lumen Gentium (16: AAS 57) e na Declaração Nostra aetate (3: AAS 58) (1965; 1966, respec.).
Mais claro, impossível. Que grande prazer me causa contribuir com essa Fraternidade.
ResponderExcluirMuito grato, meu caro Geraldo. Ai de mim, se não usar os dons que recebi para o bem das almas, conforme ordena Nosso Senhor!
ExcluirFraternidade Laical São Próspero
Eu interpreto que o que eles quiseram dizer, na verdade, com desígnio de salvação diz respeito que a vontade salvadora de Deus abrange também os integrantes dessa religião, com ressalvas, por exemplo, de uma ignorância absoluta (que é tratado na catecismo, não me recordo agora o paragrafo), de modo que, se uma pessoa nascida, criada e morta dentro dessa religião (muçulmana) aplica-se a ela a ignorância absoluta, de modo que pela misericórdia de Deus a pessoa será julgada conforme sua própria consciência moral. Semelhante, por exemplo, a resposta que Jesus deu à cananeia: Senhor, é verdade, mas os cachorrinhos têm o direito de comer das migalhas que caem da mesa. Também é interessante lembra que a Igreja somente afirma que está no céu (santos canonizados), mas não afirma que alguém esteja no inferno.
ResponderExcluirSalve Maria!
ExcluirVeja bem, meu caro anônimo, que realmente você está interpretando (como reconhece) aquilo que, no seu entender, quiseram dizer os autores do documento. Mas não foi isso o que disseram, e se a intenção era essa que você apresenta, então erraram, e gravemente. Porque o que diz o documento, textualmente, é que os muçulmanos adoram junto conosco o mesmo Deus único e verdadeiro, o que é uma clara heresia. Ponto.
Fraternidade Laical São Próspero
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia.
ResponderExcluirPorque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.
Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu; não é o caso de vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre.
João 6:54-58