A aparição de Nossa Senhora em La Salette: a verdadeira história – parte 3

O Santuário de Notre Dame de La Salette, hoje.

Ler a primeira parte

NO DIA SEGUINTE ao da aparição de 19 de setembro de 1846, a notícia se espalhava como um incêndio. La Salette tinha em torno de oitocentos habitantes, um pequeno vilarejo de camponeses dos Alpes. Muitos vinham perguntar a Maximim e Mélanie o que sucedera, e eles repetiam sempre a mesma história, à exaustão.

    O ocorrido, claro, chegou ao pároco de La Salette, um experiente ancião. A santa Igreja, como Mãe e Mestra, sempre espera o momento certo para se manifestar, pois há critérios estabelecidos para discernir quanto aos casos de aparições. 
E o pároco, num primeiro momento, adotou uma atitude prudente, mas diante da clara sinceridade das duas crianças, e do fato de que ambas se repetiam com precisão ao contar exatamente todos os detalhes do sucedido, logo acreditou. No fim de semana seguinte, ele falou no ambão da paróquia sobre a aparição, o que constrangeu o bispo local, Dom Philibert de Bruillard, que o repreendeu duramente. Todavia, logo na sequência dos fatos, dando-se conta de tantas e tão claras evidências, também ele acreditou na veracidade das aparições. Pouco depois, o cardeal-arcebispo de Lyon, Dom Louis-Jacques-Maurice de Bonald, manifestou-se cético, exigindo das crianças, para que aceitasse a realidade das aparições, a revelação do segredo que lhes fora dado por Nossa Senhora.

                Nos casos de aparições marianas em que há mais de um vidente, é comum que um assuma uma responsabilidade maior pela transmissão dos pedidos de Nossa Senhora. Mélanie, a mais velha, mesmo sendo uma camponesa humilde muito simples, assumiu esse papel. 

    A parte principal da revelação da Santíssima Virgem ficou sob responsabilidade dela. Lembrando que, durante a aparição de La Salette, Nossa Senhora falou às crianças individualmente, e uma não ouviu o que ela dissera à outra.

 

    Sob a pressão do Cardeal de Lyon, Mélanie aceitou escrever o segredo que recebera, o qual Nossa Senhora lhe dissera para não revelar imediatamente, mas que deveria esperar por dez anos, até 1856. Interessante notar aqui que Maria Santíssima apareceria novamente em 1858, em Lourdes.

 

    Mélanie então concordou em escrever o segredo, mas sob a condição de que somente o entregaria ao Papa, no caso, Pio IX. Nesse momento, as crianças já vinham sendo interrogadas por teólogos, sacerdotes, a serviço do Bispo de Grenoble, que constataram não haver nada de contraditório ou de estranho na maneira como descreviam a aparição. Mas houve, desde esse logo, dificuldade com o segredo, porque a mensagem que Nossa Senhora trouxera do Céu era muito dura...

 

    Mélanie escreveu então um primeiro manuscrito, mas este foi descartado, sendo que a menina simplérrima vinha sendo pressionadíssima, questionadíssima, certamente submetida a um estado de tensão emocional e psicológica pesado demais para ela. Enfim, chegaram a um acordo: o cardeal Bonald de Lyon cedeu dócil ao que identificou como a vontade de Deus naquele momento. 

    Uma nota interessante: enquanto escrevia a carta, Mélanie perguntou aos padres presentes à ocasião o que significava “infalibilidade” e também como se escreviam as palavras “maculada” e “anticristo”. No dia 18 de julho de 1851, o segredo chegou, lacrado, às mãos de Pio IX, e foi encaminhado ao então rigoroso Santo Ofício, onde foi arquivado ainda com o lacre. Em 1873, Mélanie fez uma segunda redação, sobre a qual se criaria muita polêmica.

 

    As crianças, desde o início, nunca tiveram uma vida fácil. Maximim chegou a entrar para o seminário, mas teve muitas dificuldades, o que em nada impugna a mensagem recebida em La Salette. Morreu antes de completar quarenta anos. Mélanie, aos vinte, no ano em que escreveu o segredo para envio ao Papa, entrou para o convento, mas também não teve uma vida fácil. Foi duramente perseguida, mudando muitas vezes de um convento para outro. Não foi assim porque ela o quisesse, mas porque era mandada. Ela queria falar de La Salette, mas era podada. Foi assim até que, em 1867, aos seus trinta e seis de idade, chegou ao convento onde permaneceria até o dia de sua morte, aos 73 anos. Foram 37 anos, metade de sua vida, nesse convento em Altamura, localidade próxima a Nápoles. Ali, ela viveu um grande calvário, mas teve também um pouco de paz.

 

    Quando, em 1851, ela escreveu o segredo e o enviou para Pio IX, entrando para a vida religiosa, dizia ardentemente que a maçonaria trabalharia de todas as formas para destruir a santa Igreja Católica. E de fato os ataques de Satanás se intensificaram, através de múltiplos instrumentos, estando a maçonaria envolvida em muitos deles, de forma mutativa.

 

    Quando Mélanie começou a falar da maçonaria, porém, foi violentamente cerceada, inclusive por inimigos insidiosos que já se encontravam inseridos dentro da própria Igreja. Curiosamente, o grnde Mons. Delassuss, em sua obra clássica[1] – o célebre livro de cabeceira de São Pio X –, já alertava sobre tudo isso.

    


A Aprovação Eclesiástica

Qual o grande segredo de La Salette? Por que foi tão perseguido? A aparição de Nossa Senhora de Salette foi reconhecida e aprovada pela Igreja em 1851. O Bispo de La Salette encarregou dois teólogos das investigações da aparição e de todas as curas relacionadas a ela registradas. Durante cinco anos procederam-se aos mais minuciosos estudos. Em toda a França, em aproximadamente oitenta lugares diferentes, os bispos encarregaram sacerdotes de investigar as curas milagrosas através da intercessão de Nossa Senhora de Salette. Centenas de graças foram registradas. Por fim, o Santo Padre Pio IX aprovou a devoção.

    No documento de proclamação de autenticidade da aparição, , intitulado Mandamento, Mons. Bruillard, após proceder ao histórico dos fatos e das indagações canônicas, diz:

Nós julgamos que a aparição da santa Virgem aos dois pastores (...) traz consigo todas as características da verdade, e que os fiéis têm fundamento para crer nela como indubitável e certa. (...) Nós vos conjuramos, meus bem-amados irmãos: tornai-vos dóceis à voz de Maria que vos chama à penitência, e que, da parte de Seu Filho, vos ameaça com males espirituais e temporais se permanecerdes insensíveis às suas advertências maternais e se endurecerdes vossos corações. [SULLIVAN, 2005]

    A partir das aparições, diversas congregações saletinas foram fundadas, entre as quais os Missionários e Irmãos de Nossa Senhora de Salette, dedicados a propagar a mensagem de reconciliação.


A mensagem e as profecias

Recapitulando, a "Bela Senhora" aparecida a Mélanie e Maximim, assntada sobre uma pedra, chorava, cobrindo a face com as mãos. Depois, põe-se de pé. As duas crianças não se mexiam. Ela lhe disse então, em francês: "Vinde, meus filhos, não tenhais medo, estou aqui para vos contar uma grande novidade".

    Então, as crianças descem até a Bela Senhora. Olham-na; ela não para de chorar: “Achávamos que era uma mamãe cujos filhos a tivessem espancado e que se teria refugiado na montanha para chorar", diriam eles depois.

    Nossa Senhora nessa visão é alta e toda de luz. Veste-se como as mulheres da região. “Nós a ouvimos e não pensávamos em mais nada”. Ela diz: "Se meu povo não quer submeter-se, sou forçada a deixar cair o braço de meu Filho. É tão tão pesado que não o posso mais suster. (...) Há quanto tempo sofro por vós! Dei-vos seis dias para trabalhar, reservei-me o sétimo, e não me querem conceder! É isso que torna tão pesado o braço de meu Filho".

E também os carroceiros não sabem jurar sem usar o Nome de meu Filho. São essas as duas coisas que tornam tão pesado o braço de meu Filho. Se a colheita se estraga, e só por vossa causa. Eu vos mostrei no ano passado com as batatinhas, e vós nem fizestes caso! Ao contrário, quando encontráveis batatinhas estragadas, juráveis usando o nome de meu Filho. Elas continuarão assim, e neste ano, para o Natal, não haverá mais.


    Curiosamente, a palavra “batatinhas” no francês (‘pommes de terre'), deixa Melánie intrigada. No dialeto da região, diz-se “la truffa“, e "pommes" lembra-lhe o fruto da macieira; a menina então se volta então para Maximino e lhe pede uma explicação. Nossa Senhora porém, adianta-se, dizendo: "Não compreendeis, meus filhos? Vou dizê-lo de outro modo". E retomando as últimas frases no dialeto de Corps, a língua falada correntemente por Maximino e Melánie.

    Depois de um tempo, repentinamente, a "Bela Senhora" continua a falar, mas somente Maximino a entende. Melánie percebe seus lábios se moverem, mas nada ouve ou entende. Alguns instantes depois, somente Melánie, por sua vez, pode ouvir, enquanto Maximino, nada mais entende. Assim Nossa Senhora falou em segredo a Maximino e depois a Melánie. A seguir, novamente os dois, em conjunto, ouvem as seguintes palavras: "Se se converterem, as pedras e rochedos se transformarão em montões de trigo, e as batatinhas serão semeadas nos roçados".  

    "Fazeis bem vossa oração, meus filhos?", pergunta a Virgem. “Não muito, Senhora“, respondem inocentemente as crianças. "Ah! Meus filhos, é preciso fazê-la bem, à noite e de manhã, dizendo ao menos um Pai Nosso e uma Ave Maria quando não puderdes rezar mais. Quando puderdes rezar mais, dizei mais".

Durante o verão, só algumas mulheres mais idosas vão à Missa. Os outros trabalham no Domingo, durante todo o verão. Durante o inverno, quanto não sabem o que fazer, vão a Missa zombar da religião. Durante a Quaresma vão ao açougue como cães.

    "Nunca viste trigo estragado, meus filhos?", pergunta ela. “Não Senhora” , responderam eles. Então Ela se dirige a Maximino:

Mas tu, meu filho, tu deves tê-lo visto uma vez, perto do Coin, com teu pai. O dono da roça disse a teu pai que fosse ver seu trigo estragado. Ambos fostes até lá. Ele tomou duas ou três espigas entre as mãos, esfregou-as e tudo caiu em pó. Ao voltardes, quando estáveis à meia hora de Corps, teu pai te deu um pedaço de pão, dizendo-te: 'Toma, meu filho, come pão neste ano ainda, pois não sei quem comerá dele no próximo ano, se o trigo continuar assim'.

    Maximin então responde: “É verdade, Senhora, agora eu me lembro. Há pouco não lembrava mais“. E a Bela Senhora conclui, não mais em dialeto, e sim retomando o francês: "Pois bem, meus filhos, transmitireis isso a todo o meu povo". Referia-se às advertências quanto ao arrependimento e penitência pela incredulidade e infidelidade do povo e aos conteúdos do segredo que lhes havia revelado. Mas as crianças certamente não podiam imaginar, nesse momento, que isso seria o começo de uma longa e penosa história.

    Ler a continuação

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[1] DELASSUS, M. Henri de. A conjuração anticristã. Campinas: Castela, 2016.
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Fontes e bibliografia:
MAIA, Pe. Wander de Jesus. Aparições marianas: Apelos maternos e avisos proféticos da Mãe de Deus, Campinas: Ecclesiae, 2023, pp. 29-34.
DUFAUR, Luís Eduardo, A aparição de La Salette e suas profecias. São Paulo: Petrus, 2011.
BLOY, Leon, Aquela que chora. Campinas: Ecclesiae, 2016
SULLIVAN, Randall. Detetive de Milagres. São Paulo: Objetiva, 2005.


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