A VERDADEIRA DEVOÇÃO – o que é? Para responder a essa pergunta, partiremos da amorosa abordagem de São Francisco de Sales, um dos maiores diretores espirituais que a Igreja já teve em toda a sua longa história, conforme ele a legou por suas obras "Filoteia" ('Introdução à vida devota') e "Tratado do Amor de Deus".
Queremos dar aos nossos leitores esse refresco, que os ajude a suportar tantas más notícias e angústias nestes nossos tempos confusos. Teremos, então, estas pausas para respirar dos escândalos e dores que nos assolam para elevar nossas mentes, corações e almas ao Céu sob a condução de um amante de Deus que foi um digníssimo pastor de almas. [Com essa mesma finalidade, em nossa Formação Católica Integral e Permanente, para assinantes de nossa plataforma exclusiva, estamos elaborando uma série voltada à direção espiritual para tempos difíceis baseada na obra de São Francisco de Sales, em nossos módulos sobre Teologia Ascética e Mística – assine para ter acesso, por um valor simbólico].
Mas estes nossos tempos tão difíceis são, também, tempos históricos muito abençoados para se viver, porque agora Deus está – neste exato momento – nos concedendo oportunidades únicas de santificação e aprofundamento na Fé, como há muito tempo os fiéis não tinham. Nossa fidelidade será, sim, duramente testada, mas isso é, afinal, uma grande graça. Demos graças ao SENHOR, que sabe de todas as coisas e quis abençoar assim especialmente a esta nossa geração.
Todavia, por sua grande dificuldade e por seus imensos desafios, esta nossa época exige de nós – e certamente exigirá, cada vez mais – uma espiritualidade profunda e solidamente enraizada, que nos mantenha em comunhão espiritual constante com Nosso Senhor, nossa Mãe Imaculada e nossos irmãos os Santos da Igreja triunfante, para que possamos também vencer o mundo pela graça de Cristo. É nesse momento assim importante que vêm os gigantes da Fé, como São Francisco de Sales, a nos auxiliar com o seu cajado e suas doces palavras, sempre consoladoras, aptas para fortalecer as nossas almas angustiadas.
Antes de entrar nessa Teologia santificante e profundamente espiritual, que cala fundo em nosso interior e nos leva a amar mais perfeitamente a Deus, importa saber um pouco mais sobre o seu santo autor. Iniciemos, portanto, com uma breve biografia de São Francisco de Sales, Doutor da Igreja.
Breve biografia de São Francisco de Sales
Por Ismael da Cunha – Oratório Secular de São Filipe Neri de São Paulo
FRANCISCO DE SALES, primogênito de uma nobre família francesa, nasceu em 1567, no castelo de Thorens, Savoia (França). Como era a tradição entre os nobres da época, durante todo o período dos seus estudos teve de exercitar-se como cavaleiro e espadachim para tornar-se também um guerreiro.
Sua vocação, no entanto, estava nas carreiras intelectuais. Aos quinze anos de idade já estava cursando Direito na Universidade de Paris (Sorbonne). Paralelamente a esse curso, completou os estudos em Filosofia e Teologia. Nesse período, a Universidade de Sorbonne era palco para o desfile das novas ideias que se apresentaram com a Renascença e a dita Reforma protestante.
Em 1588, já bacharel, Francisco de Sales iniciou doutoramento em direito civil e canônico em Pádua, na Itália. Finalizou esses estudos em 1591, retornando à França no ano seguinte. Novamente com a família, expôs sua decisão de ser da Igreja. Desde pequeno almejava ser sacerdote.
Não foi fácil convencer o pai, que já desenhara o futuro do filho: advogado do Senado da Savoia, casado com uma moça de boa posição e excelentes qualidades. A decisão do filho, contudo, se fez concretizar quando foi nomeado preboste[1] do capítulo catedrático[2] na diocese de Genebra (Suíça) pelo Mons. Claude de Granier, bispo de Genebra.
A vida religiosa
A cidade para onde Francisco foi designado estava dominada pelas ideias protestantes e pela “república” de Calvino, a ponto de o bispo daquela diocese ter sido obrigado a passar a residir em Annecy, capital da Savoia, para fugir da fogueira calvinista.
Como religioso, Francisco enfrentaria muitos combates. Desde a sua ordenação, entregou-se às pregações, à celebração da Santa Missa e, sobretudo, às Confissões.
Em 1594, foi para uma região habitada por muitos protestantes denominada Chablais. Acompanhado por seu primo, Louis de Sales, passou a trabalhar pela conversão daquelas pessoas. Foi uma luta intensa. Quatro anos de esforços para, como dizem acerca desse episódio, “forçar as muralhas de Genebra pela oração e invadi-la com a caridade”. Suas ações principiaram com a publicação e distribuição em domicílio de cadernos que tratavam da Doutrina católica. Com o tempo, passou à pregação direta e à controvérsia.
Nesse período, foi nomeado bispo coadjutor[3] pelo papa Clemente VIII. Logo em seguida, em 1602, após o falecimento de Mons. Granier, foi sagrado bispo de Genebra. Dedicou-se às tarefas pastorais, atendendo exemplarmente às reformas recomendadas pelo
Concílio de Trento.
A Ordem da Visitação
Em 1604, enquanto pregava os sermões de Quaresma em Dijon, França, Francisco de Sales conheceu Joana de Chantal, uma jovem senhora de origem nobre que se dedicava à família e também às obras de misericórdia e caridade. Órfã de mãe, aos vinte e oito anos Joana enviuvara do barão de Rabutin-Chantal.
Santa Joana Francisca de Chantal
O Bispo de Genebra passou a se encarregar da direção espiritual de Joana e transmitiu a ela a importância do abandono em Deus. Seis anos após esse encontro, seguindo os conselhos e orientações de seu diretor, Joana fundava a Ordem da Visitação em Annecy, na França. Em seguida, coordenou a fundação do segundo mosteiro naquele país. Joana de Chantal faleceu em 1641 e foi canonizada em 1767, pelo papa Clemente XIII.
A Visitação, ordem de vida monástica contemplativa, está presente também na Itália, com casas fundadas ainda no século XVII, no Uruguai e no Brasil. A primeira fundação em terras brasileiras se deu em Pouso Alegre (MG), em 1902. A comunidade de Minas, no entanto, transferiu-se em 1915 para a capital de São Paulo, no bairro de Vila Mariana, onde permanece até hoje (
saiba mais).
A espiritualidade salesiana
Praticamente todos os ensinamentos de São Francisco de Sales, bem como sua espiritualidade, têm origem em suas experiências de vida.
Os tempos de estudo e o contato com algumas ideias protestantes renderam a Francisco uma profunda dúvida acerca de sua própria salvação. O tormento só cessou na ocasião em que, ajoelhado diante de uma imagem de Nossa Senhora, ele realizou um ato de abandono e de esperança em Deus. Declarou ao Senhor que estava disposto a amá-lo durante esta vida, mesmo que o seu destino fosse a condenação eterna. Todas as dúvidas acerca da sua salvação foram então confiadas à Misericórdia divina.
Esse abandono em Deus, – ensinado também à Joana de Chantal, – marcou o caráter de Francisco de maneira muito acentuada e tornou-se uma das linhas-mestras da sua espiritualidade. Do abandono vêm a suprema serenidade e a paz características deste santo, que lutou para harmonizar uma alegria permanente e o esforço intenso parar cumprir a Vontade de Deus.
O bispo de Genebra encarregou-se ainda da direção espiritual de muitos, desde soldados e camponeses protestantes até nobres e freiras. Os conselhos que a eles dirigia venceram o tempo, pois chegam a nós por meio de suas duas principais obras: "Introdução à Vida Devota" ou "Filoteia" (1608) e o "Tratado do Amor a Deus" (1619).
Em sua "Introdução à Vida Devota", lemos:
“Quase todos os autores que até esta data têm estudado a devoção, tiveram por pauta ensiná-la aos que vivem afastados do mundo. O meu objeto agora é doutrinar os que habitam nas cidades, vivem com suas famílias, tendo de seguir externamente uma conduta comum.”
Francisco de Sales acolhia os pecadores, buscando compreendê-los. E os ensinava. Convidava à devoção e à prática de um amor a Deus que fosse ativo, preocupado em agradar a Deus em tudo. Ensinava como meditar, recomendando uma forma dialogada e simples, num método precioso e permeado de afeto, que deveria ser buscado por todo cristão católico. Dirigia ainda sua preocupação às qualidades que gerassem uma convivência amável entre as pessoas.
Todavia, em contrapartida à doçura, humildade e paciência, Francisco também era firme e enérgico. Foi essa luta por suavizar o caráter lhe permitiu apresentar aos seus dirigidos um quadro amável da luta interior.
Francisco morreu em Lyon, no ano 1622, quando visitava o convento de suas religiosas. No ano seguinte, seu corpo foi trasladado a Annecy. Seus ensinamentos marcaram profundamente a espiritualidade dos últimos quatro séculos.
Em 1664, Francisco de Sales foi canonizado; a Igreja celebra o seu dia aos 24 de janeiro. Em 1877, Pio IX o nomeou Doutor da Igreja e, em 1923, foi proclamado padroeiro dos jornalistas e escritores católicos pelo papa Pio XI, sendo, portanto, um dos padroeiros deste nosso apostolado.
São Francisco de Sales, rogai a Deus por nós!
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Notas:
[1] Juiz civil ou militar da antiga magistratura francesa. O preboste, hierarquicamente, está abaixo do abade em uma ordem ou convento e o substitui em caso de ausência.
[2] O termo 'capítulo catedrático' refere-se a certos corpos eclesiásticos da Igreja; 'capítulo' ainda designa as reuniões para a discussão de assuntos de interesse de uma ordem ou mosteiro.
[3] Bispo coadjutor é um bispo titular que auxilia e também substitui um bispo ou arcebispo em caso de ausência. Diferentemente do auxiliar, o bispo coadjutor pode suceder o bispo, a exemplo do que aconteceu com Francisco de Sales.
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