NO MÊS DE SETEMBRO do ano 1870, uma religiosa do Mosteiro das Irmãs Redentoristas de Malines, na Bélgica, sentiu repentinamente uma profunda tristeza que, a partir de então, não a deixava, dia e noite. A pobre Soror Maria Serafina do Sagrado Coração (a mesma mítica que viu Lutero no Inferno – leia sua biografia) tornou-se então um enigma, para si própria e para a sua comunidade. Pouco depois tempo depois, chegava a notícia da morte de seu pai, ocorrida nos campos de batalha da Guerra Franco-Prussiana. Desde esse dia, a religiosa começou a ouvir gemidos angustiosos de uma voz que lhe dizia sempre: "— Minha filha querida, tem piedade de mim! Tem piedade de mim".
No dia 4 de outubro daquele ano, vieram novos tormentos para a Irmã, com uma dor de cabeça intensíssima. No dia 14 seguinte, à noite, ao deitar-se, ela viu, entre a cama e a parede de sua cela, seu pai falecido, cercado de chamas e imerso em uma tristeza profunda. Não pôde reter um grito de dor e de espanto. No dia seguinte, à mesma hora, quando recitava a Salve Rainha, viu novamente o pai entre chamas. À essa visão, perguntou a Irmã ao pai se havia ele cometido alguma injustiça nos seus negócios. "Não", respondeu ele, "não cometi injustiça alguma: sofro pelas minhas impaciências contínuas e outras faltas que não te posso dizer".
No dia 27, uma nova aparição. Dessa vez, não estava cercado de chamas. Queixou-se de que não era aliviado porque não rezaram bastante por ele. "Meu pai, não sabes que nós, religiosas, não podemos rezar o dia todo? Que temos os trabalhos da Regra?". — "Eu não peço isso", respondeu ele, "quero que apliquem por mim as intenções, as indulgências. Se não me ajudares, hei de te atormentar. Deus o permitiu! Oh! Minha filha, lembra-te que te ofereceste a Nosso Senhor como vítima: eis a consequência. Olha, olha, minha filha, esta cisterna cheia de fogo em que estou mergulhado! Somos aqui centenas. Oh! Se soubessem o que é o Purgatório, haviam de sofrer tudo, tudo para evitar e para aliviar as almas que estão lá, cativas. Deves ser uma religiosa muito santa, minha filha, e observar bem a Santa Regra, ainda nos seus pontos mais insignificantes. O Purgatório das religiosas, oh! É uma coisa terrível, filha!".
Soror Maria Serafina viu, realmente, uma cisterna em chamas donde saíam nuvens negras de fumo. E o pai desapareceu, como que abrasado, sufocado horrorosamente, sedento, a abrir a boca mostrando a língua ressequida: "Tenho sede, minha filha, tenho sede!"...
No dia seguinte a mesma aparição dolorosa: "Minha filha, há muito tempo que eu não te vejo!". — "Meu pai, ontem mesmo nos vimos", respondeu ela. "Oh! Parece-me uma eternidade... Se eu ficar no Purgatório três meses, será uma eternidade... Estava condenado a diversos anos, mas devo a Nossa Senhora, que intercedeu por mim, ficar reduzida minha pena a alguns meses".
Esta graça de poder vir pedir orações, o bom homem alcançou pelas suas boas obras, pois em vida ele fora extremamente caridoso e devoto de Maria Santíssima. Comungava em todas as festas da Virgem e ajudou muito na fundação de uma casa de caridade das Irmãzinhas dos pobres da Diocese.
Soror Maria Serafina fez diversas perguntas ao pai: "As Almas do Purgatório conhecem os que rezam por elas e podem rezar por nós?" — "Sim, minha filha", respondeu o pai. "Essas almas sofrem ao saberem que Deus é ofendido no meio de suas famílias e no mundo?" — "Sim".
A Irmã, orientada por seu confessor e pela Superiora, continuou a interrogar o pai: "É verdade, meu pai, que todos os tormentos da Terra e dos mártires estão muito abaixo do sofrimento do Purgatório?" — "Sim, minha filha, é bem verdade tudo isso".
Perguntou se todas as pessoas que pertencem à Confraria do Carmo são libertadas, no primeiro sábado depois da morte, do Purgatório. — "Sim, respondeu ele, mas é preciso ser fiel à todas as obrigações da Confraria". — "É verdade que há almas que devem ficar no Purgatório até cinquenta anos?" — "Sim. Algumas estão condenadas a expiar os seus pecados até o fim do mundo. São almas bem culpadas e estão abandonadas. Há três coisas que Deus pune e que atrai a maldição sobre os homens: a violação do dia do Domingo pelo trabalho, o vício impuro, que se tornou muito comum, e as blasfêmias. Oh! Minha filha, as blasfêmias são horríveis e provocam a ira de Deus".
Desde esse dia até à noite de Natal, sempre aparecia à Soror Maria Serafina a alma atormentada de seu pai, pela qual ela e a comunidade então rezavam e faziam penitências. Na primeira Missa do Natal, a boa Irmã viu seu pai à hora da Elevação da santíssima Hóstia, brilhante como o Sol, com uma beleza incomparável. — "Acabei meu tempo de expiação, filha!", disse ele, "Venho te agradecer, e às tuas Irmãs, as orações e sufrágios. Rezarei por todas no Céu".
Ao entrar em sua cela, já durante a madrugada, viu a Irmã Serafina, mais uma vez, a alma de seu pai, resplandecente de luz e de beleza, dizendo: "Pedirei para a tua alma, filha, perfeita conformidade com a vontade de Deus e a graça de entrar no Céu sem passar pelo Purgatório". E desapareceu num oceano de luz e de beleza.
Os fatos aqui narrados se deram de outubro a dezembro do ano 1870, e passaram pelo crivo de um severo e rigoroso exame das autoridades eclesiásticas, antes de serem publicados e divulgados amplamente pela Obra Expiatória de Nossa Senhora de Montiglion, na França.
Que esse maravilhoso exemplo sirva para nos inspirar a interceder continuamente pelas almas que padecem no Purgatório (a Igreja Padecente), com nossas melhores orações e penitências. Saibamos também que elas rezarão por nós, que mais do que elas precisamos, já que elas têm sua salvação garantida e padecem nas chamas da Misericórida divina.
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** Texto retirado da obra de Mons. Ascânio Brandão, "Tenhamos Compaixão das Pobres Almas do Purgatório", (Ed. da Divina Misericórdia), disp. em formato digital em "Valde":
https://valde.com.br/blog/detalhes/tenhamos-compaixao-das-pobres-almas
Acesso 5/11/2023.
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