Por Pe. Jean-Michel Gleize para o "La Porte Latine"
“UM DOS PRINCIPAIS argumentos que se pode apresentar contra a existência de Deus é o fato de haver o mal no mundo. Esta objeção está sempre presente no pensamento contemporâneo dos militantes do ateísmo”, disse Charles Morerod[1].
EM 2005, o Tratado de ateologia de Michel Onfray difundiu amplamente (cem mil cópias vendidas) ideias demasiado superficiais[2]. O sucesso dessa publicação mostra apenas uma coisa: a fraqueza cultural do catolicismo na França contemporânea. Muito mais sutilmente, André Comte-Sponville oferece uma "espiritualidade ateísta"[3]. No mundo anglo-saxão, um sucesso considerável foi alcançado pelo ateísmo virulento de Richard Dawkins, biólogo professor na Universidade de Oxford[4]. Também em Oxford, Sir Anthony Kenny, ex-padre católico que se apresenta como especialista em Santo Tomás de Aquino, publicou diversos trabalhos em favor do agnosticismo[5]. Um trabalho próximo ao de Dawkins, menos polêmico, foi publicado por seu amigo americano Daniel Dennett[6]. De um modo mais filosófico, Robin Le Poidevin, professor de filosofia da religião na Universidade de Leeds, empreende uma refutação sistemática dos argumentos a favor da existência de Deus[7].
As questões colocadas por esses ateus a propósito do problema do mal podem ser resumidas da seguinte forma:
• Como um Deus todo-poderoso, onisciente e infinitamente bom pode existir em face da presença do mal?
• Um argumento assim tão problemático sobre a ordem do mundo pode ser utilizado para demonstrar a existência de Deus?
• O mal, seja físico, seja moral, é atribuível, no fim das contas, à responsabilidade do Criador.
• Dizer que o mal existe porque Deus nos deixa livres significa negar a liberdade de Deus e dos bem-aventurados, e colocar a ignorância acima do conhecimento.
• Como pode um Deus Pai deixar sofrer seus filhos?
Na Suma teológica, artigo 3 da questão II, Santo Tomás de Aquino apresenta o argumento de maneira muito mais técnica, isto é, metafísica. De fato, a objeção parte de um princípio lógico: “De dois contrários, se um é infinito, o outro está totalmente abolido”. Por exemplo, uma luz de intensidade finita deixaria ainda áreas de sombra, mas se houvesse uma luz infinita, toda a escuridão desapareceria necessariamente. A palavra Deus evoca a noção de um bem infinito. Portanto, se a realidade designada pela palavra Deus existisse, não haveria absolutamente mal algum. A objeção pode ser colocada da seguinte maneira:
Proposição maior 1: Se Deus é, o mal não é.
Proposição menor 1: Ora, o mal é.
Conclusão 1: Portanto, Deus não é.
Proposição maior 2: Se um de dois contrários é infinito, o outro é abolido.
Proposição menor 2: Ora, Deus é bondade infinita, e a bondade é o contrário do mal.
Conclusão 2 = proposição maior 1: Portanto, se Deus é, o mal não é.
Santo Tomás não encontra dificuldades em demonstrar que deve-se negar a proposição maior 1 e, na proposição menor 2, negar que “a bondade é o contrário do mal”. O mal é a privação, e não o contrário do bem, isto é, o mal não é algo diferente do bem, diametralmente oposto a ele e que lhe fizesse uma total abstração; o mal é a ausência de uma certa porção de bem no bem.
A doença, por exemplo, é a ausência de uma certa porção de saúde em um organismo que, sob outros aspectos, permanece saudável: os cegos ouvem e os surdos veem. Longe de excluir o bem, o mal o pressupõe, assim como longe de excluir toda a saúde (o que seria excluir a vida), a doença a pressupõe. E, portanto, longe de excluir a existência de Deus, o mal a pressupõe, pois Deus é a causa necessária da porção de bem que resta e que o mal pressupõe.
Tal resposta é satisfatória aos olhos da lógica. Mas ainda nos falta penetrar os termos. A resposta de Santo Tomás é “extremamente elíptica”[8], mas se situa em perfeita conformidade com esta resposta de ordem lógica. “À objeção do mal”, diz ele, “Santo Agostinho responde: Deus, sumamente bom, não permitiria de modo algum que qualquer mal se introduzisse em suas obras se não fosse tão poderoso e bom que não pudesse fazer, do próprio mal, o bem. É, pois, à infinita bondade de Deus que está ligada sua vontade de permitir os males para deles tirar o bem”.
Santo Tomás redireciona o argumento do mal em favor da existência de Deus. O mal, longe de pôr em causa a existência de Deus, antes a justifica. Isso se compreende se concebemos o que é o mal: privação pura, ele pressupõe a realidade a que priva de seu bem. Em "Contra gentes"[9], Santo Tomás oferece esta outra resposta: “Se o mal existe, Deus existe. De fato, não haveria mal algum se suprimíssemos a ordem do bem, da qual o mal é privação. Ora, esta ordem não existiria se Deus não existisse”. A existência do mal é a existência de um parasita, a qual revela a do organismo em que se enxerta e altera. A existência do mal reconduz, portanto, à existência de Deus. Pois de onde vem o bem, se Deus não existe?
Dito isto, a questão colocada pela objeção permanece, pois de onde vem o mal, se Deus existe? O que é manifestamente falso é a resposta que o opositor oferece à questão da origem do mal. Mas, ao demonstrar que esta resposta é falsa, não estaremos também dando a resposta verdadeira à questão. De onde vem o mal? Do fato de que não há Deus, ou seja, de que não há bondade infinita? Não, muito pelo contrário. Então, de onde vem o mal? A resposta a esta pergunta já não diz respeito à questão da existência de Deus e não temos de dá-la aqui. Ela toca uma outra questão, que é a da vontade de Deus[10] e sua providência[11]. O mal representa uma objeção válida quanto ao governo de Deus, e não quanto à sua existência.
E é claro, portanto, que todas as objeções do ateísmo contemporâneo e acima sintetizadas erram semelhantemente o alvo e pecam pelo mortal sofisma do ignoratio elenchi: não conseguem justificar o ateísmo enquanto tal, nem invalidar a existência de Deus, como tanto afirmam. A verdadeira questão por eles levantada, e com razão, não é, portanto, “como poderia existir um Deus?”, mas “por que o Bom Deus permite isto?”. E isso nos traz de volta à questão da divina providência. Em todo caso, porém, ninguém pode negar que “Deus existe”.
__________
[1] Cf. Charles Morerod, Quelques athées contemporains à la lumière de saint Thomas d’Aquin em Nova et vetera, ano LXXXII (abril-maio-junho de 2007), pp. 151ss, especialmente pp. 184-200.
[2] Cf. Emilio Brito, L’athéologie sans peine de Michel Onfray. A propos d’un livre récent em Revue théologique de Louvain, ano 37, fasc. 1, 2006, pp. 79-85.
[3] André Comte-Sponville, L’Esprit de l’athéisme, Introduction à une spiritualité sans Dieu, Albin Michel, 2006.
[4] Richard Dawkins, The God delusion, Bantam Press, Londres, 2006.
[5] Anthony Kenny, The Unknown God, Agnostic Essays, Continuum, Londres-Nova York, 2005.
[6] Daniel C. Dennett, Breaking the Spell, Religion as a Natural Phenomenon, Penguin Books, Londres, 2006.
[7] Robin Le Poidevin, Arguing for Atheism, An Introduction to the Philosophy of Religion, Routledge, Londres-Nova York, 1996 (reimpresso em 2004).
[8] Serge Bonino, Dieu, Celui qui est (Deo ut uno), Bibliothèque de la Revue thomiste, Parole et Silence, 2016, p. 214.
[9] Suma contra os gentios, livro III, capítulo 71.
[10] Cf. Suma teológica, questão 19 da prima pars.
[11] Cf. Suma teológica, questão 22 da prima pars.
** Padre Gleize é professor de apologética, eclesiologia e dogma no Seminário São Pio X de Écône. É colaborador do Courrier de Rome. Participou das discussões doutrinais entre Roma e a FSSPX entre 2009 e 2011. Esta tradução é de Daniel Marcondes para o "Cultura de fato", disp. em:
https://culturadefato.com.br/o-mal-diante-de-deus/
Acesso 29/1/2024.
Fonte: "Le mal : face à Dieu?", La Porte Latine, disp. em:
https://laportelatine.org/formation/apologetique/le-mal-face-a-dieu
Acesso 29/1/2024.
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