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A geração da época parece não ter se apercebido exatamente do que estava acontecendo... |
RECENTEMENTE, EM UM GRUPO de estudos católico no qual participo, surgiu uma questão particularmente interessante, que julgo conveniente compartilhar com os nossos leitores. Alguns membros levantaram a seguinte questão: se houve mesmo a tão comentada descontinuidade da Fé católica — na doutrina, na moral, nos costumes e na disciplina da Igreja—, com o advento do concílio Vaticano II, então porque, conversando com pessoas que viveram durante esse momento de transição, vemos que elas parecem não ter notado algo assim tão crítico?
Gostaria de comentar brevemente essa curiosa observação sobre os fiéis católicos que vivenciaram a transição do Vaticano II, com todas as mudanças que ele trouxe, e naquele momento, enquanto acontecia, parecem não ter notado nada de muito estranho. Esse é realmente um aspecto válido da questão toda, como um sinal indicativo de descontinuidade ou de continuidade — ainda que bastante secundário, obviamente.
Vejamos: em primeiro lugar, quero esclarecer que tenho agora 58 anos de idade (sou de 1967), então eu não vivi aquele primeiro momento, mas passei bem perto disso, porque as mudanças foram sendo implantadas muito lentamente, aos poucos, num processo que levou anos, e todos os meus parentes, com quem eu convivia, estes viveram isso diretamente, e comentavam a respeito, até a minha juventude. O que posso dizer, então, é o seguinte:
1) As pessoas notaram, sim, as mudanças, mas de forma muito sutil, justamente porque foi adotada essa estratégia (não o digo fazendo juízo moral, mas como simples constatação) de se efetivar a implantação das novidades muito lentamente. As pessoas mais atentas percebiam um processo de transformação, mas tudo acontecia gradualmente, um pequeno passo de cada vez, de modo que parecia se tratar de uma modernização (aggiornamento) da Igreja perfeitamente natural e até necessária, nada que rompesse com o que havia antes. É mais ou menos como envelhecer, por exemplo: não notamos que estamos ficando um pouco menos ágeis a cada dia, ou que aquelas ruguinhas nos cantos dos olhos estão se tornando mais nítidas, ou que os fios brancos vão se tornando a maioria em nossas cabeças. Só quando vemos uma foto tirada anos antes é que, na comparação crua, percebemos que houve uma grande mudança. Por ser um processo lento, não o notamos enquanto acontece. Foi o que houve na época.
2) As pessoas daquele tempo eram muito diferentes das de hoje, em muitos aspectos. Não havia esse acesso fácil, rápido e direto às informações como hoje. Não havia internet e muita gente sequer tinha um aparelho de TV em casa na década de 1960. A comunicação era bem mais lenta do que hoje e a troca de informações também. Isso sem dúvida contribuiu para que as mudanças não tivessem sido tão fortemente notadas ou comentadas.
3) O nível de escolaridade e de conhecimentos gerais da população era muitíssimo mais baixo que o de hoje: as estatísticas apontam que só 1% da população chegava a cursar o ensino superior em nosso país, e em termos proporcionais não era tão diferente numa perspectiva global. Logo, o nível de compreensão desse tipo de coisa era bem mais raso: as pessoas se contentavam em cuidar das próprias vidas, os homens ocupados em trabalhar para sustentar suas famílias e as mulheres atarefadas cuidando da casa e dos filhos. A religião era vista muito como uma obrigação a ser cumprida, algo que se aprendia desde a infância, e no geral era praticada mecanicamente, aquela coisa de rezar antes de dormir e assistir Missa aos domingos e dias de guarda. Ninguém estava muito preocupado em saber de continuidade da Doutrina.
4) Além disso, naquela época havia uma aceitação submissa da autoridade estabelecida, sem grandes questionamentos; esse era o costume, muito diferente do que acontece hoje; os professores, por exemplo, aplicavam castigos físicos às crianças nas salas de aula (eu vivi isso!) e nenhum pai reclamava. Afinal, era a autoridade competente, posta ali para isso, para educar as crianças, e tinha que ser respeitada. Muito mais respeito se dava a um bispo, e muito mais ainda ao próprio Papa. Ninguém questionava, ninguém se opunha a nada, exceto raríssimas exceções, como o jornalista Gustavo Corção ou o prof, Plinio Corrêa de Oliveira, por exemplo. Lembro-me, neste ponto, do improvável depoimento da cantora Rita Lee há alguns anos, quando ela disse que deixou de ir à Igreja justamente por conta das mudanças, que ela não queria ir à Missa para ver um padre “pop”, mas que ela gostava, isso sim, do rito em latim e dos cânticos litúrgicos tradicionais, etc.
5) Por todas essas razões, afora as honrosas exceções, a quase totalidade da população, em sua simplicidade, estava gostando das mudanças: agora podiam entender o que o padre dizia na Missa; as pregações estavam mais leves, já não se falava tanto em castigo ou no Inferno, e sim em caridade, perdão e paz. Não se mencionava mais o fazer penitência pelos pecados cometidos, bastava o amor... Agora o padre ficava de frente para a assembleia (poucos tinham conhecimento teológico ou doutrinal, ou mesmo o zelo suficiente para notar que, ao fazer isso, ele dava as costas ao Sacrário), tinha música popular, os leigos podiam participar de tudo, as confissões se tornaram um bate-papo informal e relaxado com um amigo... Eram mudanças bem vistas pela maioria daquelas pessoas das gerações Silenciosa (nascidos entre 1923 e 1946) e dos Baby Boomers (1946 a 1964).
Não, a Missa não foi apenas levemente adaptada. Foi literalmente inventado um rito novo e estranho à Tradição da Igreja de sempre. A moral católica? Foi completamente deixada de lado. As regras nos conventos, mosteiros e seminários foram mudadas radicalmente, quando não abandonadas. Etc. O resultado direto e imediato foi a queda da moral cristã e dos costumes salutares na sociedade ocidental. A juventude declinou para a promiscuidade, todas as produções artísticas assumiram uma sensualidade desmedida, a sociedade como um todo se tornou materialista, incontinente, indolente.
O mais grave, porém, foram as mudanças doutrinais trazidas pelo Vaticano II que contrariam frontalmente o que a Igreja sempre tinha ensinado até ali, desde o tempo dos Apóstolos, numa espécie de desconversão em massa dos próprios clérigos. Até então se rezava pela conversão dos "pérfidos judeus" (oremus et pro perfidis judaeis) e dos muçulmanos; mas o que passou a se pregar a partir desse ponto é que os judeus podem salvos pela antiga Aliança com Abraão (cf. Nostra Aetate) e que os muçulmanos adoram o mesmo Deus que nós (cf. CIC n.841).
A Lumen Gentium diz, de maneira dúbia, não que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica, como sempre fora ensinado antes, mas simplesmente que “subsiste” nela. Diz mais: que as religiões não católicas são meios de salvação, o que configura uma afirmação abertamente herética segundo a Igreja de antes — a dos Apóstolos. E todos os papas "pós-conciliares" disseram e ratificaram isso mesmo, sendo que o atual Francisco o faz com ênfase e pertinácia nunca vistas.
Essa nova doutrina contradiz diretamente o ensino dogmático de que não há salvação fora da Igreja Católica, algo que o papa Pio IX chamou de "o dogma católico mais conhecido". Além disso, as práticas ecumênicas que vieram daí são diretamente contrárias a Mortalium Animos de Pio XI.
O Vaticano II trouxe doutrinas que já haviam sido condenadas pelos Papas e promulgou disciplinas não só diferentes, mas também contrárias ao ensino e à prática constante da Igreja desde o início.
Texto interessantíssimo, resumiu tudo que aconteceu com a sociedade após o CVII.
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